As reacções à nomeação do novo Conselho de Administração da Sonangol, presidido pela princesa herdeira do trono, Isabel dos Santos, foram particularmente intensas, ou não se tratasse de algo que tem a ver com o petróleo e o nepotismo do regime.
Por mais que falemos de diversificação económica e juremos a pés juntos que estamos todos apostados em olhar para outras fontes de receita, a mentalidade do barril de petróleo vem sempre ao de cima, como o azeite. Tal como o nepotismo do regime reinante desde 1975.
O problema está na habituação. Tudo o que se afaste do modelo de pensamento e de gestão imposto por conceitos académicos ou dos padrões dominantes ocidentais e assimilados por cá, ainda que se faça algo que conduza à melhoria do estado da Nação, para a nossa mal formada governação é motivo para insultar a inteligência de quem pensa de modo diferente.
A Sonangol é a maior empresa (qual polvo cheio de esteróides) angolana. Nenhuma outra desempenhou tão bem como ela o papel tão importante de instrumento de construção e defesa do regime- A Sonangol, ela própria uma obra da Independência nacional formada e formatada de acordo com a estratégia do regime, teve à sua frente grandes e ousados gestores do MPLA, escolhidos a dedo em função da sua fidelização canina a quem manda, o rei. A empresa formou muitos quadros que dão suporte à vida activa nacional, com os desastrosos resultados económicos, financeiros e sociais que se conhecem.
Mas toda a empresa tem o seu ciclo de vida, mais uma vez ditado pelos superiores interesses do regime. Era evidente, para toda a gente, que o gigantismo exacerbado que a estrutura da Sonangol foi adquirindo ao longo dos tempos, com tentáculos em tudo quanto era sítio, tinha de ser posto à prova em qualquer momento, face aos altos e baixos que a economia apresenta, e para os quais temos deveríamos estar prevenidos, sejam as empresas, as famílias ou o Estado.
A altura para a reestruturação – que muitos defendiam há décadas – chegou agora, com a crise acentuada que atravessa o mercado petrolífero internacional. Não foi um acto voluntário mas imposto. Muitas empresas iguais à Sonangol, que não fizeram a necessária adaptação, acabaram por ter prejuízos elevadíssimos. Algumas faliram mesmo. É de desconfiar, aliás, de qualquer empresa que desde 2008, no início da Grande Crise nascida em Wall Street, não se tenha lançado num processo de inovação dos seus negócios. Se assim continuar, é melhor arrepiar caminho ou essa empresa acabará por se espetar contra a parede. É o caso. Do ponto de vista estritamente empresarial, a parede já abalroou a Sonangol e o regime.
Uma vez concluído o agora considerado urgente estudo, encomendado e orientado pelo Executivo, para o aumento da eficiência do sector petrolífero (que há muito deveria ter sido feito), foi aprovado um novo tipo de organização da gestão da Sonangol e nomeado um novo Conselho de Administração, mais uma vez colhido à medida e por medida. A escolha para presidir a esse órgão recaiu em Isabel dos Santos, a mais bem-sucedida e ecléctica empresária angolana de todos os tempos, mas com numa experiência no sector petrolífero.
E foi aqui que a oposição e os críticos voltaram à carga com os ataques que o regime, convenientemente, chama de pessoais e que se enquadram – de facto e de jure – na corrupção e na improbidade.
Se é inegável que a empresa petrolífera precisava de uma remodelação enérgica e corajosa, e disto ninguém – só agora – duvida, ao colocar Isabel dos Santos à frente do Conselho de Administração da Sonangol o Presidente da República mostrou que aposta fortemente em alguém da sua estrita e unipessoal confiança. E como homem determinado no que à defesa do seu clã respeita, colocou todo o seu empenho, poder e obstinação pessoais, nessa tarefa que é fundamental para que se preserve a defesa dos valores e da perenidade não do Estado angolano mas do seu poder.
Este gesto unilateral e nepotista do Presidente representa precisamente aquilo que dizem e dão a entender a oposição e os crítico da nossa monárquica república. O Presidente pauta-se rigorosamente pelos princípios do nepotismo (mandando às malvas a tão propalada probidade), e vai mais longe, ao convidar a sua princesa herdeira, Isabel dos Santos, para ajudar a recuperar os activos em risco de uma empresa angolana que foi importantíssima no branqueamento do regime, levando assim quase todo o país a, mais uma vez, ser enganado.
No caso presente, convém notar, é o regime (e não Estado enquanto somatório de todos os cidadãos) que beneficia dos serviços de uma personalidade que aceita abandonar a normalidade dos seus negócios para socorrer o seu pai e, com ele, o património do clã.
E tudo isto se enquadra no conceito de corrupção, evocado pela oposição (embora de forma tímida), na tentativa de acordar os angolanos do longo sono obscurantista a que são devotados pelo regime. Só alguém movido pelos valores do lucro e do poder aceitaria uma empreitada de dimensão tão grande como esta.
O ataque à escolha, que o regime teima em mistificar dizendo ser pessoal, constitui a essência daquilo que Angola não é: uma democracia e um Estado de Direito. Mas este não é, definitivamente, o tipo de entendimento que têm os ortodoxos do regime.
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Samuel