Quando uma pessoa ou país chegam a meio da sua quarta (quarta não, quinta pois a primeira foi dos zero aos nove anos) década de vida, tem necessariamente que reflectir. Tenho eu, que tenho 45 anos, e tem Angola mais nova um ano. Mas como Angola “per si” (preferiria o itálico às aspas mas o livro de estilo do F8 assim determina) não se pode pronunciar eu – que não passo de um mero forasteiro pedante que jamais pôs os pés na África negra – taramelo pelos dois.
Por Brandão de Pinho
Taramelar, já agora, era o verbo que a minha idosa avó usava quando alguém falava demais, quando estava quase a ser um fala-barato. Nem me vou dar ao trabalho de ir aos vários dicionários verificar. Não me surpreenderia que os angolanos mais velhos soubessem o seu significado. Ou no Brasil profundo fosse usada amiúde.
Para já há uma coisa que eu tento disfarçar mas que é-me claramente evidente: sou um ignorante sobre as coisas do mundo, ignorante sobre as coisas de Angola e para além de ignorante sobre as de Portugal, sou avesso e tenho-lhes aversão, ou pelo menos estou numa fase assim (dá muito jeito a uma língua ter os verbos “ser” e “estar”) e será que um ignorante tem o direito de falar e opinar?
Ou como disse – creio que Saramago (que também tal como eu tinha a mania de escrever de forma densa para disfarçar uma pretensa mas ausente vocação literária que ambos, de todo, não temos, claramente) – o seguinte, mais ou menos: ”… quem nada tem para dizer não tem o direito de falar…”. Portanto, terei eu o direito de escrever para um jornal tão prestigiado como o Folha 8 é, sem dúvidas?
Na minha terra natal – pelo menos na minha família pois não mais ouvi noutras circunstâncias – dizia-se um ditado difícil de decorar mas tremenda e terrificamente verdadeiro e que resumia de forma simples (ou simplória) mas genial toda a condição humana, ei-lo: “Quem aos vinte não é bonito, aos vinte e cinco não é valente e aos trinta não é rico, nunca mais será bonito, valente ou rico.” Claro que há aqui, nesta adágio, um pequeno erro semântico pois dever-se-ia usar a conjunção “e” e não a “ou” porque a ideia do dito popular assenta na teoria que adicionalmente não se vai conseguindo ser nenhuma das coisas expressas pelos adjectivos. Adiante.
Em 1995 Angola era bonita?
No virar do milénio era a nação valente (e imortal já agora)?
Em 2005 era o quadrado angolano rico?
No virar do milénio era a nação valente (e imortal já agora)?
Em 2005 era o quadrado angolano rico?
Estamos quase a iniciar a década vinte destes novos milénio e século e tanto quanto se sabe, Angola é um país, militarmente -no contexto regional – relativamente forte; é um país belíssimo mesmo que os governos locais, regionais e central tentem a todo custo, pelo menos na vertente urbanista pô-lo feio; mas acima de tudo é um país rico… mas cheio de pobres por paradoxal que pareça.
Neste ponto amigo leitor, se eu fosse um intelectual de méritos firmados ou um conhecedor do país e do contexto geo-politico-estratégico e soubesse de história e economia, só com este ditado popular tinha matéria para uma tese, todavia não sou digno de tecer uma consideração que seja pois não estou habilitado. Aliás nem de mim próprio sequer estarei totalmente habilitado para considerar o que seja. Aliás (novamente) eu e Angola estamos numa plena crise de meia-idade, atrevo-me a alvitrar e fazer o paralelismo colocando-se-nos, a ambos, uma questão que tem tanto de inútil (se é que não é contraproducentemente nefasta) como lógica:
“Tantas oportunidades desperdiçadas, tantas coisas que poderíamos ter sido e afinal não somos nada a não ser a consubstanciação de sucessivos erros, más decisões, ingenuidades pueris, descuidos, devaneios aventureiros, e tudo o mais que de mau há. Poderíamos ter feito as coisas diferentemente?”!
Os meus textos costumam ser enfadonhos e aborrecidos mas sobretudo longos e talvez complexos (neste caso a complexidade é inversamente proporcional ao mérito). Igualmente costumam ser um pouco parciais na medida em que João Lourenço e o MPLA são alvos de crítica omniscientes e omnipresentes e de alguma forma denunciam um esforço claro de desculpabilização dos angolanos face à sua precária situação (mas da qual também são responsáveis) culpabilizando o ex-colono, que por acaso é a minha pátria, e confesso-vos amigo leitor, garanto-vos, que não é fácil pôr-me nesta posição – pois por defeito meu que não consegui superar, ainda, sou um patriota à maneira antiga – em que tenho de analisar as coisas por perspectivas distintas e se não terei outros vícios ou muletas mentais e emocionais como a religião, o bairrismo, a militância num clube de futebol ou partido ou alguma ideologia ou quaisquer outros tipos de fanatismos, confesso que sou orgulhosamente português o que não me impede de gostar (sobremaneira) de Angola.
Um verdadeiro humanista e iluminista deveria amar o mundo de igual forma. Sem preferências. Mas quem for perfeito que atire a primeira pedra…
Para terminar e fazendo jus ao título da crónica, não vejo como eu próprio e Angola possamos ser melhores fazendo as coisas planeada, metódica e graduadamente. Há algo de radical que tem de ser feito (e creio que em certa medida é o que o Presidente Lourenço tem vindo a fazer) e uma metamorfose impõe-se, mas ao contrário do personagem de Kafka que se vai transformando num insecto asqueroso, arbitrariamente, a nossa metamorfose tem que ser orientada por nós próprios e citando um poeta vitoriano que escreveu o magnifico poema “Invictus” -que dava alento a Nelson Mandela aquando do cativeiro- teremos “de ser os mestres do nosso destino e os capitães da nossa alma”. (I am the master of my fate: / I am the captain of my soul.)
Nós temos de nos transformar naquilo que concluirmos que é o melhor para nós e naquilo que é o mais correcto (em toda a abrangência que este adjectivo em si encerra e acarreta). Vai ser preciso coragem. Vai haver resistências. A vontade de desistir estará – como que um abutre sempre a sondar-nos até que lhe cedamos – a pairar em nós e sobre nós, vai ser humilhante reconhecer os erros. Mas creio que temos que ser optimistas e acreditar no futuro pois afinal o que é o homem senão um pobre tonto que vive num mundo cheio de dificuldades com tudo para dar errado mas que quotidianamente arranja forças e energia para melhorar as coisas a cada dia, todos os anos, a cada geração e em cada oportunidade que lhe surja e que tenha coragem suficiente para atacá-la de frente?
FONTE: FOLHA8
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Samuel