A decisão de premiar uma ambientalista com o Prémio Nobel da Paz, em 2004, foi uma surpresa. Mas acabou por dar destaque ao papel do Movimento Cinturão Verde de Wangari Maathai na construção de uma sociedade sustentável.
Nascimento: Wangari Muta Maathai nasceu em 1940 na aldeia de Tetu, nas montanhas do centro do Quénia, a cerca de 160 quilómetros da capital do Quénia, Nairobi. Na década de 1960, esteve entre os os 800 jovens africanos que foram estudar para os Estados Unidos da América (EUA) através do programa de bolsas de estudo da Kennedy Airlift – um programa organizado por Tom Mboya, pan-africanista e um dos fundadores da República do Quénia, e pelo senador John F. Kennedy, e que permitiu que vários jovens africanos promissores estudassem em faculdades americanas.
Percurso académico: Wangari Maathai estudou Ciências Biológicas nos EUA, onde se inspirou no Movimento dos Direitos Civis. Posteriormente, voltou a estudar no Quénia e depois na Alemanha. Maathai foi a primeira mulher da África Oriental e Central a obter um doutoramento e foi a primeira mulher a trabalhar como professora assistente na África Oriental e Central. Em 1976, Wangari Maathai tornou-se presidente do Departamento de Anatomia Veterinária da Universidade de Nairobi, onde assumiu o cargo de professora assistente no ano seguinte.
Como nasceu o Movimento Cinturão Verde?
Maathai começou por explicar às comunidades a importância de plantar árvores para combater o desmatamento. É neste âmbito que nasce o Movimento Cinturão Verde (MCV) ou Green Belt Movement. Um movimento que foi fundado em 1977, sob os auspícios do Conselho Nacional de Mulheres do Quénia e que surge para dar resposta à falta de energia e água que tanto prejudicava as camponesas no país. Desde que nasceu, o MCV já plantou mais de 51 milhões de árvores no Quénia. Trabalhando no país e também além fronteiras, o movimento visa promover a conservação ambiental, construir a resiliência climática; fortalecer as comunidades, especialmente as mulheres, além de fomentar o espaço democrático e a subsistência sustentável.
Como é que Wangari Maathai defendeu os direitos humanos?
Maathai ficou conhecida pela sua luta contra a expropriação de terras e pela proteção do meio ambiente no Quénia. Em 1989, quando o Quénia estava ainda sob o sistema de partido único, liderada pelo então Presidente Daniel arap Moi, Maathai liderou uma campanha contra a construção de um complexo empresarial de 60 andares do Kenya Times Media Trust no Parque Uhuru - um parque público de 13 hectares situado ao lado do centro de negócios de Nairobi.
Uma década mais tarde, em 1932, Maathai liderou um grupo de cidadãos inconformados com a luta de interesses que surgiu à volta da floresta Karura, localizada na capital. Originalmente com 1.041 hectares, a reserva foi reduzida para 564 hectares devido às incursões de promotores corruptos, indica um relatório queniano de 2005 sobre a alocação ilegal de terras.
Wangari Maathai também esteve profundamente envolvida na luta pela democracia multipartidária no seu país. Em 1992, ano das primeiras eleições multipartidárias no Quénia, Maathai assumiu a liderança de um grupo de mães que tinham feito greve de fome no Parque Uhuru, em Nairóbi. As mulheres, juntamente com outro grupo de ativistas politicos, conhecido como Libertação de Prisioneiros Políticos (RPP), exigiam a libertação dos seus filhos, que se encontravam presos sem terem sido julgados, por acusações politicamente instigadas. As mulheres despiram-se depois de as autoridades terem dispersado o protesto. O protesto das mulheres manteve-se durante quase 11 meses, após os quais o Governo recuou e libertou os prisioneiros politicos. A área do Parque Uhuru, onde ocorreu este protesto, foi mais tarde chamada "Canto da Liberdade", em homenagem ao sucedido.
Após a introdução do sistema democrático multipartidário, o Movimento Cinturão Verde, liderado por Maathai, torna-se fundamental para educar as comunidades sobre temas como a boa governança, promoção da paz e perservação do meio ambiente.
Reconhecida por: Maathai recebeu vários prémios pelas suas iniciativas inovadoras, entre eles, o Prémio Right Livelihood, o Prémio Ambiental Goldman e o Prémio Indira Ghandi. Foi ainda reconhecida pela Legião de Honra Francesa. Em 2005, onze chefes de Estado da região do Congo nomearam-na embaixadora da Boa Vontade para o Ecossistema Florestal da Bacia do Congo.
Em 2004, o Comité Nobel da Noruega distingue-a com o Prémio Nobel da Paz pela sua contribuição para o desenvolvimento sustentável, a democracia e a paz no Quénia e em África.
Frases famosas:
"A geração que destrói o meio ambiente não é a que sofre as consequências. É esse o problema."
"Os direitos humanos não são coisas colocadas em cima da mesa para as pessoas desfrutarem. São coisas pelas quais se luta e depois se protege."
"Hoje enfrentamos um desafio que exige uma mudança no nosso pensamento, para que a humanidade pare de ameaçar o seu suporte de vida. Somos chamados a ajudar a Terra, a curar as suas feridas e, no processo, curar as nossas - a abraçar, de verdade toda a criação em toda a sua diversidade, beleza e maravilha. Reconhecer que o desenvolvimento sustentável, a democracia e a paz só resultam juntos."
"Estou muito consciente do facto de que não se pode fazer isto sozinho. É um trabalho de equipa. Ao fazer sozinho, corre o risco de que mais ninguém o faça."
Reconhecida por: Wangari Maathai morreu vítima de cancro nos ovários a 25 de setembro de 2011, aos 71 anos de idade. Em 2012, a União Africana designou o dia 3 de março, Dia do Meio Ambiente em África, como o Dia de Wangari Maathai. Em 2016, o Governo do Condado de Nairobi renomeou a Estrada da Floresta, que se passou a chamar Estrada Prof. Wangari Maathai. O Instituto para a Paz e Educação Ambiental Wangari Maathai, na Universidade de Nairobi, foi criado para honrar, reconhecer, celebrar e imortalizar os ideais e obras da professora Wangari Maathai.
A também ativista de direitos humanos sensibilizou as comunidades do Quénia para a importância de plantar árvores
Foi
a mãe de Wangari Maathai que lhe incutiu esta preocupação com o
ambiente. Quando era criança, Wangari costumava procurar ovos de rã.
Colocava-os depois num riacho ao pé de sua casa que se encontrava
debaixo de uma figueira gigante que ali existia há vários anos. A mãe de
Wangari nunca deixou cortar nenhuma madeira desta árvore, pois
acreditava que era uma árvore onde Deus habitava.No final dos anos 60, quando voltou à sua terra natal, e depois de concluídos os estudos nos Estados Unidos, Wangari Maathai descobriu que a figueira tinha sido cortada. O riacho tinha secado e os ovos de rã tinham desaparecido. Pouco tempo depois, as camponesas começaram a queixar-se de falta de água e lenha para cozinhar. As florestas tinham sido cortadas para o cultivo de café e chá.
Wangari Maathai não gostou do que viu e propôs a estas mulheres uma solução que passava pela plantação de árvores. Um projeto que evoluiu, mais tarde, para o Movimento Cinturão Verde. Um movimento que foi muito para além da plantação de árvores, conta a ambientalista Lilian Muchungi à DW. "Ela defendeu três pilares: a boa governança, a proteção do meio ambiente e a paz. Era como se juntos formassem um banco, em que o assento era o desenvolvimento. Não haveria desenvolvimento se um destes três pés do banco não estivesse alinhado com os outros. E a união das mulheres foi feita em torno desse banco".
Wangari faleceu em 2011. Passados nove anos, desaparecem, em média, todos os anos, cerca de cinco hectares de florestas no Quénia. A seca tornou-se uma realidade e há conflitos crescentes por causa dos recursos. No entanto, Marion Kamau, a atual presidente do Movimento Cinturão Verde, garante que, mais do que nunca, o Governo queniano percebeu a necessidade de implementar os ideiais da professora Maathai. "Podemos ainda não ter chegado lá, mas a voz dela é mais ouvida agora do que era antes. Maathai foi criticada e mal interpretada quando disse 'vamos plantar árvores'. Hoje, o Governo queniano apoia o que Wangari Maathai disse. Hoje, estamos a plantar árvores indígenas e não precisamos de implorar para poder plantar árvores na floresta. O Governo apoia-nos e plantamos as árvores juntos", explica.
Sobre a sobrevivência no planeta Terra, Maathai foi clara: "As pessoas questionam muitas vezes se será possível proteger o ambiente e ao mesmo tempo desenvolvermo-nos? A verdade é que não temos escolha: precisamos de um equilíbrio porque precisamos do ambiente para podermos sobreviver."
O parecer científico sobre este artigo foi dado pelos historiadores Lily Mafela, Ph.D., professor Doulaye Konaté e professor Christopher Ogbogbo. O projeto "Raízes Africanas" é financiado pela Fundação Gerda Henkel.
fonte: DW África
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Samuel