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sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Brasil: Laços de ébano e marfim - Mesmo em um país miscigenado como o Brasil, familiares com tons de pele diferentes ainda geram estranhamento na sociedade.

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Deuzeni, Matheus, Bruna e Arnóbio

"Nossa, como ela é diferente de você, eu nunca ia imaginar que era sua filha”. Essa frase, dita por incontáveis bocas, foi o comentário mais ouvido por Deuzeni Pereira Lucena enquanto Bruna estava crescendo. Parte de uma família bastante miscigenada, as aparências diferentes de mãe e filha geraram muita descrença sobre o parentesco entre as duas. “A minha família é de pele negra mesmo. Nós somos 9 irmãos, meu pai, avô, bisavô, tios, todos negros. Só a minha mãe que é clara, mas ninguém puxou pra ela. Já a Bruna puxou pra família do meu marido, onde são todos bem brancos”, conta Deuzeni, apelidada de Deusa pela família.
“Acho que o que mais marcou a minha infância foi a burocracia, porque era tudo muito difícil, minha mãe tinha sempre que provar que era mesmo minha mãe”. Na época, a família morava em Itaquaquecetuba, município de São Paulo, e visitava regularmente a avó materna, que morava próxima ao metrô São Judas. “Eu era pequenininha e a gente precisava pegar [a viação intermunicipal] Pássaro Marrom, e toda vez precisava apresentar documento. Às vezes minha mãe estava com meu RG, mas não estava com a minha certidão de nascimento e eles não me deixavam subir. Várias vezes a gente teve que voltar pra casa porque falavam ‘não, você não vai pegar ônibus intermunicipal com essa menina’”, lembra Bruna, com irritação.
Lucas, um primo que foi criado pela família desde os cinco meses de idade, nunca passou por dificuldades ao viajar com Deusa por tem o tom de pele parecido com o dela. “Pra pegar o Pássaro Marrom com o Lucas, por exemplo, só perguntam se eu tenho o documento da criança, mas nem pedem pra ver. Com a Bruna exigiam ver o RG dela”. Bruna comenta, aos risos, que a mãe poderia estar sequestrando Lucas, mas como ambos têm a cor parecida, ninguém nunca iria saber.
Deusa conta que nem os argumentos de sua filha, já com oito anos, ajudavam motoristas – e por vezes policiais – a acreditarem que a menina de olhos e cabelos claros era filha daquela moça negra de cabelo crespo. Houve apenas uma vez em que Deusa lembra ter perdido as estribeiras com o tratamento que recebeu ao tentar andar de ônibus com a filha: ela estava com um horário marcado no pediatra para tratar da sinusite de Bruna, e não podia se atrasar. Chegando ao ponto, viu que estava com a bolsa trocada e sem a cópia da certidão de nascimento, e foi impedida de subir na frente de todos os outros passageiros. “Voltei para casa chorando no caminho inteiro porque eu me senti tão humilhada. No ônibus todo mundo ouviu a conversa e ficou todo mundo me olhando, desconfiando de mim. Não queria nem voltar para aquele ponto, mas a minha filha precisava do tratamento”. O ônibus passava de meia em meia hora, partia de Itaquaquecetuba, passava pela Ayrton Senna, pela Marginal Tietê e deixava os passageiros na Rodoviária Tietê. “Quando nós chegamos na Ayrton Senna, aquele ônibus que me fizeram descer estava parado, e aquele mesmo motorista pediu para nosso para levar alguns passageiros, porque havia acabado de acontecer um assalto”. Deusa nunca mais reclamou por esquecer documentos.
Muitas pessoas não passavam nem pelo estágio de duvidar que Deusa fosse mãe de Bruna, já assumiam de cara que era a babá da menina. “Eu lembro que uma vez nós fomos para Porto Seguro e fizemos amizade com um casal.
Famílias Lucena e Lemes juntas: Matheus Lemes, Bruna Lucena Lemes, Deuzeni Pereira Lucena, Lucas Henrique Lucena Borges, Arnobio Lucena
Estávamos eu, uma amiga muito querida, Bruna e meu marido. Começamos a conversar, mas chegou um certo ponto da conversa que eu notei que tinha sido esquecida de canto. Ninguém falava mais comigo, o assunto girou só entre a minha amiga, o meu marido e esse casal, e eu, sentada na mesma mesa, mesmo sendo esposa e mãe, era como se não existisse”. Quando o casal quis combinar um passeio em família, ao qual levariam uma sobrinha para brincar com Bruna, convidaram Arnóbio, pai de Bruna, e a amiga. “Nisso eu percebi que para aquele casal a esposa do meu marido era a minha amiga, porque ela era clara. É assim, as pessoas ligam o branco ao branco. A Bruna é branca, meu marido é branco, a minha amiga era branca, então a família eram eles três e eu era a empregada, estava acompanhando”. Nessa mesma viagem, Bruna conta que a gerência do hotel onde estavam hospedados chegou a perguntar se a babá também iria tomar café com a família – “sendo que a babá a que eles se referiam era minha mãe”, lembra Bruna.
Quando criança, Bruna sempre se ressentiu do pouco caso com que via sua mãe ser tratada, pelas dúvidas que muita gente teimava ter sobre o parentesco. Deusa, por sua vez, raramente se incomodava com esse tipo de tratamento. Pelo contrário, ela e o marido gostavam de dar corda a esse tipo de acepção para dar risada da confusão das pessoas. “Depois que esse casal descobriu que a mulher era eu, pediram desculpa, tentaram justificar dizendo que eu havia ficado muito quietinha na conversa. Eu respondi que é porque eu gosto de observar”, conta rindo. Os estranhamentos da sociedade com a família viravam piada dentro de casa, e o casal ficava meses fazendo graça um do outro quando algum constrangimento acontecia. Uma vez, na sala de espera do pediatra, Deusa lembra, aos risos, o que aprontou com uma mãe curiosa em saber se Bruna tinha puxado a aparência de algum branco na família. “As pessoas na sala estavam agoniadas, você via que todo mundo queria perguntar, mas ninguém tinha coragem, até que uma das mães não aguentou e veio falar bem assim pra mim ‘nossa, ela é sua filha? Mas ela é tão branquinha, o seu marido é branco?’”. Muito séria, Deusa respondeu que o marido era “tão negro que a parte branca do olho é vermelha”. A sala ficou em silêncio enquanto Deusa tentava permanecer séria brincando com a filha. “Quando cheguei em casa, contei pro meu marido e ele ficou rindo, me chamando de doida”.
QUANDO ROLA PRECONCEITO
Na família de Deusa e Bruna nunca houve caso de preconceito entre os familiares. Bruna conta que, como era a única prima branca, ela quem acabou recebendo vários apelidos dos primos durante a infância, como branquela e “Vandinha Adams”.
O caso de Juliana Marques, professora de literatura da rede de ensino municipal de São Paulo, foi bem diferente. “Minha mãe, Fátima, é alagoana e meu pai, Tadeu, é paulista. Eles se separaram quando eu tinha três anos e aí minha mãe se casou com o meu padrasto, José Batista, que é pernambucano, e meu pai se casou com minha madrasta, Maria, que é mineira. Meu pai é louro do olho azul, minha mãe é branca, minha madrasta é branca e meu padrasto é negro. Eu tenho dois irmãos, um branco por parte de pai chamado Rafael e um negro por parte de mãe, o Kleber”. Infelizmente, o pai de Juliana é racista e a família teve muitos problemas de convivência depois de sua mãe casar com um negro.
“Comigo não aconteceu nenhum caso de me tratarem diferente ou de perguntarem se minha mãe era minha babá, mas com meu irmão Kleber sim. Ele é bem mais moreno do que eu, com cabelo mais crespo, e a família do meu pai não gostava dele. Ele não podia brincar com meus primos, e não gostavam nem que eu levasse ele para conviver com a família do meu pai”. O preconceito do pai, conta Juliana, piorou muito por ele ter sido trocado por um negro. “Isso foi uma coisa que pesou muito na época em que eu era criança. Foi a coisa que mais me marcou, os xingamentos que aconteciam do meu pai para o meu padrasto. Meu pai xingava sempre de negro e de coisas do tipo”.

fonte: Revista Raça Brasil

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Samuel

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