Sem ouvir, como é obrigatório pelas leis do partido que (des)governa Angola desde 1975, o Departamento de Informação e Propaganda (DIP) do MPLA, o jornal Financial Times questiona se João Lourenço conseguirá curar Angola do “capitalismo de compadrio” que, aliás, constitui o ADN da seita.
Para facilitar a análise do DIP (cujos membros têm muitas vezes de se descalçar para contarem até 12), explicamos o significado de “seita”: Grupo organizado que tem ideias ou causas em comum = a bando, partido.
O Financial Times dedica esta terça-feira um extenso artigo à situação económica e política de Angola, questionando se as reformas (supostamente) implementadas pelo Presidente, João Lourenço, igualmente Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, vão conseguir curar o país do que chama “capitalismo de compadrio”.
Assinado por David Pilling, o editor de África do influente jornal britânico, o artigo recolhe declarações do analista Ricardo Soares de Oliveira, do ministro dos Transportes, Ricardo Viegas d’Abreu, do governador do Banco Nacional de Angola, José Lima Massano, e do jornalista e activista Rafael Marques de Morais, não dando uma resposta ao título do artigo: “Africa: can João Lourenço cure Angola of its crony capitalism? (África: pode João Lourenço curar Angola do seu capitalismo de compadrio?)”.
O artigo passa em revista as principais decisões de João Lourenço, lembrando episódios como a introdução de uma nova lei para o investimento privado, o afastamento de Isabel dos Santos da Sonangol, os maus indicadores socioeconómicos para um país que é a terceira maior economia africana, a discrepância de 32 mil milhões de dólares (28,5 mil milhões de euros) encontrada nas contas da Sonangol e as alterações nas leis que regulam a actividade petrolífera.
“Este país da África Austral tornou-se um dos mais corruptos do continente, um estado de compadrio capitalista em que a proximidade do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), liderado durante 38 anos pelo Presidente José Eduardo dos Santos, foi o maior factor de enriquecimento pessoal”, escreve o editor para África do Financial Times.
No dia 7 de Março de 2015 o mesmo jornal explicou as razões pelas quais o Folha 8 existe desde 1995 e, também, os motivos desta nossa luta contínua já que, hoje, se confirma que afinal filho de jacaré é mesmo… jacaré. Escrevia então o jornal britânico que Angola era uma cleptocracia (regime político corrupto) e os seus dirigentes uma elite indiferente ao resto da população.
Hoje é diferente? A corrupção continua a existir e a elite continua indiferente ao resto da população, entra a qual estão 20 milhões de pobres. A única diferença visível é que mudaram alguns membros da elite. Nada mais do que isso.
Num texto com o título ‘Porque o Ocidente adora um cleptocrata’, publicado então, o jornal britânico abordava o lançamento do livro “Magnificent and Beggar Land: Angola Since the Civil War”, de Ricardo Soares de Oliveira.
O artigo que desmontava o sistema então vigente no nosso país, mais não diz do que aquilo aqui que nós aqui dizemos ao longo dos anos. Mas, reconhecemos, todas as ajudas para desmascarar o regime são oportunas.
“Mesmo pelos padrões dos Estados petrolíferos, Angola é quase risivelmente injusta”, dizia em 2015 o articulista, referindo com todas as letras que “os oligarcas deixam gorjetas de 500 euros nos restaurantes da moda em Lisboa, enquanto cerca de uma em cada seis crianças angolanas morrem antes de terem cinco anos”. Mais euro menos euro, no essencial tudo continua, quatro anos depois, na mesma. Os oligarcas de hoje são sobretudo os oligarcas que ontem estavam na segunda linha mas que, com o advento de João Lourenço, passaram para a primeira linha.
O Financial Times referia que “esta pequena cleptocracia é aceite como uma parte integrante do sistema ocidental” e explicava que são os expatriados que fazem a economia angolana mexer, desde as consultoras que ajudam a definir a política económica até aos bancos que financiam os negócios do clã Eduardo dos Santos.
Banido o clã Eduardo dos Santos, como está o país? Bom. A nova cleptocracia continua a ser aceite como uma parte integrante do sistema ocidental, e os expatriados são quem faz a economia angolana mexer, desde as consultoras que ajudam a definir a política económica até aos bancos que financiam os negócios,
“Os oligarcas angolanos habitam a economia do luxo global das escolas públicas britânicas, dos gestores de activos suíços, das lojas Hermès, etc.”, escrevia o jornal, que classifica o livro sobre Angola como “maravilhoso”.
O livro, de resto, foi lançado na altura em Londres e era o segundo da autoria de Ricardo Soares de Oliveira, um professor de Política Africana em Oxford que também colabora com Instituto de Políticas Públicas Globais, em Berlim.
No texto que serviu de lançamento para o livro, é feito um retrato de fortes contrastes entre a elite e o resto da população angolana, por exemplo quando se lê que “a clique dirigente consiste largamente numas poucas famílias de raça mista da capital, Luanda, que considera que os cerca de 21 milhões de angolanos negros no mato ou musseques são imperfeitamente civilizados, e com pouco desejo para os educar”.
Diferenças para hoje? Reconhecendo que a “clique dirigente” tem outros rostos (quase todos, a começar por João Lourenço, transitaram da clique anterior), de substantivo nada mais se encontra,
A relação entre Portugal e Angola fazia também parte da análise do jornalista que assina o texto, que cita o autor do livro dizendo que “por trás de cada magnata angolano há uma equipa de gestão maioritariamente portuguesa”, que não se preocupa com as consequências da sua gestão, “por isso os estrangeiros bombam petróleo, fazem luxuosos vestidos e constroem aeroportos sem sentido no meio do nada”.
Hoje é diferente? Não. Apenas mudaram algumas moscas. O resto, talvez graças a melhor desodorizante, cheira melhor mas a sua essência putrefacta é a mesma.
Criticando de forma directa as luxuosas viagens à Europa, os passeios entre capitais europeias recorrendo a aviões a jacto, o artigo prosseguia argumentando que a crise económica fez com que os governos ocidentais procurassem novos negócios sem olhar ao contexto político desses países, contando com o exemplo da conhecida política de não interferência da China, um dos novos grandes investidores em África na exploração de recursos naturais.
Depois de criticar os governos ocidentais por não fazerem a distinção entre o dinheiro dos governantes e o dinheiro dos Estados, porque afinal “eles empilham-no nos nossos bancos e gastam-no nos nossos quadros, em cirurgias plásticas e em casas de praia, para além de acções das nossas empresas, especialmente em Portugal”, o artigo termina abordando a descida do preço do petróleo.
Desse tempo apenas se alterou a grande máxima do regime. Antes dizia-se que “o MPLA é Angola e Angola é o MPLA”. Hoje, com João Lourenço, diz-se que “Angola é o MPLA e o MPLA é Angola”. A diferença é substancial, não é?
“A elite fez a festa durante o crescimento do petróleo. O provável impacto no regime do colapso nos preços é pouco, porque se só se está a alimentar uma pequena percentagem do povo, 50 dólares por barril chega e sobra”.
Basta, aliás, ver o perfil do cliente de elite angolano em Portugal, que continua a representar mais de 40% do mercado de luxo português. Trata-se sobretudo de homens, 40 anos, empresários do ramo da construção, ex-militares ou com ligações ao governo. Vestem Hugo Boss ou Ermenegildo Zegna. Compram relógios de ouro Patek Phillipe e Rolex.
Do outro lado, aquele que não interessa aos governantes e políticos portugueses, sejam eles Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa, Rui Rio, Assunção Cristas, Jerónimo de Sousa ou Catarina Martins, está o perfil do povo angolano, que representa 70% da população, e que é pé descalço, barriga vazia e (sobre)vive nos bairros de lata.
Esses angolanos de primeira não olham a preços. Procuram qualidade e peças com o logo visível. É comum uma loja de luxo facturar, numa só venda, entre 100 e 200 mil euros, pagos por transferência bancária ou cartão de crédito.
Por outro lado, de acordo com a vida real dos angolanos (de segunda), 45% das crianças sofrem de má nutrição crónica e uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos.
Na joalharia de luxo, os angolanos também se destacam, tanto pelo valor dos artigos que compram como pela facilidade com que os pagam. Chaumet, Dior e H. Stern? Sim, pois claro. O preço não é problema. Quanto mais caro melhor. Comprar uma pulseira por 150 mil euros é como comer um pires de tremoços.
Pois é. Em Angola, o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder. Mas o que é que isso interessa?
Refeições? Que tal trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e uma selecção de queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas, com cinco vinhos diferentes, entre os quais um Château-Grillet 2005?
Quanto ao Povo, bem a ementa desses é fuba podre, peixe podre, panos ruins, 50 angolares e porrada se refilarem.
Folha 8 com Lusa