NO BALUR I STA NA NO KUNCIMENTI, PA KILA, NO BALURIZA KUNCIMENTI!...
Joaquim Meirim era um cidadão com leituras
e com consciência social e política. O pai, que era minhoto de Monção
depois de ter sido proibido por Salazar de exercer a sua função de
professor primário, rumou a Lisboa e instalou-se em Alcântara, onde
passou a exercer o ofício de sapateiro.
Por Soares Novais
Alcântara era, então, um bairro
pobre e a sua população maioritariamente operária. Meirim cresceu ali e
cedo ganhou consciência social e política. Frequentou a Escola
Comercial Ferreira Borges até aos 16 anos, fez natação no Algés e jogou
futebol no Atlético. Trabalhou num escritório e cruzou-se, vezes sem
conta, com Amália Rodrigues, também ela filha de operário sapateiro,
que por essa altura vendia fruta no Cais da Rocha.
Depois, Joaquim Meirim, correu mundo ao serviço da Marinha Mercante. Viveu em Buenos
Aires e em Havana.
Ou seja, inventou o seu futuro, pois ele sabia que “As pessoas caem
como folhas/E secam no pó do desalento/Se não as leva consigo/A fúria
poética do vento/Para que se justifique a nossa vida/É preciso que
alguém a invente em nós.” Tal qual nos avisou/avisa Natália Correia no
seu belo e genial poema “Queixa das Almas Jovens Censuradas.”
Em 1961, pelos primeiros dias da segunda quinzena de Janeiro, o
Capitão Henrique Galvão e 20 elementos da Direcção Revolucionária
Ibérica de Libertação, tomam de assalto o Paquete Santa Maria que
zarpara de Lisboa e tinha como destino Miami, nos Estados Unidos. Galvão
e os seus homens entraram no Paquete em Curaçao, nas Antilhas
Holandeses e rebaptizaram-no de Paquete Santa Liberdade.
Salazar ficou em fúria. Henrique Galvão e os seus insurrectos não
lograram atacar Luanda, como pretendiam; mas até atracarem na cidade
brasileira de Recife, onde se entregaram às autoridades locais, deram a
saber ao mundo que em Portugal a Ditadura dava “… um esquife feito de
ferro/com embutidos de diamante/para organizar já o enterro/do nosso
corpo mais adiante/ (…) Dão-nos marujos de papelão/com carimbo no
passaporte/por isso a nossa dimensão/ não é a vida, nem é a morte.”
Meirim testemunhou o acto heróico de Henrique Galvão e dos seus
homens. E soube, também, que no final desse ano de 1961, a 19 de
Dezembro, cinco “pides “ mataram a tiro o artista plástico José Dias
Coelho na, então, Rua dos Lusíadas, em pleno bairro de Alcântara. Zeca
Afonso denunciou o crime e imortalizou o lutador antifascista com a sua
canção “A morte saiu à rua.”
(Como também soube que a fuga colectiva de Peniche, em 3 de Janeiro
de 1960, foi a mais importante, audaciosa e bem sucedida evasão a que se
seguiu a fuga colectiva de Caxias, no ano seguinte e que ambas
colocaram o governo ditatorial e a PIDE à beira de um ataque de nervos).
É, pois, este homem jovem, mas com “mundo”, que em 1962 tira o curso
de treinador de futebol na Cruz Quebrada. O curso teve como prelectores
Fernando Vaz e José Maria Pedroto.
Na época de 1967/68 estreia-se na então 1ª Divisão ao serviço da CUF
do Barreiro. A equipa fabril estava no fundo da tabela, mas o miúdo de
Alcântara, tinha acabado de fazer 35 anos, consegue guindá-la até ao
nono lugar.
Sem passado digno de registo como jogador, Joaquim Meirim surpreende
pela linguagem que usa e pelos métodos de treino que utiliza. As suas
equipas fazem a pré-época no campo e na praia; e o “onze” titular de
cada jogo faz exercícios de aquecimento antes do início de cada partida.
“Uma loucura, assim eles vão começar o jogo já cansados”, clamam os “velhos do Restelo”.
Mil novecentos e sessenta e oito foi “O ANO DA QUEDA DE OLIVEIRA
SALAZAR”. O ditador já não manda, mas pensa que sim. A farsa dura até 27
de Setembro desse ano, dia em que Marcelo Caetano assume o posto de
presidente do Conselho. Começam as “Conversas em Família” e há quem fale
em “Primavera Marcelista”. Puro engano como se viu depois.
A Guerra Colonial está no seu ponto mais crítico e o som da metralha
não abafa os gritos de dor daqueles que tombam em combate; as prisões
fascistas encarceram os que lutam pela Liberdade; e a Censura dos
coronéis abate-se violentamente sobre os jornais e os jornalistas, que
tentam fintar os homens do lápis azul.
Aos censores nada escapa. E os jornais desportivos – A Bola, Mundo
Desportivo, Norte Desportivo e Record – também não se livram de mandar
as provas à Censura.
Meirim faz declarações surpreendentes e polémicas. E os jornais aproveitam para atirar uma-pedra-no-charco das banalidades.
O puto, filho-do-professor-primário-que ganha-a-vida-como-sapateiro
no bairro de Alcântara, faz as primeiras páginas dos jornais e motiva a
curiosidade e a reflexão de alguns dos melhores escritores e jornalistas
da praça.
Carlos Pinhão e Mário Ventura-Henriques são alguns deles. Pinhão,
após a melhor classificação de sempre do Varzim, onde o guardião Benje
assume o papel de estrela maior, escreve um dos mais belos títulos da
Imprensa portuguesa: “Varzim rima com Meirim”; e o escritor Mário
Ventura-Henriques assina uma crónica em A Bola que titula assim: “Meirim
entrou na vida de todos nós.”
José António Saraiva, que até há pouco dirigiu o semanário “Sol” e
que durante anos a fio foi director do Expresso, escreveu no
oposicionista “O Comércio do Funchal em 5 de Abril de 1970:
– Meirim é o homem que de maneira mais fina entendeu a estrutura caótica, anacrónica, incoerente, do futebol.
Meirim foi também aquele que, antes de qualquer outro, entendeu o
futebol profissional como uma indústria. Uma indústria poderosa que hoje
movimenta biliões de euros e que é, como sempre foi, palco propício
para a batota e os batoteiros.
Já o disse: Joaquim Meirim era um homem com leituras e consciência social e política. E foi um homem à frente do seu tempo.
Um homem a cores num país a preto-e-branco, medíocre, temente aos
deuses e aos senhores da terra. Meirim tomou partido e como dirigente
sindical sempre defendeu os interesses da sua classe.
E pagou caro:
– O presidente do Leixões despediu-o na hora em que foi conhecida a
sua candidatura à presidência da Câmara Municipal de Matosinhos em nome
da então Frente Eleitoral Povo Unido;
– Como activista sindical ganhou e perdeu batalhas; e foi o alvo principal daqueles que serviam os donos da bola.
Hoje, Joaquim Meirim não tem o seu retrato dependurado numa qualquer
galeria de honra e o seu nome é silenciado por muitos dos seus pares.
Mas isso não surpreende, pois a história colectiva é uma grande mentira
que apenas glorifica os vencedores. Mesmo que os vencedores sejam, como
muitas vezes são, seres banais e venais.
Meirim está na história por outras singulares razões.
– Por ser um cidadão e um treinador que soube empunhar a Esperança e a Audácia;
– Por seu o único técnico de futebol a quem atribuíram o seu nome a um clube – Alunos de Meirim;
– Por ser o único homem do futebol a quem Zeca Afonso, um dos
melhores de nós, dedicou um poema. Um poema escrito durante a sua prisão
no Forte de Caxias.
Não Te Deixaremos Morrer Joaquim Meirim!
Nota: Intervenção proferida durante a sessão de tributo a
Joaquim Meirim, realizada no Salão Nobre do Centro Republicano e
Democrático de Fânzeres (Portugal), que assinalou os 15 anos da sua
morte.
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