Luanda - Apesar de Angola não ter valorizado ainda o jornalismo como profissão científica que exige credenciais de nível superior, nota-se há algum tempo o esforço de alguns profissionais em produzir “jornalismo” e afirmar o rigor e a deontologia da profissão.

Notei esse contraste no passado fim de semana quando li o Novo Jornal (NJ), dirigido por Vítor Silva e o Semanário Angolense (SA), dirigido por Salas Neto. Encontrei autêntico jornalismo no primeiro e mero activismo no segundo.
Elegi três artigos para ilustar o nível jornalístico exibido pelo Novo Jornal: o editorial de Vítor Silva sobre a necessidade que o país tem de uma nova classe empresarial; a análise do investigador sociólogo António Tomás à crítica que Pedro Rosa Mendes (PRM) fez recentemente sobre as relações entre Portugal e Angola e um editorial anterior (NJ nº 210 de 27/1/12) sobre o dossier Suzana Inglês.
Vítor Silva aborda com profissionalismo e absoluto rigor jornalístico o seu tema: O país precisa de uma nova classe de empresários, verdadeiros empreendedores que assumam uma ruptura com o passado e estejam à altura da livre concorrência neste mundo cada vez mais globalizado. Nota-se claramente que não tem compromissos, senão com a legalidade, o espaço privado dos cidadãos e o código deontológico dos jornalistas, quando, ao referir-se ao fundo de apoio ao empresariado, afirma que: “Ao invés de ser direccionado para mega projectos, que consomem milhões e cujo desfecho já se conhece, o prometido apoio deve ser direccionado para programas sustentáveis, capazes de tirar milhares de angolanos do estado de miséria em que vivem, conferindo-lhe um cunho nacional por forma a ajudar no combate as assimetrias regionais”.
E ataca o problema de frente: “...Não espanta que Angola esteja a ser, na actualidade, vítima de uma invasão silenciosa de contornos perigosos e para as quais, repete-se, não se tem dado a devida importância, apesar dos muitos exemplos públicos que deviam ser levados mais á sério, sob o risco de se estar a hipotecar o futuro do país”.
A riqueza de conteúdo exibida pelo Novo Jornal também ficou patente na objectividade com que o sociólogo António Tomás abordou as relações Portugal/Angola: “Os portugueses que cá vêm trabalhar não são propriamente uns pobres diabos. Vêm cá desempenhar uma grande função para a manutenção do poder que PRM condena. Por um lado, o Estado angolano não tem de investir no ensino porque pode contratar portugueses formados a custo do dinheiro dos contribuintes portugueses. Esses por sua vez ocupam o espaço da classe média, e não têm consciência política. A mudança de regime nunca lhes interessará. Ou seja, a dependência de Angola na mão-de-obra estrangeira acaba não apenas por emperrar o seu sistema de ensino, mas, mais gravemente, é factor de atraso do processo democrático em Angola. Porque trata-se de um contingente com poder económico, sem o correspondente poder político”.
O activismo político, por sua vez, está patente na maneira como a redacção (Salas Neto e Celso Malavoloneke) do SA introduziu e conduziu a discussão do tema “adiamento hipotético das eleições” e o tratamento que deu ao dossier que lhe está subjacente, Suzana Inglês e seus pares do Conselho Superior da Magistratura Judicial.
O tema levantado pelo SA na última semana é mal intencionado e está mal colocado. Defendo que constitui mais uma casca de banana que o Partido/Estado pretende lançar no mercado para os incautos escorregarem.
Na sua Carta ao leitor da Edição nº 452, de 11/2/2012, o Director do SA afirma: “Nas últimas semanas, a temperatura política tem vindo a aumentar de forma vertiginosa.... Nesse frenesim político... alguns actores políticos, ... têm vindo a recorrer a métodos politicamente incorrectos, para atingirem os seus fins...Será neste âmbito que alguns analistas políticos en¬quadram a suposta intransigência do MPLA em relação ao caso de Suzana Inglês, recentemente eleita no cargo de presidente do Conselho Nacional Eleitoral (CNE)...Apesar da vaga de contestações..., o partido maioritário não deu ainda sinais de querer recuar na decisão que cauciona, insistindo nessa posição, quando, para vários analistas, seria mais avisado a busca de um arranjo qualquer para se pôr um fim à celeuma...”.
O facto é que não se trata de “um método políticamente incorrecto”. Trata-se de uma grotesta violação da lei. Não se trata de uma “suposta intransigência do MPLA”. Trata-se de uma agressão ao estado de direito, mais uma da parte do Partido/Estado.
Num Estado de Direito, o jornalista é um activista do primado da lei, dos direitos fundamentais do homem e do cidadão, o que inclui o direito o direito de exercer o seu poder de soberania nas datas constitucionalmente estabelecidas. É seu dever apontar o dedo lá onde houver agressão aos direitos fundamentais; lá onde houver agressão ao Estado de direito, porque são tais agressões que perigam a segurança dos Estado de direito.
Então, porque hesita o Semanário Angolense? Porque vem o SA defender que o “Partido maioritário” pode colocar-se acima da lei, bastando para tal violá-la primeiro e depois “buscar um arranjo qualquer para pôr fim à celeuma”? Então o Semanário Angolense, tendo consciência que “o partido maioritário” “cauciona” a decisão ilegal do CSMJ, vem a público afirmar que a saída é “negociar” a violação à lei?
Afinal “o partido maioritário” é maior que Angola, maior que os angolanos e maior que a Constituição, de tal forma que estamos todos “condenados a negociar” com ele sempre que a sua arrogância vier ao de cima? Então, se quisermos “levar a nau a bom porto, que é a rea¬lização do pleito eleitoral”, temos de evitar ofender o “partido maioritário” e abdicar da soberania da Constituição, já que, segundo o SA, defender a legalidade e a supremacia da Constituição a todo o custo é ‘extremar posições’?
Aqui só há uma dama a defender: a legalidade. Por isso, a hipótese do “adiamento das eleições” não pode sequer ser encarada, porque não é hipótese. As eleições não podem ser “adiadas” por um homem, porque foi a Constituição que as marcou. Realizar as eleições em 2012, não dependente da vontade das pessoas! É um imperativo da lei! No Estado de Direito é a lei que governa a vontade dos homens. Nenhum cidadão - rico ou pobre - nenhum Partido – maioritário ou minoritário -, nenhum Chefe de Estado ou de Partido tem o direito de pisar a lei e desconsiderar o direito que todos os outros cidadãos têm de realizar eleições livres e justas nas datas constitucionalmente estabelecidas.
É errado colocar como “hipótese” não cumprir a Constituição senão por motivo de força maior. É errado considerar “força maior” qualquer arrogância, trungungo ou “diarreia verbal” de qualquer ditador que apenas quer colocar na Administração eleitoral quem lhe apetece e não a entidade que a lei impõe. É agredir o Estado que se funda na Lei.
Enquanto Salas Neto qualifica a grotesca agressão ao Estado de Direito da parte do MPLA e suas consequências como questões que têm a ver com um hipotético adiamento das eleições em face da «turbu¬lência» política que se vai instalado no país, não só em face do caso da presidência da CNE, como de outras ques¬tões igualmente sensíveis, que, juntas, podem acabar por concorrer para que a hipótese vire possibilidade, Vitor Silva, como todas as pessoas comprometidas com o Estado de Direito chama-a de “tremendo atropelo à lei por parte de um órgão que devia ser ele próprio o primeiro na defesa da legalidade, mas no qual, infelizmente, se encontram magistrados em situação igualmente irregular de prazos expirados”!
Aquele jornalista fez o trabalho de casa, estudou a lei e está atento às mudanças: aprendeu que a Constituição de 2010 alterou o posicionamento institucional da Administração eleitoral; que esta alteração foi concretizada pela lei orgánica das eleições gerais (Lei 36/11, de 21 de Dezembro); Aprendeu também que a CNE que Suzana Inglês presidiu de Setembro de 2010 a Dezembro de 2011, não é a (nova) CNE instituída em Dezembro de 2011, porque a nova lei alterou a sua natureza, as suas competências, a sua composição e também os requisitos para se ser presidente da CNE. É dever de todo o jornalista em Angola que queira trazer à discussão pública questões eleitorais saber disso.
E Vítor Silva, mais uma vez, demonstrou o seu profissionalismo, quando escreveu: “...E o facto de, antes, a Assembleia Nacional ter eleito a mesma pessoa para o cargo não significa que , face às alterações recentemente aprovadas , ela esteja em condições de voltar a liderar a estrutura encarregue de supervisionar a realização das eleições em Angola por não possuir um dos requisitos básicos para a função que é o de ser magistrada judicial”.
“O consenso obtido para a aprovação do pacote legislativo de suporte às eleições gerais de 2012 não merecia ser “traído” com um golpe que qualquer leigo em matéria jurídica descortina na indicação de Suzana Inglês. E não será, certamente, com “diarréias verbais” que o assunto se dará como solucionado, por mais alto que grite o líder parlamentar do MPLA, Virgílio de Fontes Pereira...
Se Salas Neto foi em certa medida comedido, já o seu colega Celso Malavoloneke não conseguiu esconder o seu activismo militante a favor da agressão ao Estado de direito. De facto, o comunicólogo (parece ser assim que gosta de ser chamado) Malavoloneke, ele próprio, tornou-se partícipe da agressão ao Estado de direito por “construir duas falsas premissas” para a sustentar: a primeira é ter qualificado a agressão de “novo impasse”, que “tem de ser ultrapassado por via da negociação”; a segunda, é ter transformado o agressor descarado e assumido em inocente.
Afirma o jornalista: “ ...Partindo desta premissa, fica a obrigatória questão: será que o adiamento das eleições interessa a algum partido? E se sim, a qual deles e porquê?....É que, e apesar de a Constituição marcar claramente o período em que as eleições devem acontecer, os nossos partidos políticos não parecem estar preocupados com isso. Entretém-se, em vez disso, em quezílias perfeitamente evitáveis, ora sobre a Lei Elei¬toral, ora sobre o perfil do gestor do processo, depois será sobre a Lei do Registo Eleitoral, depois sobre qualquer quejando que sirva para satisfazer o (mau) hábito do «bilo» por dá cá aquela palha Portanto, segundo o Dr. Celso Malavoloneke, a referência a “os nossos partidos políticos” que não estão preocupados em seguir a data estabelecida pela Constituição, não inclui o MPLA. Exigir que um juíz seja designado presidente da CNE, nos termos do nº 1 do art. º 143º da lei eleitoral, é uma “quezília perfeitamente evitável”. E exigir sempre o cumprimento da lei é um “mau hábito”.
E mais: “Uma análise ainda que super¬ficial leva-nos inevitavelmente à conclusão que o único partido a quem isso não interessa absoluta¬mente nada é o que detém actual¬mente o poder”...porque “... a ele cabe criar as condições para que as eleições se realizem..”
Puro activismo barato! Quem é o único Partido que resistiu e resiste à realização de eleições por uma administração eleitoral independente do Executivo? Quem é que está a promover e permitir que “Angola esteja a ser vítima de uma invasão silenciosa de contornos perigosos, que pode “hipotecar o futuro do país”, como referiu, e bem, Vítor Silva? Quem controla receitas fiscais anuais superiores a 40 mil milhões de dólares e ao mesmo tempo lança mais povo para a miséria todos os anos? Quem lança os jovens angolanos para o desemprego enquanto emprega em Angola milhares de desempregados portugueses, brasileiros e chineses? Quem está a destruir a moral pública com a institucionalizaç~ao da corrupção? Quem subsidia a cerveja para destruir a juventude angolana com bebedeiras e não subsidia livros nem propinas para os jovens angolanos terem ensino de qualidade e poderem também competir no mercado de trabalho português? Quem através de suas políticas públicas, persiste em bloquear o sistema de educação para manter Angola dependente de mão-de-obra estrangeira e atrasar o processo democrático em Angola, como referiu, e bem, o sociólogo António Tomás?
Todos sabemos que é a resposta a estas perguntas que tornam o MPLA o único Partido infractor no que diz respeito as manobras e agressões à lei tendentes à não realização de eleições democráticas. É a resposta a estas perguntas que agudizou nos últimos meses o conflito que opões o Presidente do MPLA (detentor ilegítimo do poder) e o soberano povo eleitor (titular do poder). É evidente que a maioria dos angolanos, sendo sofredora e vítima dessa governação, quer substituí-la. Por isso é que o Presidente Eduardo dos Santos e seu regime resistem à organização de eleições por uma administração eleitoral independente como estabelece o artigo 107º da Constituição.
O Semanário Angolense está errado quando afirma que “cabe aos actuais detentores do poder político criar as condições para a realização das eleições.” Esta é uma tarefa, um dever e um direito do soberano, e não do Partido de Celso Malovoloneke. O soberano incumbiu a Administração eleitoral independente de a realizar. Se ela não o fizer, o soberano o fará. O soberano criou tais condições no passado e vai criá-las novamente se necessário for. Esteja atento, Dr. Celso, porque os angolanos já não irão dançar a música dos activistas que persistem em transformar o único agressor da actualidade em vítima. O tempo de tirar corações de cadáveres e exibi-los dizendo que foi a FNLA, acabou. O tempo de bombardear escolas e acusar a UNITA, acabou. O tempo de agredir a soberania popular e acusar outros, acabou. O tempo dos matadores que lançaram nossos filhos e maridos em valas comuns só por pensarem de forma diferente, acabou! O tempo de defraudar os angolanos com processos eleitorais fraudulentos, acabou. O tempo de manipular a opinião pública com a capa de jornalismo, também acabou!
Os detentores do poder não são os titulares do poder. Por isso, não podem, no Estado de Direito, deixar de devolver o poder ao seu titular, no final do mandato, em Setembro de 2012.
O MPLA deve devolver o poder ao povo, sem manobras nem manipulações. E isso faz-se respeitando escrupulosamente a data das eleições fixadas pela Constituição. A seguir, deve reconciliar-se consigo mesmo e aceitar o julgamento da história.
E não vou escrever mais sobre isso até o dia do resgate da pátria e da vitória da força do Direito sobre o direito da força da manipulação.
Fonte: Club-k.net