
Fernando Teixeira
O único 8 de Março, durante esta vida, de que me lembro realmente
- e não apenas vagamente como todos os outros - foi aquele em que fui
imprevistamente convidado para proferir uma alocução alusiva a data. Na altura
estava a terminar o quarto ano de faculdade, quando a Presidenta dos estudantes
de Angola (a anfitriã da festa esse ano), na nossa cidade, me convidou a
dirigir umas palavras, em jeito de conferência, às meninas estudantes de
diversos estabelecimentos de ensino ali existentes. Portanto alunos da
Universidade, Instituto de Medicina, Instituto de Engenharia e Politécnicos. Era
uma plateia composta essencialmente por Angolanos, Cabo-verdianas, Guineenses,
Moçambicanas, e claro por Russas (professoras algumas até); havia também
convidadas de outras nacionalidades, como alemãs e latinas, e de um ou outro
país africano de língua inglesa ou francesa. Compreendi logo que seria um
auditório “de peso”, embora todas as mulheres que comporiam o auditório, na sua
maioria, seriam ainda muito novinhas, estudantes apenas; isso porque que pelo
simples facto de viverem na União Soviética, eram medianamente politizadas; os
conceitos e definições políticas, as questões relevantes da política mundial, a
confrontação Pacto de Varsóvia versus Nato, ou no geral o mundo socialista e
capitalista, eram realidades diárias que nos entravam pelos olhos e ouvidos
através da televisão, radio, jornais, palestras, etc., etc. Por tudo isso e
mais coisas que aqui não vêm ao acaso (por ex. tínhamos aulas especiais sobre a
politica, e o facto de que não se poder falar de politica livremente sem sofrer
as consequências, de uma maneira ou de outra), era muita responsabilidade
aceitar esse convite. Sem esquecer que eu como eles, também era ainda estudante
(e também “novinho”)… mas mesmo assim, como já frisei, não era muito normal,
digamos assim, o meu convite para orador desse dia. Acho que os ventos da
“Perestroika” já tinham começado a soprar, pois como me explicaram, não queriam
uma coisa formal, feita de datas e significados apenas, mas uma intervenção com
uma outra parte mais leve (digamos de cariz cultural…) que gerasse boa
disposição para depois dar lugar a “discoteca” (isso lá significava, a parte
dançante que depois ia até ao final da noite…).
Preciso explicar que a estranheza do convite tinha a ver com o facto
de na Rússia desse tempo, quem falava nessas ocasiões, era uma Vice-decana
(mulher portanto) ou o próprio Decano de Estrangeiros (aqui o Decanato não significa
Cátedra mas literalmente o departamento que trata de todos os assuntos de
estudantes estrangeiros). E estas sessões eram exercício formais em que se
enaltecia a “mulher revolucionária” do antigamente, a “mulher construtora” do
socialismo actual o seu papel cada vez mais importante na construção da nova
sociedade, na sua emancipação, etc. etc., e todas as demais coisas possam
imaginar que se entendiam importantes nesse tempo. Depois falava-se
habitualmente da relação entre a União Soviética e o País (ou Países) que
organizava o evento; e por fim, como não podia deixar de ser, davam-se os
conselhos sobre esforçarmo-nos nos estudos e ser cada vez mais aplicados cada
vez mais até o dia da entrega do diploma. O entendimento tácito era que
seriamos os futuros “construtores” das nossas pátrias, e pessoas que levariam o
Soviet way of life para os nossos respectivos
países depois dos estudos, etc., e todas as demais balelas que se possam
imaginar, que nunca viriam a acontecer no futuro, pois se pusermos de lado a
questão da exportação do modelo social deles (que não era de agrado da maioria
dos estudantes), o desenvolvimento dos nossos países também não se efectuou,
pois em cada uma das nossas pátrias, os ogres que nos esperavam, os guardiões
da ortodoxia e da destruição, nunca o permitiram.
E como isso poderia ser
realizado se primeiro destruíam em nós tudo que é puro e bom, e depois tudo o
que aprendemos como técnicos, e depois paulatinamente nos transformam até
ficarmos igualzinhos a eles: obtusos (até para evoluir profissionalmente…),
ambiciosos (no pior sentido desta palavra, no sentido de “ambicionar” tirar
tudo que se pode ao país, para fazer nosso…) e por fim depravados (sem nenhum
interesse real com o país e seu desenvolvimento futuro, desde que se tenha um
carrinho qualquer e um sitio onde tirar de vez em quando umas migalhas para se
viver…). Mas na altura, esses discursos, essas palavras motivadoras, não eram
balelas e nem eram mensagens fantasistas atiradas ao vento, eram parte de um
acreditar em que quem o afirmava e quem o ouvia não duvidavam jamais da sua veracidade
necessária (verdadeiros porque necessárias e necessárias porque verdadeiros).
Esta era a diferença basilar entre estudar nos países ocidentais e os países
socialistas. O resto, a técnica, a engenharia, a medicina, a pilotagem, a
matemática e física, a ciência em suma, pouco variavam… e ao fim ao cabo, hoje
é necessário dizer que todo o saber apreendido numa e noutra sociedade acabou “ficando
nas nossas cabeças” apenas, pois os nossos países, salvo raras excepções
(excepções, muito raras) nunca os utilizaram para nada (nem queriam, nem podiam,
nem sabiam como). Por isso também a minha muda revolta. Essa diferença básica a
que aludi, baseado numa certa visão societária, formatava o resto da nossa
mundivisão; pois se o socialismo e a ditadura deles não nos agradavam, pelo
menos ficávamos vacinados contra a ela de vez, e nunca o quereríamos nas nossas
pátrias, mas por outro lado, o dever de voltar a pátria depois de acabado os
estudos (o 1º dever); o dever de trabalhar para o seu engrandecimento (2º
dever) baseado num pensamento social impregnado de certa justiça na
distribuição da renda e na protecção dos mais desfavorecidos; o dever de como
técnico dar o máximo que poder e tentar realizar na prática tudo o que aprendeu
nos bancos da faculdade para com esse esforço (mesmo em prejuízo próprio)
construir uma vida melhor para os nossos povos (3º dever), completavam
politicamente a formação técnico-científica que possuíamos. Era uma formidável
combinação se fosse bem utilizada… se fosse; mas nunca foi; era preciso
compreender isso primeiro por quem de direito…
Enfim, em outra altura falaremos disso, por agora volto a nossa
concreta festa de 8 de Março desse longínquo ano. O parágrafo anterior era para
explicar um pouco como se processavam “todas” as festas de 8 de Março, que
tinham participação de estudantes ou delegações estrangeiras, na União
Soviética, e para entenderem o inabitual do convite que me foi feito - se falei
de mais alguma coisa, desculpem, esse é aquela parte desiderativa de mim que
não obedece ao cérebro apenas ao coração – mas nunca é demais dizer que na
Rússia, o 8 de Março nunca foi apenas um feriado (embora dos mais importantes,
a par com os que comemoravam a Revolução de Outubro ou enalteciam as datas
históricas do Partido Comunista) entre tantos outros. O Partido (e o Estado)
entendia que era, primeiro, uma “Festa Nacional”, (pois na mitologia oficial do
Partido Comunista, o 8 de Março de 1917, foi o dia que despoletou a Revolução
de Outubro que viria a culminar com a transformação de quase metade do mundo
aos ideias dessa mesma revolução;) depois uma “Festa Mundial” (mas aqui também num
certo entendimento de que o 8 de Março, hoje comemorado no Mundo inteiro, teve
a sua origem na Rússia, de onde teria começado a ser comemorado primeiro, e só
depois no mundo inteiro, depois da ONU ter adoptado a data como dia
Internacional da Mulher em 1977, embora nessa altura muitos países já o
comemoravam como nós e dezenas e dezenas de outros).
Por todas estas nuances,
um dia muito importantes no calendário Soviético. Mas era sempre uma data emotiva
e importantíssima por lá para além do já dito porque como na Rússia não havia
“o dia dos namorados”, esse dia fazia também esse papel: No imaginário popular
era o dia em que os homens reverenciavam as mulheres, lhes levavam jantar fora,
ofereciam flores, jóias e outras prendas, portanto, como disse, era como o dia
dos namorados em alguns países. E nós, os estudantes estrangeiros, a imitação
da sociedade, fazíamos desse dia também o nosso dia de namorados de certa
forma. Um dia portanto com varias conotações, politicas, sociais e culturais
para não dizer mais. Muitas festas, muitos concertos, ruas e praças cheias,
piqueniques, passeios, etc., etc.
Portanto a nossa festa, embora mais uma apenas, em milhares que
haveria nesse dia pelo imenso Pais (um sexto do mundo como era permanentemente
lembrado) era muito importante para a nossa comunidade de estudantes de mais de
oitenta países do mundo que nessa cidade viviam. Por isso tudo, que acabei de
contar, preparei-me criteriosamente pela primeira vez (habitualmente
improvisava apenas em qualquer situação onde tinha que usar da palavra); quando
terminei a preparação da minha intervenção, e o li pela primeira vez, percebi
que era algo de inusitado de certa forma. Então, pese já ser duas da manha, resolvi
elaborar uma segunda versão, mais condizente com a ortodoxia oficial, feito de
todo o simbolismo já referido atrás. Mas quando terminei o segundo discurso, as
três da manhã, fui dormir sem conseguir tomar decisão final sobre o qual é que
iria proferir nessa tarde. Preferi acreditar que “a noite é boa conselheira…”.
A “noite” em nada ajudou (quanto a conselhos); seja como for, o
primeiro discurso - aquele que queria proferir realmente -, era acerca do que
efectivamente pensava do “8 de Março”: o seu significado profano, e se quiserem
o significado semiótico, o seu significado transcendente como “símbolo” do
nosso tempo, como exemplo de uma certa maneira de pensar (dominante), na nossa
época. Digo nossa época referindo aqui tanto ao mundo capitalista como
socialista de então, pois quanto ao 8 de Março (no seu significado abstracto
pelo menos) a concordância era total nessa altura (por isso mesmo a sua adopção
pela O.N.U. como data Universal, ser relativamente pacifica). Afinal as
mulheres serão sempre mulheres, com as mesmas preocupações quanto ao lar, ao
bem-estar dos filhos, do marido, etc., seja “socializadas” ou não…
A cerimónia ia ter lugar no pequeno “Inter-clube” da nossa cidade de Rostov-Sobre-O-Don” (Rostov é uma
cidade industrial do Cáucaso, atravessado pelo impetuoso Rio Don. Do nosso
Instituto de Engenharia, no ultimo andar, dava para ver o rio Don espraiando-se
por todo o horizonte; adorava ir lá em cima olhar para ele. era de uma boniteza
extraordinária a tarde, por volta das três, o brilho obliquo do Sol o
transformava totalmente; de poluído que era pelas fabricas que cresciam como
cogumelos nas suas margens, transfigurava-se em prata pura, jorrando das
profundezas da terra, serpenteando em “s” ao atravessar a cidade; a visão era
soberba (qualquer coisa como ver Dubai a noite ao levantarmos o voo as quatro
da manha). O Prémio Nobel da Literatura,
Mikhail Cholokhov, que
cresceu nas margens do Don, deu o ao seu famoso romance “Don Tranquilo” o nome
e caracter desse rio. Essa cidade de Rostov (porto de cinco mares, o Mar Negro, o Mar de Azov, o Mar Cáspio, o Mar Branco e o Mar Báltico) chamada de “Sobre-O-Don”, que também deve o seu nome a esse
rio, foi o berço da minha filha e da minha “intelectualidade” (se assim
podermos considerar um novo entendimento mais maduro do que apenas literário, baseado
nos valores do humanismo e cultura universais), pois de certa forma “moldou” o
meu caracter para sempre; foi lá que conheci a Arquitectura, a profunda literatura
russa “à sério”, na sua língua original, feita por Tolstoi, Dostoiévski, Gogol
e tantos outros, como o Alexander Soljenítsin natural das cercanias (escritor
dissidente, também Premio Nobel, que tanto lutou contra o regime que então
vigorava). Nesta cidade fui durante dois meses operário metalúrgico na grande
usina “Estrela Vermelha”, onde trabalhei numa linha de produção de aço,
esperando ganhar dinheiro para nas próximas ferias ir a Portugal visitar a
minha família. La também trabalhava a Luba, beldade de grandes olhos azuis, que
operaria suspirava por um curso superior que desesperadamente queria fazer,
para deixar de ser operária. Os seus olhos negros ajudaram bastante a aguentar
a temperatura de 70º na boca do forno, quando metia ali as compridas tenazes
para tirar as barras de ferro que começavam a derreter…
Era uma cidade industrial com suas centenas de fabricas famosa em
toda a Rússia pela sua Fabrica de helicópteros, a também pelo seu gigantesco Rost-sel-mach, uma das maiores fabricas
de tractores e máquinas agrícolas da Europa. A titulo de informação apenas, essa
fábrica tinha o seu centro de pesquiza em forma de um Instituto, o R.I.C.I.
(Instituto de Construção de Maquinas Agrícolas de Rostov) onde estudaram tantos
colegas meus de Moçambique e Angola que nunca mais vi (uma veio a ser Ministra
de Industria de Angola).
Bem já conhecem a cidade, as fabricas, usinas e Luba, agora vamos
ao local da palestra: na altura, o “Inter-clube”
(Clube Internacional), de que já falei, era o sítio onde, de vez em quando,
íamos tomar uma bebida ou ouvir uma música, “paquerar” umas garotas etc… ou
apenas ficar sentado a olhar para a parede. Nunca tinha falado nesse sítio como
orador, mas tinha intervindo em discussões várias dando minha contribuição; foi
por isso tudo que resolvi que era interessante estar ali no papel de orador, e
que também aceitei o convite sem delongas de maior. No grande dia o auditório
estava repleto, as meninas ansiosas, o bar cheio de rapazes, eu nervoso.
Ouviam-se gritinhos e incentivos dirigidos a mim, que desajeitadamente segurava
na mão, a vista de todos, a minha “papka”(pasta): “… estamos a esperaaaaaaaaaaa…”, “queremos
coisa bonita…”. Os rapazes “gozavam “…é hoje que vai ser Jora” (os russos deram-me este nome logo que cheguei pois Fernando
era uma coisa impronunciável para eles, assim de Jorge fizeram Jora que era um diminutivo Russo embora
muito raro. Por alguma razão, que até agora não consigo vislumbrar, era muito
popular em quase todos as comunidades que ali iriam estar presentes (seja entre
Moçambicanos, Guineenses, Angolanos, Cubanos, etc.) e por isso uma “pessoa
conhecida” e que achavam que “falava bem” (já algumas dessas estudantes tinham
assistido uma ou outra intervenção minha) e que “tinha presença” (um eufemismo
para dizer que “até que és simpático…”, vá-se la entender as mulheres… dez
minutos depois lá me descontrai por fim, conversando com umas e outras, posando
para fotos e bebendo um cocktail qualquer sem álcool pois o álcool era proibido
nesse local.
Depois de leituras de poemas de Agostinho Neto (sagrada Esperança
entre outros), Mayakovski (?) e de mais poetas e poetisas de quais não me
lembro os nomes, fui chamado ao palco e apresentado a assistência pela
Presidente da organização juvenil feminina de Angola na cidade como o “Fernando
Teixeira, da Guiné que nos vai falar do oito de Março e sua importância no
contexto actual” ou qualquer coisa do género muito parecido. Olhei para aquela
plateia de jovens mulheres e para o meu manuscrito e hesitei… e a hesitação foi
mais longa que o pretendido, então a sala ficou instantaneamente em silêncio,
pensaram que de emoção perdi o dom da fala ou de raciocinar talvez... Mas,
afinal, o que me imobilizava era apenas um problema ainda não resolvido da
noite anterior: qual dos discursos proferir. Como o meio é que faz o homem (embora
o contrário também é válido, infelizmente para mim) acabei fazendo o discurso
politicamente correcto, embora de modo descontraído, provocativo e brincalhão;
o que fez muito sucesso, diga-se de passagem, pois originou muitas
intervenções, e conversas várias depois, na altura da farra. Esse manuscrito
nunca mais o vi, mas acho que deve pertencer hoje a um antigo estudante
Guineense que lá se encontrava o S., das Pescas, que mo pediu para “copiar (e
logo devolver”… ainda estou a espera).
O outro discurso que na verdade sintetizava o meu real pensamento
sobre essa data, guardei para mim (depois veio a desaparecer com todos os meus
haveres em três contentores perdidos no Báltico, em Talin para ser exacto;
outra história… e tantas são), hoje apenas lembro dos tópicos principais mas
acho interessante voltar a ele depois de tantos anos, pois se as coisas
mudaram, mudaram em “direcção” do que escrevi, quer dizer nada. Mas nesse dia,
nessa tribuna, como disse, percebi ha tempo, que ninguém ali nesse auditório
estava ainda preparado para ele. Embora confesse que senti tentado durante
longos segundos a proferi-lo ao olhar para aquelas almas jovens que um dia quem
sabe seriam futuros dirigentes do seu países (nos esparsos contactos que depois
houve, soube que muitas vieram a desempenhar papeis muito importantes nos seus
países), como dirigentes políticos, empresariais ou simplesmente - atendendo o
“prestígio” de serem quadros superiores em países paupérrimos - Opnion Makers (fazedores de opinião)
junto a centenas de outras mulheres menos cultas ou “formadas”.
Sabia que as ideias novas devem ser apresentadas no momento certo,
pois por mais inovadores, correcto e bons que sejam, se o timing da sua apresentação for errado, de nada servirão e morrerão
a nascença. E nesse momento poderia ser mal interpretado. Fosse hoje, teria
feito o segundo discurso, pois neste novo mundo, inaugurado com queda do Murro
de Berlim, orientado pelo 11 de Setembro e definido pelas Revoluções da
Primavera Árabe, é um mundo onde tudo é posto em causa; e principalmente as
certezas históricas e o seu determinismo.
II
PROTECÇÃO DA MULHER, UM NEGÓCIO DE HOMENS, UM PARADOXO DE HOMENS
Portanto sendo aquele texto perdido o motivo deste outro que esta
a ler neste momento e para de uma forma diferente “comemorar” este 8 de Março
que ontem passou, vou expô-la como o recordo depois de tantos anos. Eis
portanto, resumidamente, os pontos candentes do discurso que depois, durante o
resto da noite, apresentei pessoalmente a quem me tinha convidado e mais duas
meninas presentes:
- Porque é que deve existir um “Dia Internacional da Mulher”?
- Porque é que as mulheres devem orgulhar-se da sua existência? De
um “dia das mulheres”, até ao ponto de a festejar desta maneira (ou de outra,
como em diferentes países se festeja)?
- A alegria da existência desse deste dia não será uma alegria
pueril que no fundo nada trás e nada trará um dia?
- Será que institucionalizar, mundialmente, um dia das mulheres
não servirá (em vez de glorificar a mulher) para apouca-la)?
- Não será reduzi-la a um ser que ainda precisa ser defendida e
protegida (dos homens)? Reduzi-la a um ser que pela sua imaturidade (física,
social, psicológica…) precisa de “protecção”?
Mas antes de mais, o que entendemos na verdade por “Protecção”? Começamos
por “protecção” pois queremos ou não é disso mesmo que se fala e de que se
trata quando se fala da igualdade de géneros. De “proteger a mulher” deste
mundo cão que a discrimina em todas as vertentes. A liberdade da mulher, a igualdade
da mulher, a emancipação da mulher, são
coisas que carecem de protecção para poderem existir. Ou sendo mais provocativo
ouso dizer que são sinónimos a “protecção”
da Mulher. Mas aqui não se trata de nenhuma “Lei para a protecção do povo e raça”
travestido de “Lei para a protecção da mulher e a maternidade” ou outro nome
ainda mais bombástico, pois nunca funcionaria. O exemplo é que em quase todas
as Constituições já está contemplado a igualdade, sob a Lei, entre os homens e
mulheres. Portanto por essa via já a atingimos quase o ideal. Mas não deu em
nada. Pois a constituição pode consagrar todos os direitos e mais um a mulher
mas na hora que o companheiro a agride só pode muito servir (se tiver um
exemplar dela em casa) para por a frente da cara para atenuar os socos dele.
Portanto a luta agora não é contra as leis discriminatórias, ou
contra o Estado discriminador, mas contra o Homem discriminador, homens
singulares, concretos, (com endereço postal e tudo) que tratam mal as mulheres,
sejam elas esposas, filhas ou outras. Portanto é uma Luta de vida e morte entre
a mulher abstracta e o homem concreto. Então para que a equação não estar
invertida, devia ser cada mulher concreta a lutar contra cada homem concreto, que
abusa dessa concreta mulher. Pois se a luta é de todos não é de ninguém. E
nunca se deve considerar a mulher como um ser único, generalizar. Falar dela no
plural. devemos proteger sempre “essa mulher” e não “a mulher” . “A mulher” é
muito vasta, muito longa, sem cor, sem raça, sem religião, sem pátria; e isso
tudo leva a “sem rosto”, “sem nome”, “sem nada”…
Fisicamente a mulher é mais forte que o homem, no geral claro.
Vive mais tempo, no geral, e tem mais resistência ao sofrimento, etc. (no
geral) mas mesmo que fosse o contrário, ela “não deveria” precisar de protecção
(pelo menos não daquele que a oprime… logicamente). A mulher mesmo sendo mais
fraca que o homem poderia (e devia) no decorrer dos séculos ter melhorado a sua
condição. O “animal homem” sempre foi o mais fraco e menos adaptado fisicamente
que o resto das feras do mundo animal quando surgiu na face da terra e até hoje
ainda. Mas com a sua inteligência conseguiu sobrepor-se a todos outros e alem
disso dominar as próprias forças da natureza, tornando-se no senhor do Planeta.
Claro que a religião (o instrumento mais poderoso usado pelo homem
para dominar e subjugar a mulher) foi determinante na sua dominação (por essa
razão ela quase era proibida de praticar a religião da maneira como os homens a
faziam nos templos (ora dizendo que era impura ora que não poderia servir no
sacerdócio, reservado aos homens, só para dar dois exemplos em duas grandes
religiões monoteístas), mas deviam ter lutado contra essas próprias proibições
dentro das suas próprias igrejas e se lá ganhassem, ganhariam em casa também,
pois o homem também é oprimido pela religião, seja ele um sacerdote ou simples
praticante. Mas pela sua natureza (a tão propalada e enaltecida natureza
feminina pelos poetas) preferiram submeter-se aos maridos e pais e aceitar que
eram serres inferiores e assim construíram pouco aa pouco a tragedia que hoje
querem combater. Mas a tragedia demora a ser resolvida pois querem que quem a
resolva seja de novo, não as mulheres, mas os homens. E estes é que são os
culpados da tragedia…Por isso infelizmente, a “protecção” da mulher, a sua
“emancipação”, em última análise esta necessária e verdadeiramente confiada ao
homem e só a ele. E isso não é de hoje, sempre foi assim, mesmo dentro do
subconsciente feminino é aceite que é este é que deve resolver os seus
problemas. Mesmo no relacionamento normal entre um casal, mesmo que simples
namorados, a mulher delega nele a resolução de todos os seus problemas como uma
invalida. Até delega nele a realização da sua felicidade, como uma insensível.
E os problemas vão sendo resolvidos… a maneira do homem. E assim a
natureza da mulher vai-se deformando “à maneira do homem”, por isso ela é hoje,
de certa maneira, mais masculina, pelo menos no pensamento. Os problemas são
resolvidos por condescendência masculina (é famoso o caso da Alexandra Kollontai que
conseguiu que Vladimir Lenin proclamasse o 8
de Março feriado nacional na Rússia, em homenagem as mulheres. Esta mulher,
sozinha, fez mais por milhões de mulheres russas do que um milhão delas juntas.
há mulheres que, singularmente, conseguiram mais pela
liberdade e igualdade das mulheres formulando pedidos a homens poderosos; a
Bíblia tem exemplos disso e a historia também, basta lembrar da Rainha
Cleópatra e Júlio Cesar, sem esquecer os outros amantes que apareceram depois)
as vezes os problemas são resolvidos por motivos
políticos (como o caso do Estado dc Wyoming que para poder ter o número mínimo
de eleitores necessário para fazer parte dos Estados Unidos de América concede
o direito de voto às mulheres) as vezes os problemas são resolvidos por motivos
eleitoralistas (como o caso do direito de votar que lhes é concedida em 1691 no
Estado do Massachussetts também na América, que perdem em 1789, numa outra
conjuntura…). Os motivos variam bastante, de época para época, e de mulher para
mulher… A história da emancipação feminina sempre foi um “negócio” de homens e
não das mulheres, que apenas serviam depois para legitimar, bater palmas e
“gritar vivas”… enquanto a vida passa.
Mas vamos atentar um pouco mais nesta problemática pois aqui temos
um outro entendimento: Chegamos a conclusão que o ser humano mulher precisa de
ser protegida da sua própria espécie, o ser humano “Homem”. E que essa
protecção tem várias formas, apenas é apenas a “delegação” da mulher no
companheiro “a procura” da sua própria felicidade…. É o único ser na natureza
que depende tanto do seu companheiro. Um paradoxo…Mas em contrapartida o ser
humano na verdade tem muitos paradoxos. Deve ser o único animal que ataca
fêmeas da sua própria espécie. Nenhuma fêmea do mundo animal precisa protecção
contra a sua própria espécie, apenas a mulher; mesmo nas espécies animais mais
primitivas isso não se verifica; Nem os leões não atacam as leoas, no máximo
podem brigar entre eles (machos) pela “posse” de uma fêmea… mas enfim, no caso
humano, a mulher precisa ser protegida dos seus próprios maridos
(companheiros), dos seus próprios filhos, irmãos, amigos, etc. protegido da sua
própria espécie... “. De facto é uma situação complicada, além de bizarra em
último grau… É, de facto o homem, o único que tem destes paradoxos; é o único
animal que ri, e é também o único animal que brinca com a presa que vai comer;
brinca com o carneiro, o boi, o cão, o porco, trata bem a todas suas futuras
vítimas (perdão, seus futuros alimentos). Vá-se lá entender os homens...
Por isso vamos olhar com mais atenção a problemática da
“Protecção” um ângulo crucial desta questão. A pergunta que se impõe ainda é de
cariz “organizacional” se assim posso exprimir: porque que é que os homens é
que devem tratar dessa protecção? Simples: se ela pudesse fazer isso sozinho,
não precisaria deles e concomitantemente não precisaria também do “dia das
Mulheres” para nada (pois ela serve para lembrar a necessidade premente e
permanente da protecção). Quer dizer, de modo simples, sem nenhuns floreados,
esse dia só existe porque considera-se que a mulher é indefesa perante a
sociedade; pois a questão não se pões apenas ao nível da violência fica
(domestica, parental, patriarcal ou outras) mas a violência cultural, de
costumes, de um mundo que a olha permanentemente como inferior; e ela (salvo
raras excepções) põe-se a jeito para isso desde que o mundo é mundo; as vezes
de uma maneira tão interessada, no seu próprio sofrimento, que ali encontramos
uma certa feminilidade deturpada até a essência; ou como dizia a outra “não
vejo nada de mal se o meu companheiro me corrige de vez em quando,
principalmente quando “erro”…” (aqui corrigir é um eufemismo que pode significa
um “par de bofetadas” ou muito pior, mas isso deixo a imaginação do leitor que
deve conhecer também muitos exemplos).
Mas basicamente, a “protecção” pressupõem um entendimento que a
mulher é como uma criança, propensa a errar sempre, por isso necessita especial
seguimento e vigilância (e claro, logicamente, de ser castigada quando erra. Ou
existe outra maneira de educar?). Conheci um senhor Português que dizia que os
homens devem bater nas esposas todos os dias, sem se preocupar com motivos,
pois elas sempre acabam “aprontando…” portanto não seria um castigo injusto, quando
muito era apenas dado adiantadamente…). Mas essa mentalidade vem muitas vezes
de uma vivência anterior, de uma educação dada por uma certa mulher, que sendo
companheira dos pais desses homens (independentemente de serem mães ou não, até)
que permite incutir no menino que cresce a sua superioridade em relação a
mulher, seja ela irmã ou apenas aquela que passa. Pois não nos enganemos, a
mentalidade machista, absurda, violenta, anti-mulher, geralmente é de certa
forma incutida na criança por intermédio da mãe, tias e outros próximos do sexo
feminino, que ao aceitarem o statos quo,
a ordem natural (antinatural) vigente, sem se aperceberem, a transmitem as
crianças, sejam elas do sexo masculino ou feminino. Transmitem, a mais das
vezes, pelo seu comportamento passivo, pela subserviência em relação ao
companheiro, pela aceitação da violência exercida sobre elas, e menos por
palavras (por palavras, em forma de conselhos, são mais para as meninas, para
entenderem “que um dia terão um Senhor,
que as fará felizes naturalmente, mas que devem obedecer e mesmo serem
castigados por ele… “ e todo o rol de baboseiras conhecidas que aqui, por
pudor, não escrevo.
Convém sublinhar que aqui falo da condição da mulher, no geral, em
muitas partes do mundo, mas referindo mais ao nosso mundo e aqueles que nos são
próximos. Mas inexplicavelmente (quer dizer, isto é força de expressão) todas
estas fases /de sujeição) que existiam desde a antiguidade clássica, que
encontramos ma Grécia antiga e no Império Romano há tantos mil anos, continuam,
normalmente, hoje em dia em muitos países do mundo. Há países muito
respeitáveis, onde para as mulheres viajarem precisam de autorização de maridos
(quando solteiras do pai ou do irmão) como se fossem bebes de colo ou menores
de idade; países respeitáveis onde são proibidas de conduzir, de andar com cara
descoberta, etc. Países nossos irmãos onde se cometerem o adultério ou
infidelidade são apedrejadas e as vezes imoladas… nesses países o homem nunca
comete adultério, pois o adultério é legal, é incentivado na instituição
casamento poligâmico. Enfim sabemos que milhares e milhares só casam com quem o
pai decidir e escolher. Etc., etc., pobres mulheres… pobres descendente de
Eva... Essa era igual ao marido no paraíso terrestre… a Eva nasceu emancipada
pela mão de Deus, depois o Diabo (e o Homem) a fez escrava, num acto de contra
natura. Mas se Deus a criou já emancipada, igual ao homem em direitos e
prorrogativas, vivendo os dois felizes no paraíso, então, porque é que nunca
percebemos - nem os grandes doutores das igrejas - que libertar a mulher é
realizar a vontade de Deus?
Como fica demostrada a mulher não pode “auto proteger-se” como o
homem faz; nem esta preparada para isso pela sua natureza (não física, mas pelo
caracter feminino que a domina) e pelo seu desenvolvimento histórico actual no
contexto relação homem/mulher. Ela pode denunciar mas não resolver, pois para
isso primeiro deve mudar o mundo, realizar a revolução feminina total e não
apenas ir subindo alguns degraus numa escadaria tão longa que o seu cimo
esconde-se nas nuvens. Esses degraus ( “o salto-alto”, a “mini-saia”, a “calça”
para mulher etc., etc., que deram mais poder a mulher do que todos as Leis
feitas para a sua defesa) que são galgados e vencidos cada meio seculo não resolverão
o “problema” da mulher e os homens ditarão sempre as regras (mesmo que aas
vezes inconscientemente). E as regras são que, os mesmos homens, de quem ela
deve ser protegida é que a “protegem”.
Homens que não têm sensibilidade nenhuma para isso e a mais das
vezes também exercem violência sobre as mulheres (no caso de homens
pertencentes a forças de ordem, pelo facto de terem a protecção da Lei do seu
lado, têm mais tendência a exercer a coacção física sobre suas companheiras).
Entregar a “protecção” das mulheres aos homens é como entregar a linguiça ao
gato, como se diz na minha terra. E aqui a palavra “protecção” significa a
possibilidade infinita da mudança; significa proteger “antes” e não “depois”.
Não significa “fazer justiça”, mas impedir a “injustiça”. Impedir na origem, na
cabeça do homem abstracto que por desconhecer a dignidade implícita da mulher
está preparado para a bater, violar, apedrejar e imolar, se preciso for,
perante as leis do homem e as de Deus. Por isso “proteger” significa realizar
uma mudança no substrato mental individual de cada homem, para que o respeito
pela mulher seja “a cultura dominante”. Pois se o corpo das leis, o espirito
das leis, coincide com a moral vigente na sociedade, ela pode não ser aplicado,
pois a moral torna-se Lei. E no caso da mulher, a moral seria a lei, o costume
e prática diária.
Assim entendo que o problema da mulher é complexo e nenhum 8 de
Março (nem três por ano… ou um por més) resolverá. O verdadeiro problema da
mulher é deixar de pensar no homem 24 horas por dia. Deixar de pensar no lar,
como uma coroa de glória para sua existência, como algo para o qual toda a sua
vida foi e é orientado. Deixar de sentir que só pode ser feliz quando o seu
companheiro é feliz; portanto ser feliz apenas “dentro” da felicidade do outro;
deixar de ser feliz apenas quando essa felicidade tem ligação profunda com o
sentir dele, de um modo ou de outro. Para começar a ser feliz por si mesma;
separar a “felicidade” do “amor”, por fim, como o homem o fez há milhares de
anos. Pois com existe a satisfação pessoal, existe a felicidade pessoal; a
felicidade comum, que teoricamente o amor trás com ele, existe sim, mas no
plano das cedências que o amor impõe, e que cada um aceita em nome desse mesmo
amor; portanto no fundo trata-se reduzir a nossa felicidade em nome do amor que
supostamente existe para nos fazer feliz.
E por fim a mulher não deve encarar a maternidade como fim último
da sua existência. E nem aceitar que a mulher tem uma finalidade nesta vida que
é procriar. Não, essa finalidade, a procriação, a mulher o tem igual ao homem
sim, mas nem mais nem menos. Mas a mulher pode atingir a plenitude da sua
existência, o zénite do ser mulher, sem casar e sem ter filhos (se essa for a
sua opção, convicção e desejo pensado e maturado).
EPÍLOGO: A HISTÓRIA DA HUMANIDADE É A HISTÓRIA DA PERSEGUIÇÃO DA
MULHER PELO HOMEM
E dizer que chegamos a este ponto através da religião, de costumes
e da cultura é dizer pouco. Na verdade a história da humanidade é a história da
perseguição da mulher pelo homem; o que se pode verificar claramente em
diversos estágios da humanidade. Mas para encurtar, conhecemos a fase em que
não estudavam, a fase em que recebiam menos que os homens mesmo realizando o
mesmo trabalho só porque eram mulheres. Já para não falar da fase em que eram
consideradas quase como seres incapazes de tomar decisões racionais e tinham
que ser orientadas pelos maridos ou país em todas aas decisões. A fase
relativamente recente em que ela nem tinha direito ao voto em países tao
desenvolvidos como a Inglaterra França Estados Unidos, Rússia ou a Europa
inteira no geral (se em 1788 - nas vésperas da Revolução, portanto -, no país
mais moderno do mundo, que era a França desse tempo, Condorcet ainda reclamava, para as mulheres o direito à educação, à
participação na vida política e ao acesso ao emprego, imaginem no resto do
mundo. Quer dizer, o povo Francês tão evoluído tão, emancipado, há um ano de fazer
a maior revolução que a humanidade jamais conheceu, ainda não estava capaz de
olhar para o lado e ver que a mulher era igual aos homens. Essa revolução que
tinha como Bandeira Igualdade, Fraternidade e Liberdade, as palavras mais belas
criadas pelo homem, não pedia isso para as mulheres; a liberdade era para os
homens (viverem sem serem oprimidos pelos reis e nobres), a fraternidade era
entre eles (para se criar uma sociedade mais justa), a igualdade era para ser
imposta para eles (entre homens de todas as classes).
E para a mulher? Nada; Ninguém se lembrou dela. Imagino o
Revolucionário francês que depois de uma jornada de luta - no terceiro més da
Revolução, portanto no oitavo dia do Frimário (hoje Março) 1789 -, de violentos
confrontos nas ruas de Paris, volta ferido e cansado para a casa e enquanto
espera que a companheira lhe ponha a nalga de sopa a mesa, diz-lhe emocionado: -
“hoje a Luta foi dura, perdemos muitos dos nossos, mas os homens do Rei
fugiram… a liberdade está próxima…, vai haver um mundo novo em que seremos
todos iguais, um mundo feito de fraternidade, amizade, liberdade, companheirismo,
etc., etc. E assim a noite inteira, esquecendo (pobre diabo) que aquela ali,
que lhe tratou agora mesmo dos ferimentos, que cozinha a sopa que vai tomar,
também gostaria de viver nesse novo mundo…enfim, nós os homens não fomos sempre
cegos para algumas coisas (todas?)? Mas aquela que esta de costas, mexendo calmamente
com a colher o conteúdo da panela, também esqueceu disso… nunca pensou nisso.
Quem sabe ela pensa para consigo que “o melhor que este imprestável estouvado
devia fazer era arranjar um emprego decente para por a comida na mesa e quem
sabe se por fim possa comprar as roupas que os meninos tanto precisam, antes
que chegue o inverno e, … e, …”
As mulheres, mesmo em plena Revolução, no momento da tomada de
Bastilha ou do Palácio de Inverno, comportam-se da mesma maneira: procuram o
telefone mais próximo para ligarem para casa e perguntarem se os meninos
tomaram o pequeno-almoço e se limpou-se a sala, entre outras importantíssimas
questões… e não tem importância o facto de que na altura da Revolução Francesa
não existir ainda telefone, porque no dia da Revolução de Outubro na confusão
que se gerou nas proximidades do Smolnin
e o Palácio de Inverno, também não
seria possível telefonar (alem de que na Rússia Czarista não havia telefones
públicos que eu saiba. Aqui a figura de retorica, é apenas para entenderem a
ideia (e para o escritor armar-se em grande intelectual…).
E desde esses tempos e mais recuados ainda, até hoje, a mulher
continua “pondo-se a jeito”, comendo ananases na Lua, deitando cascas para o
Rio Don, que indiferente a tudo, continua calmamente a serpentear, cada vez
mais prateada, cada vez mais brilhante … pelas cercanias da minha querida
cidade de Rostov.
Fernando S. Teixeira