Filomeno Pina - " NÔ DJAGRA!"
Sem alternativas tentaram dormir um sono leve como sobreviventes mal-amados,
mantendo viva uma esperança desgastada pela angústia persistente do luto. A
realidade sem tempo previsto para acabar. Ela não mata, mas mói tudo por
dentro, deixando silenciosamente descrita nos rostos a revolta silenciosa e o sentimento
de abandono, só.
As palavras abandonadas no fundo da alma vivem debaixo da língua, numa
tensão constante, parecem canções de embalar tristes, que adormecem com um olho
aberto, resistem vigilantes, mas com medo de represálias, manobras dum mundo
mau com que têm de lidar como se fosse travesseiro destinado, um dia de cada
vez, sua boca fechada, esperam por dias melhores.
Palavras enlutadas, arrastam num impasse atravessadas na garganta como
nó-cego, presas nas cordas vocais das suas vítimas, vivem no porão da
consciência, com a cabeça pesada, inclinada sobre o peito na tentativa de
esconder a sua tristeza. Tentam sono leve a cabecear num vaivém corcunda, notado
por amigos e familiares, quando passam a caminho da solidão arrastadas por um
luto que não conseguem fazer, com tranquilidade condigna e humanamente justa!
Custa-lhes a engolir este nó na garganta, misturado com o peso na
consciência, toda a tristeza untada com fel, desde a boca até ao estômago,
embora seja assim, as Famílias aparentam serenidade, mas com medo de morderem a
própria língua, soltar gritos de acordar palavras velhas e ocultadas debaixo da
língua, de viva voz.
Falamos aqui de sofrimento que anda pelos cantos, disfarçado, parecendo não
existir sofredor crónico, mas não é verdade! Há Guineenses preocupados com a
solução de paz entre Famílias, mas querem ouvir a voz da Justiça, só depois haver
partilha possível do - perdão -
entre irmãos, assumido com a dignidade que um luto material e psicológico como este merece.
Todo este sofrimento ocultado debaixo da língua vive na clandestinidade sob
tensão, tempos infinitos, arquivado na memória do passado por denunciar. Enterrado
vivo na massa cinzenta, continua sem poder vir à rua quebrar obstáculos, voar
como lã de polõm para uso da liberdade. Um velho desejo para terapêutica
das palavras reprimidas debaixo da língua, nunca pronunciadas em público, mas é
hoje um desejo óbvio por realizar, acredite.
Sair do silêncio sepulcral e arrepiante do buraco, ver o País renovado, com
Democracia plena, Justiça, igualdade de Direito e de circunstância para
os cidadãos, é o maior desejo. Acabar com o clima de medo onde a
inteligência adormeceu, parou, sem nunca vir à rua, desde que o crime de sangue
é impune no País!
Hoje as vítimas querem assistir à devassa deste medo em Sede própria,
enfrentar os monstros, cuspir a revolta e a tristeza interiores, isto sim,
seria um final feliz, para a esmagadora maioria de Guineenses, acredite se
quiser.
Palavras
coladas no fundo da consciência, sublimadas, permitem a vida avançar com
aceitação social, mas, não é totalmente verdade, pensar que caíram
definitivamente no esquecimento, porque continuam em estado de alerta
subliminar, desconfiados como sempre…
Aqui temos um luto difícil de ultrapassar
pelas Famílias revoltadas à espera de justiça que não chega! Na verdade estão
aguardando pelo dia "D". Quando o - Estado der a mão à palmatória - assumindo a sua cota parte de
responsabilidade ou "conivência", pelo simples facto de, na altura
devida não tomar a palavra de viva voz, para consolar os familiares das vítimas
e punir os criminosos sem hesitar, paradoxalmente preferiu simplesmente adoptar
o silêncio como resposta ideal, mas infeliz!
Hoje o Estado ainda vai a tempo - como
pessoa de bem - para reparar e recuperar o seu Povo, no tocante a este
passado menos bom da nossa história infeliz.
Sem
ninguém saber quais as palavras ocultadas debaixo da língua, mas existem sem
dúvida, à espera de ouvir o sino de rebate, mas, este "sino" pode, ainda,
nunca tocar, será?
Uma
espera longa não faz sentido aqui, porque
é possível tudo terminar bem, i. é, se todos contribuirmos para que haja Paz, na
compreensão especial em relação ao luto nacional das Famílias vítimas de crimes
de sangue, perpetuados no nosso País.
Um facto político e histórico, são os Guineenses
(civis, políticos e militares) que tombaram vítimas de crime de sangue, no
período pós-independência na Guiné-Bissau. Uma memória triste que carregamos
como luto nacional!
Penso que merece um – Monumento – erguido como símbolo da Paz e de solidariedade entre
Guineenses. Seria ao mesmo tempo uma referência à memória do luto, que não
queremos ver repetir nunca mais no País, pense nisto Camarada!
Há
que enfrentar serenamente toda a situação ácida, seus conteúdos perigosos,
inoportunos, que poderão provocar mudanças radicais no sistema político, mexer
com a liberdade de personalidades públicas, mas, penso que valerá a pena por
uma questão de justiça social, com o objectivo de unir o Povo Guineense.
As palavras
num determinado contexto têm um tempo activo ou de esperança de vida, sobretudo
para o tribunal, i. é, também “morrem”.
A
Justiça precisa ser célere e tem-se esforçado para tal, contudo, se continuar sobretudo
a impunidade, sem mudar nada (que não será o caso), morrerá com certeza qualquer
esperança em relação à verdade dos factos perante a Justiça e o Tribunal. O que
é grave acontecer, porque poderá encorajar a perversão ou levar a que se tente fazer
justiça pelas próprias mãos.
Neste
mundo complexo, por vezes as - palavras
e o silêncio - parecem iguais em pensamento. Há uma sensação de vazio
enorme difícil de entender. Só quem as viveu, sabe o que é sensação de
"gravidez mental" do género, com palavras angustiadas, sem voz
própria. Presas como um papagaio de papel, atado a quem segura a ponta do fio e
o vigia. Mas, percebemos logo a tristeza vincada no semblante, quando passam as
vítimas desta impunidade, carimbadas nos rostos de órfãos, de viúvas,
familiares e amigos das vítimas, ninguém ignora.
Perante
este sofrimento imaginemos então como estará uma família material e
psicologicamente, sem respostas há anos, pense nisto.
As palavras de quem sofre na pele a perda
de um familiar, quer queiramos quer não, fazem sempre sentido! Todas merecem
atenção e reflexão – quem somos nós afinal - para ignorar ou ajuizar o luto dos
outros!?
Tudo
isto importa reflectir porque é raiz deste sofrimento e luto das
Famílias afectadas. Transporta uma revolta contra o Estado e pessoas, a angústia e
medo de falar, de chorar livremente os seus mortos na devida altura, tudo isto aconteceu
em silêncio, hoje querem falar e saber como é...
Este
sentimento é do pior e explica a injustiça, ressentimento em relação ao
Estado. Foram abandonados por todos à sua volta, e daí a projecção da culpa recair
nos dirigentes, governantes, o poder político e castrense de então. Um medo factual,
que levou familiares a refugiarem debaixo da própria língua, com a boca
"calada" em silêncio profundo, mas, hoje parece vislumbrar um fim
à vista!
Não
é difícil perceber o lado do mal de tudo isto, falando de crimes de sangue. Na
verdade, deixaram sem voz toda a gente, na altura, com medo. Todos se
acobardaram, nenhum de nós teve coragem de apoiar as vítimas publicamente. Ignoramos
Famílias inteiras que nunca foram ouvidas, nunca sequer receberam
os pêsames da parte do poder Institucional do Estado, nunca!
Houve simplesmente silêncio quase absoluto
sem contacto humano ou institucional, o que induziu à percepção dum Estado-conivente, porque fechou os olhos
à Impunidade da justiça reinante, na devida altura não agiu como deveria
(investigar, julgar e condenar os culpados), fechou-se como uma ostra!
Digo
isto Camaradas, como reflexão até prova em contrário, sublinho tudo, o porquê de
nunca ninguém ter feito nada! Passaram-se décadas e cada vez se torna mais
difícil encontrar caminho justo e oportuno, para uma resolução definitiva.
Nesta
fase de mudança no País, devemos corrigir os erros sem deixar para trás (mais
uma vez) as Famílias, sem uma palavra definitiva sobre este assunto.
Acreditamos
que a investigação prossiga no seu ritmo “lento”, embora até hoje o
próprio Tribunal permaneça em silêncio, aparentemente, e talvez com
"palavras" ocultadas debaixo da língua, na postura semelhante aos familiares das
vitimas (ninguém fala, cada um tem seus motivos), porém o cidadão comum, está
sem saber a quem pedir mais responsabilidades disto, penso.
Tribunais e Família das vítimas estão
ambos entalados com palavras ocultadas debaixo da língua (parece). Iguais num destino
que se arrasta - acreditamos que mais
vale tarde do que nunca - não deitem por favor a toalha ao chão, para o bem
da Imagem da Justiça na Guiné-Bissau!
Até
aqui cavou-se um subterrâneo, para ficar calado, mudo, no
contexto social onde vivemos. Talvez sejamos todos um pouco culpados
disto (uns mais do que outros) do que está a acontecer até hoje, será.
Todavia,
já sentimos que há mulheres e homens a trabalhar para que a paz e as
verdades ocultadas, sejam um dia tornadas transparentes ou públicas e, havemos
de viver felizes uns com os outros, acredite.
Vale
a pena estarmos atentos a outro nó-cego ainda pior, em vez de o ser na
garganta, é-o na inteligência, em forma de impotência perpétua e fóbica, para
lidarmos com este problema. Trocando os pés pelas mãos, fugir com o rabo à
seringa num assunto sério e nacional, sem a consciência da repercussão
continuada na ausência de sensibilidade necessária, decisões acertadas, para
lidar com o problema cabalmente.
Pior do que isto ainda, seria a tentativa
de oferecer soluções fáceis, forjadas em cima do joelho, sem ouvir primeiro as
Famílias, saber o que trazem debaixo da língua e anotar, racionalizar tudo, para
compreendermos melhor as suas expectativas, o estado material dum trabalho
a fazer, para minimizar este sofrimento, facilitando a reconciliação entre
Guineenses nesta nova era da “Terra-Ramka”, com todos e para todos!
Será que se deixarmos que o tempo resolva
tudo, nós próprios vamos ter tempo de vida suficiente, para assistirmos e ver
"tudo" resolvido?
Penso
que não, Camaradas, será preferível fazer a pega frontal do
"touro", assumir a Justiça expectante para quem sofreu danos morais e
materiais.
Reparar
quanto possível esta ferida, embora haja pouco a recuperar, porque o
pior já foi feito, infelizmente. Todos assistimos calados. A dignidade do
Estado esteve ausente e demitida da função superior esperada.
Não
se consegue reparar nada neste contexto da realidade, se fizermos as coisas à distância,
friamente, clicando os media para falar ou escrever, porque não é a melhor
solução, só.
Os
recados chegam deturpados ou sentidos friamente do outro lado, sem emoção
adequada do contexto de luto que se vive.
Não
favorecendo a imagem que o Estado pretende, reconquistar as Famílias das vítimas
de crimes de sangue, com base na Justiça material e consequente “reparo” e perdão
dos danos.
Há
que reaproximar do fenómeno de luto associado à impunidade da justiça, depois
dum trabalho organizado para o efeito na sociedade civil, passar ao acto e fazer
o que ainda for possível fazer na reparação dos erros cometidos do passado
neste contexto (crime de sangue).
Esta geração actual de políticos deve nunca virar a cara ao facto histórico,
mas, assumir responsabilidades do Estado na sua totalidade e não meia culpa (lavar
as mãos e fazer de conta, que isto não é connosco).
Perante Deus, somos iguais antes e depois da morte, lembre-se disto!
É preciso reconquistar a empatia
e o respeito do Povo pelo Estado neste aspecto e noutros, há que fazer valer a cultura
do - ADN da Democracia - no nosso País!
Camaradas abracemo-nos uns aos outros na Partilha
do Perdão, porque nunca é tarde para chorar os mortos (tóka-tchur) ou
rezar por eles.
…que a natureza nos proteja, se DEUS
quiser…
Djarama.
Filomeno Pina.