Primeiro foi a vitimização. Após o arresto, Isabel dos Santos e o seu marido Sindika Dokolo desdobraram-se em declarações denunciando aquilo que eles consideravam ter sido um processo secreto, sem acusação, ilegal, absurdo. Contudo, rapidamente se percebeu que a Procuradoria-Geral da República de Angola não tinha inventado nenhum instrumento de tortura jurídica, limitando-se a requerer um providência legal cível normal, prevista no Código do Processo Civil angolano, como aliás em todos os ordenamentos jurídicos modernos, seja o português de matriz romano-germânica (artigo 391.º e seguintes do Código do Processo Civil português), seja o inglês de matriz casuística (freezing order without notice ex parte).
Contrariado este argumento inicial, Isabel dos Santos começou a ensaiar uma nova estratégia: a ameaça.
Nas suas declarações em jornais variados é espalhada a ideia de que as suas empresas em Angola vão fechar, os trabalhadores vão ficar sem salários, de que se vai instalar o caos. Por exemplo, o Jornal de Notícias (Portugal), habitualmente simpático com as suas posições de Isabel, noticiou hoje na primeira página: “Isabel dos Santos admite fechar empresas devido a arresto”. No Twitter e no Instagram, Isabel anunciava que “com as contas congeladas” não iria “poder investir, nem abrir empresas”, referindo-se a trabalhadores que lhe telefonam a chorar e preocupados.
Para um espectador imparcial, o posicionamento de Isabel dos Santos é patente. Quer espalhar o pânico, insinuar que os angolanos vão deixar de ter acesso às compras no Candando ou à rede ZAP e que os trabalhadores vão sofrer.
Do ponto de vista legal, tudo isto é, mais uma vez, disparatado.
O arresto requerido pela PGR não se dirigiu às empresas, não tocou em qualquer aspecto do seu funcionamento, as administrações continuam a funcionar plenamente, as contas bancárias líquidas, as operações em curso. O arresto implica apenas que Isabel não possa movimentar as suas quotas ou acções. Não tem qualquer relação com a gestão das empresas.
Isabel dos Santos está a confundir o seu património pessoal e as suas contas com o património empresarial. São, obviamente, realidades diferentes. O que foi arrestado foram as participações de Isabel em empresas e as suas contas bancárias pessoais. O arresto de participação social não tem qualquer influência na vida de uma empresa. É semelhante, em termos de impacto empresarial, a uma situação que provavelmente já aconteceu – em que Isabel tenha pedido um empréstimo a um banco e dê as suas participações como penhor. As participações sociais não são da empresa, são de Isabel. Há que não misturar.
O mesmo acontece com as contas bancárias. Isabel, aparentemente, afirmou que com as contas bancárias congeladas não vai poder pagar salários. Mas os salários são pagos das contas pessoais de Isabel? Que confusão é esta? É evidente que qualquer empresa tem contas bancárias próprias onde deposita as suas receitas e de onde faz os seus pagamentos. Numa situação normal empresarial, não há qualquer intervenção das contas privadas.
Além do mais, a decisão judicial nomeia os administradores das várias companhias como “fiéis depositários” dos arrestos, incumbindo-os de uma tarefa legal de diligência obrigatória para manter tudo a funcionar. Entramos na esfera do direito criminal. Se porventura houver alguma tentativa para perturbar o normal funcionamento das empresas e misturar assuntos societários e privados, os perpetradores incorrerão na prática de crimes. Portanto, o papel dos administradores é fundamental para o cumprimento das disposições judiciais, sem o que poderão ficar na alçada da justiça criminal.
Em resumo, os administradores são obrigados a manter as empresas a funcionar com toda a eficiência. Caso não o façam, cometem um crime e podem mesmo ser detidos. A lei não deixa margem para comportamentos gestionários incorrectos.
Todavia, pode sempre ser argumentado que uma coisa é o que prescreve a lei, outra é a realidade, e Isabel dos Santos terá meios para obstaculizar o funcionamento das empresas em que as suas participações foram arrestadas. Nesse caso, como refere o ditado popular, “para grandes males, grandes remédios”.
O direito internacional dá uma resposta cabal a este tipo de situações. Em França, após 1945, o presidente De Gaulle viu-se confrontado com o facto de o fabricante de automóveis da Renault ter sido durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) um activo colaborador do invasor germânico. Face a essa postura que considerou contrária aos interesses nacionais franceses, De Gaulle nacionalizou a Renault. Noutra situação de crise, na Grã-Bretanha em 2008, o governo nacionalizou o banco Northern Rock quando este entrou numa situação de falta de liquidez que ameaçava a estabilidade do sistema financeiro.
Quer isto dizer que em tempos de crise, e estando em causa os superiores interesses públicos, os governos têm toda a legitimidade para nacionalizar as empresas de modo a garantir que o seu funcionamento seja assegurado ou não prejudique o país. Este argumento de fundo serve para contemplar uma nacionalização dos bens de Isabel dos Santos e de seu marido, se for verificado que estão a ser utilizados para perturbar o cumprimento da lei e o normal funcionamento da economia. É por estas razões que as ameaças de Isabel dos Santos são ocas. Nenhuma das empresas foi alvo do arresto, mas sim o seu património pessoal. Consequentemente, não há qualquer motivo legal para que não continuem a funcionar normalmente. E se houver tentativas de desestabilização, o direito criminal e a nacionalização são os instrumentos que as autoridades dispõem para regularizar a situação.
fonte: makaangola
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Samuel