As medidas tomadas pelo Governo angolano para assegurar competitividade no mercado nacional devem ser tidas em conta pelos países do continente na formulação de programas de desenvolvimento.
A economista e docente universitária, Laurinda Hoygaard, avalia as implicações do desenvolvimento da economia mundial para os países africanos. Nesta entrevista, explica como vai conciliar as suas tarefas universitárias com as novas funções no Departamento Africano do Fundo Monetário Internacional (FMI), onde foi convidada a integrar, por um período de dois anos, o grupo consultivo para a África Subsahariana, que corresponde a cerca de 75 por cento do continente.
De que forma a África pode aplicar todo o seu potencial de riqueza para o transformar em vantagens na relação económica com o mundo desenvolvido?
Permita que comece por agradecer a oportunidade que me concede para falar um pouco sobre tão importantes questões.
A dimensão, segundo território e terceira maior população mundial e a grande diversidade linguística, cultural, religiosa, política, económica e social desaconselham a aplicação de modelos pelos 55 países do continente africano, visando obter vantagens na relação com o mundo desenvolvido.
Infelizmente, muitos países africanos continuam a ser palco de terríveis conflitos que, sob a capa étnica ou religiosa, são, na verdade, lutas económicas motivadas pela ambição de actores internos e externos. Na esfera económica, que se repercute, naturalmente, nos planos social e político, o denominador comum a muitos países africanos é a posse de riquezas minerais.
A exploração e comercialização destes minérios está, geralmente, na posse dos conglomerados estrangeiros que alimentam as suas indústrias com estas matérias- -primas, pois dão emprego à sua população e criam valor e riqueza que naturalmente os engrandece. A questão é se os rendimentos auferidos pelos países africanos por cederem os direitos de exploração e exportação na forma de rendas, salários, juros, lucros e impostos têm dimensão suficiente para alavancar os respectivos processos de industrialização. Por outro lado, apesar de nem todos os países africanos terem a mesma situação, considera-se que a maior parte não possui as competências técnicas e científicas para transformar todo o potencial existente nos seus subsolos em condições de competitividade e rentabilidade.
A agricultura africana é outro sector económico em situação desfavorável em comparação com os países desenvolvidos. As diferenças na composição dos solos, o acesso à água e os termos de troca entre produtos agrícolas e industriais desfavorecem a agricultura familiar onde está radicada a maioria dos camponeses. Não podendo alongar-me mais nesta temática gostaria de referir que, em linhas gerais, a estratégia que está a ser seguida em Angola me parece a mais adequada para responder à pergunta.
As condições muito sucintamente expressas nos parágrafos anteriores também se aplicam a Angola. As soluções estão expressas nas prioridades e política económica estabelecidas; 1. estratégia 2000-2015, no plano nacional de desenvolvimento (PND) 2013 – 2017 e nos orçamentos anuais; 2. a redução da dependência da extracção de recursos minerais com o alargamento da base produtiva, incluindo a indústria manufactureira; 3. a implementação do fundo soberano e outros mecanismos financeiros de apoio aos investimentos e ao empresariado nacional; 4. a política de formação de quadros e progressiva implantação da angolanização.
No discurso de fim-de-ano do Presidente da República é particularmente acolhedor o interesse e exigência manifestados pelo atendimento prioritário da formação técnica e profissional a todos os níveis. Gostaria de realçar igualmente outras políticas que visam a inclusão económica e social, a garantia da paz e o reforço da democracia.
O que representa para o continente as mudanças no cenário económico mundial, pós-crise financeira?
A crise no sistema económico mundial afectou e afecta, evidentemente, os países africanos em geral. Num mundo cada vez mais globalizado, acentuam-se as interdependências entre os países e, neste caso concreto, a Europa mantém relações privilegiadas com os países africanos no âmbito do grupo ACP – África, Caraíbas e Pacífico. Por outro lado, as crises podem representar oportunidades, o que ajuda a justificar progressos que se observam nos domínios da definição de estratégias políticas e económicas e também alguns avanços no crescimento do produto interno bruto de alguns países.
O estabelecimento de parcerias que reconhecem o princípio do “win-win” na cooperação comercial e económica e a independência dos países africanos em escolher o seu próprio percurso e meios são vitórias importantes, embora careçam ainda de ser fortalecidas. Um campo importante da cooperação está associado aos objectivos de desenvolvimento do milénio (ODM) e alguns progressos já se alcançaram.
Também considera que a África tem falta de recursos humanos capazes para acelerar o desenvolvimento?
Sim, embora seja necessário relativizar a referida “falta”, porque nem todos os países têm a mesma quantidade de recursos humanos relativamente à sua população e necessidades e a composição da formação também difere. Quanto à capacidade é também relativa.
O que devem, na verdade, priorizar os governos face ao actual contexto económico e financeiro?
As prioridades dos governos devem estar adequadas aos elementos estruturais e não apenas às conjunturais. Ou, de outro modo, só se estabelecem e aplicam prioridades em função de um contexto de conjuntura desde que alinhadas com os objectivos de longo – médio prazo. E os problemas da grande maioria dos países africanos residem nas estruturas económicas como já referi.
Considerando que o actual contexto ainda revela crise as medidas a adoptar podem inscrever-se numa política “keynesiana” onde o Estado ou os estados têm maior intervenção na economia estimulando o emprego através do investimento e mesmo do consumo. Contudo, esta só actua desde que a estrutura económica seja flexível no sentido de ter espaço de alargamento e exista confiança política e social que permita criar efeito multiplicador no investimento privado, nacional e estrangeiro, despoletado pela iniciativa governamental.
A região Austral tem desafios específicos, atendendo a um quadro comparativo?
Claro que sim. Cada região, cada país, e dentro destes as suas regiões, têm especificidades e devem ser tratados com a atenção particular que merecem. A região austral do continente tem a particularidade de existir a África do Sul, país com uma agricultura forte e auto-suficiente para o consumo interno. Só a África do Sul detém cerca de um quinto do produto interno bruto de toda a África, que corresponde apenas a um por cento do mundial e é o único país africano membro dos BRICS. A África Austral trabalha no sentido de criar complementaridades entre as economias dos 14 países membros da SADC onde Angola e a África do Sul também pertencem. Mas existem diferenças grandes pelo que o desafio da integração regional tem que ser estudado e monitorado com muito cuidado, estabelecendo-se prioridades e prazos para que haja sucesso de forma efectiva.
Uma zona de comércio livre daria resposta a muitos dos problemas que vivem os países desta comunidade?
Creio que não. A SADC estabelece estratégias de desen volvimento e realiza de forma integrada investimentos em sectores económicos e sociais. Cada país é suposto especializar-se numa esfera de actividade. Angola detém a energia. Moçambique os transportes e assim sucessivamente. Quanto ao comércio livre ainda é prematuro porque as diferenças de condições produtivas e, sobretudo, de produtividade mantêm-se grandes e o grau de complementaridade económica é muito baixo. A África do Sul tem vantagens relativas imensas devido à força da sua estrutura produtiva e à correspondente capacidade de exportar para os vizinhos. A maior parte dos membros da SADC são importadores líquidos e a eliminação de barreiras tarifárias e, em geral, alfandegárias ou outras iria fazer perigar as respectivas e débeis capacidades produtivas domésticas.
Quais as responsabilidades de Angola no relançamento económico de África?
Angola não tem responsabilidades directas nesta matéria. Apesar disso, a política externa de Angola com contribuição activa na independência de países irmãos, na resposta aos frequentes pedidos de aconselhamento de estadistas e altos quadros de países e organizações de África junto das nossas autoridades e nos exemplos dados com a consolidação da paz, tem actuado nesta conformidade. As definições de política económica, como se afirmou atrás são bons exemplos. Esperamos que os resultados sejam conforme as intenções.
Estudos indicam um forte potencial em sectores não minerais. Como torná-los verdadeiros ganhos às populações?
Com muito trabalho, muita clareza na definição e aplicação das políticas e programas. O Estado tem o papel de facilitador a desempenhar. Mas, os cidadãos têm o maior papel que é fazer com que as políticas e medidas sejam aplicadas.
Poupando, investindo, trabalhando, voltando a poupar e a investir e trabalhar sempre, com método, de organização e disciplina.
Vê potencial na agricultura nacional como sector estratégico para liderar no futuro o desenvolvimento económico?
A agricultura é um sector estratégico mas não creio que venha a liderar no futuro o desenvolvimento económico nacional, pelo menos num futuro próximo. Mas a agricultura tem que se desenvolver para alimentar os cidadãos, de forma directa, pelo consumo, e alimentar a indústria fornecendo produtos para transformar em bens industriais.
As novas atribuições funcionais junto do FMI para o continente africano significam o quê, concretamente?
Fui convidada pelo Departamento Africano do Fundo Monetário Internacional para integrar, por um período de dois anos, o grupo consultivo para a África Subsahariana que corresponde a cerca de 75 por cento do continente. O primeiro grupo foi criado há três anos. Cabe a este fortalecer a parceria do FMI com os países a Sul do Sahara e ajudar a que o FMI seja melhor compreendido, elabore e aplique políticas económicas que ajudem a garantir resultados mais eficazes para a região e seus povos. O exercício da função não obriga a tempo integral e posso, portanto, continuar a praticar a minha agenda com um pouco mais de sacrifício pela redução do tempo disponível.
Com isso, cessa a colaboração na representação do Banco Mundial em Angola?
Relativamente ao Banco Mundial não tenho colaboração permanente. Apenas tenho participado, quando convidada, na realização de alguns estudos e debates sobre temas específicos. (Jornal de Economia & Finanças)
Por: Isaque Lourenço
# Portaldeangola
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