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quarta-feira, 9 de maio de 2012

"Só pode haver reconciliação, se os que participaram nos massacres são responsabilizados", defende vítima do 27 de maio de Angola.

NO BALUR I STA NA NO KUNCIMENTI, PA KILA, NO BALURIZA KUNCIMENTI!...
Agostinho Neto, ex-presidente de Angola

José Reis, presidente da Associação 27 de Maio, defende que Angola deve abrir os ficheiros para desvendar o paradeiro dos corpos dos assassinados. Saiba porque ele acha que os massacres foram um grande ajuste de contas.
O 27 de maio de 1977 é um processo complexo, que poderá não conhecer desfecho, admite José Eduardo Reis, 58 anos, nascido em Luanda, na altura um jovem universitário que fazia o curso de Medicina em Angola. A viver em Portugal, agora da reforma, ele é uma das vítimas da operação policial a seguir ao 27 de maio de 1977. A repressão destinava-se a sufocar o movimento a favor de Nito Alves, na altura Ministro do Interior e dissente do MPLA. Os chamados "fraccionistas" foram brutalmente perseguidos pelo presidente Agostinho Neto (na foto) e os seus seguidores dentro do MPLA.
Até hoje José Reis procura saber as razões por que fora preso e torturado. Conta que no dia 27 de maio não participou das manifestações e nem sequer saiu de casa: "Houve uma rebelião qualquer da qual não participei. Estava em casa. A cidade acordou aos tiros. Sei que morreu muita gente nesse dia, mas concretamente o que se passou, quem comandou, quem esteve à frente, isso não sei".
Três dias depois, explica, foi preso. "Os agentes não identificados chegaram à casa de madrugada, levaram-me para as instalações da polícia política DISA, eu mais um grupo de dez ou onze pessoas. Depois fomos encaminhados para a antiga cadeia da PIDE, a cadeia de São Paulo, onde estive vários meses até ser transferido para um campo chamado 'de recuperação' onde estive outros tantos meses. Ao fim de quase três anos fui posto em liberdade sem culpa formada, sem nada".
Três anos preso sem qualquer explicação
José Reis veio a conhecer a liberdade em Setembro de 1979, já quando José Eduardo dos Santos era Presidente da República, sem qualquer explicação. "Ninguém me disse por que é que me prenderam nem tão pouco por que é que me libertaram. Não fui apresentado a nenhum tribunal. Só fui sujeito a interrogatórios dos mais brutais por parte da polícia política".
José Reis diz que foi torturado: "Enquanto estive em São Paulo fui torturado fisicamente, porque torturado psicologicamente fui durante esse tempo todo".

Soldados cubanos em Angola - em 1977 os cubanos lutaram a favor do MPLA de Agostinho Neto e contra os apoiantes de Nito Alves
Soldados cubanos em Angola - em 1977 os cubanos lutaram a favor do MPLA de Agostinho Neto e contra os apoiantes de Nito Alves.

Ajuste de contas
Lembra de alguns nomes entre os principais responsáveis pela repressão: "Fui espancado, por exemplo, pelo capitão Carlos Jorge, que era uma das figuras principais da repressão. Foi ele que comandou todas as operações sobre mim". José Reis fala de milhares de pessoas que estavam presas. "Na cadeia onde eu estava havia muita gente presa. O motivo que os levou à cadeia só quem as prendeu é que pode dizer. Eu, pessoalmente, acho que aquilo foi um grande ajuste de contas que o MPLA aproveitou para fazer com o passado".
O passado tem a ver com o alegado golpe de Estado, encabeçado por Nito Alves e José Van Dúnem, que José Reis discorda ter existido. "No meu ponto de vista não existiu golpe de Estado, pelo menos da parte de quem foi acusado de o ter dado". Acrescenta que "houve uma manifestação mais ou menos conturbada na manhã de 27 de maio, mas aquilo não era um golpe de Estado. Não se dá um golpe de Estado assim. Pelo menos não é assim que vem escrito nos livros".
O exílio em Portugal
José Reis deixou Angola e nunca recebeu alguma ajuda ou compensação pelos danos que lhe foram causados. "Também nunca pedi nada a ninguém. Limitei-me ao fim de três meses depois de ter sido posto em liberdade de pedir os meus documentos e vir-me embora para Portugal".
Acabou por refazer a vida em Portugal. Tal como José Reis, muitas outras vítimas do 27 de maio ainda em vida convivem diariamente com este passado amargo. Alguns refugiaram-se no silêncio da história e recusam falar das barbaridades por que passaram. Outros, porque já não têm esperança de um dia serem compensados pela justiça ou reaverem os corpos dos seus familiares.
Passados 35 anos, perante o número de pessoas que desapareceram, José Reis tem dificuldade em aceitar com simplicidade a palavra reconciliação quando se fala em concreto do 27 de maio de 1977: "Reconciliação não pode ser um processo feito só assim, é uma coisa muito complicada. Vamos abraçar-nos todos e fica tudo apagado? Não!" Lembra que há responsáveis e que é preciso apurar responsabilidades. Por outro lado, pede, "é preciso que sejam entregues às famílias as certidões de óbito e os restos mortais das pessoas que desapareceram".
Responsabilizar os responsáveis
Insiste na responsabilização daqueles que participaram nos massacres: "Só assim se pode pensar em reconciliação".
Já passaram 35 anos desde os acontecimentos e José Reis lamenta o facto do Estado angolano não ter assumido a obrigação de entregar às famílias as certidões de óbito. "Isso nunca o fez. Penso é que as pessoas têm o direito e o dever de reclamar por esse direito, de pelo menos saberem o que é que aconteceu aos seus familiares".
O atual presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, não foi perseguido apesar de ter estudado na União Soviética
O atual presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, não foi perseguido apesar de ter estudado na União Soviética
Falando também na qualidade de presidente da Associaçao 27 de Maio, José Reis evoca o medo e a autocensura, mas também o trauma, que fazem com que muitas vítimas tenham preferido ficar no silêncio.
Apesar disso e da complexidade deste caso, José Reis espera que um dia seja possível conhecer a verdade dos factos. Pede que seja publicado o verdadeiro conteúdo do relatório da comissão de inquérito criada em finais de 1976 pelo MPLA, e dirigida na altura por José Eduardo dos Santos, para a estudar se houve ou não fraccionismo no MPLA.
Texto: João Carlos
Edição: Johannes Beck
fonte: DW

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