Se o actual SecretárioGeral das Nações Unidas, Ban ki-moon, sabe quem foi para os angolanos a britânica Margareth Anstee e, mais do que isso, leu, acaso, alguns dos seus relatórios incisivos sobre o controverso processo de paz dos anos noventa do passado século, não se surpreenderá com o volte face que lhe haverão de comunicar as suas “antenas” em Luanda à chegada ao seu gabinete, na frenética New Iorque amada pelos turistas e, ao mesmo tempo, celebrizada pela realpolitik internacional.
É concreto o risco de um desabafo estrondoso bastante familiar aos homens e mulheres que têm a fortuna ou a desdita de lidar com os pesados dossiers de uma Humanidade em choque e meio à deriva. Atirado sobre a poltrona, em gesto que fala sempre por si, duvidará que o informe sobre a mesa, referente às últimas horas da política doméstica de um país que acaba de visitar – Angola –, possa parecer-lhe verdadeiro, ele que vivenciou uma realidade diferente.
De facto, a Angola que Ban kimoon elogiou (vide editorial), que lhe pareceu povoada de políticos com sentido de Estado e que, por isso, pode assegurar exercícios tranquilos na marcha da democracia, mormente organizar eleições credíveis e justas, poderá a esta hora parecer-lhe confusa, difícil de perceber, trocada por “outra”. Ficar a saber que, mal tomou o avião de volta, o caminho da preparação das eleições se encheu abruptamente de escolhos, não é, em circunstância alguma, uma notícia que agrade, que conforte, que infunda qualquer tipo de felicidade, até porque deixou ditas palavras públicas que se orientam em direcção contrária.
A tal (aparente) maturidade política que arrancou do SG da ONU encómios e lhe levou a prognosticar eleições em nítido clima de normalidade, acabou por ser desmentida com factos na quarta-feira quando a UNITA desistiu em plena Assembleia Nacional da sua cooperação nas lides preparatórias do esteio de sustentação legal do próximo acto eleitoral. Inesperadamente, fez uma declaração política a dizer-se, mais palavras menos palavra, sem “rede legitimada” para poder avançar para a votação do que ainda restava do pacote legislativo eleitoral e que, sendo assim, o melhor para ela era sair da sala. Por contágio, duas outras bancadas da Oposição – FNLA e PRS, designadamente enfileiraram-se, deixando do mesmo modo vazios os seus lugares. Nem precisaram fazer declarações, como por hábito sucede nestes episódios de ruptura, e preferiram permitir que a opinião pública (o eleitorado, ao fim e ao cabo) pensasse que a dupla anda a reboque de Muangai e outros ideais amparados pelo “galo negro”. O que, convenhamos, comporta um prejuízo político de tal magnitude que custa a crer que venha de forças que fazem da lide política sua tarefa primordial.
UNITA, PRS e FNLA ficaram assim sem poder fazer parte da história. A votação do que faltava para completar o pacote legislativo que balizará as eleições gerais de 2012 foi feita apenas pelo MPLA e pela Nova Democracia.
As leis aprovadas são as do Financiamento dos Partidos Políticos; de Registo Eleitoral; de Observação Eleitoral e o Código de Conduta Eleitoral.
ELEIÇÕES: SÃO PARA FAZER OU NÃO?
Vista do lado de fora do hemiciclo parlamentar a atitude da UNITA e dos dois outros partidos que com ela alinharam, a pergunta que não se cala será sempre esta: se não votam agora o pacote legislativo, o que em princípio quer dizer que não se revêm no processo, como será quando as eleições tiverem de ser feitas, em Agosto ou Setembro? Nessa altura os agora desistentes “rematriculam-se” para o “exame” ou assumem uma atitude congruente e ficam definitivamente afastados? “Se eles pensam que sem eles as eleições não vão acontecer, estão bem enganados. Esquecem-se que, com eles fora, existem dezenas de outros partidos com vontade de ir a votos?”, comentava a O PAÍS na quarta-feira à tarde um membro da alta hierarquia do MPLA, convidado para esmiuçar o acontecimento do mesmo dia na Assembleia Nacional.
Os cidadãos que se preparam para votar, os mesmos sobre quem incidem os apelos reiterados para que actualizem os seus dados eleitorais e estejam aptos, assim, para o exercício daquele dever cívico, têm as suas próprias leituras deste tipo de episódios da vida política doméstica e o elemento transversal nelas é o de que partidos que não são capazes de flexibilizar ou separar o acessório do fundamental dificilmente podem merecer a sua simpatia. Esse é o sentido, na verdade, dado ao abandono da Oposição (a Nova Democracia permaneceu na sala), no rescaldo de uma mão cheia de opiniões obtidas de futuros eleitores e escolhidos de maneira mais ou menos aleatória.
Independentemente de fidelidades partidárias, a opinião geral é que não se tolera este ziguezaguear constante de deputados que têm a obrigação de acelerar o processo de conformação legislativa antes da convocação formal das eleições. “São os mesmos que amanhã se vão queixar de falta de tempo para se prepararem para as suas campanhas, o seu trabalho de seduzir o eleitorado”, diz uma dessas opiniões, pertencente, no caso, a um profissional da comunicação social apaixonado por questões políticas.
Do que não se livram os partidos que optaram pela política da cadeira vazia, sendo certo, para agravar, que se trata de um expediente ao qual recorrem amiúde, é de um sentimento de desconforto mais ou menos generalizado que, se não desmobiliza eventualmente as suas falanges de apoio, enfurece sobremaneira os militantes de outras forças políticas e os isentos, a considerável legião de cidadãos que não se comprometem formalmente com partido algum mas que têm plena consciência de que deverão votar porque a democracia é para todos. “Eles estão mesmo a pôr-se a jeito para uma estrondosa derrota nas eleições, pior ainda que a de 2008”, diz, confiante, o mesmo alto dirigente do MPLA auscultado por O PAÍS na quarta-feira, que fez ainda interessantes leituras à atitude da UNITA.
“AGENDA SECRETA, SÓ PODE…”
Sem vacilar, o político do MPLA que conversou demoradamente com O PAÍS sobre o momento da Assembleia Nacional, manifestou certezas de que a UNITA estará a agir estimulada por uma espécie de plano B, uma obscura agenda que procura embaraçar ao máximo o processo eleitoral para mais facilmente apegar-se à teoria da fraude.
“Mas isso não lhes vai valer de nada, porque para nós, as eleições são para fazer e são para fazer mesmo.
Não querem participar, não participam, e aí é que será o fim deles”, exprimiu, com absoluta convicção, antes de se interrogar se a UNITA não estará a criar ela própria condições para que um núcleo radical emane do seu seio e se mobilize em torno de uma nova figura. “Este cenário é muito provável, e aí vamos ver depois como ficam os votos. O nosso eleitorado sabemos que não entrega os seus votos a eles, mas a cisão de que falo vai fazer com que os votos da UNITA se fragmentem. O resultado só pode vir a ser, num caso desses, pior que o de 2008. E depois vão falar em fraude!”, rematou.
Coincidência ou talvez não (em política as coincidências são sempre suspeitas), já horas antes um dos mais interventivos deputados da bancada parlamentar do MPLA, o jornalista e escritor João Melo, verberara nos termos mais enérgicos a atitude da UNITA, com uma acusação própria de momentos de rude crispação: “Só há uma conclusão a tirar disso. É de que a Unita não está interessada nas eleições".
Outro deputado João – no caso, Pinto – não o fez por menos e açoitou os adversários da bancada deixada vazia do jeito como é habitual nele.
Disse não ter a menor dúvida de que o partido de Isaías Samakuva entrou para a via do “boicote da democracia” e que isso deveria levar a uma tomada de “medidas políticas”, que, entretanto, ninguém ficou a saber quais seriam eventualmente.
Para o fervoroso deputado do MPLA, nada do que a UNITA fez quarta-feira constitui surpresa, pois o seu percurso sempre foi esse: “A UNITA sempre utilizou este tipo de actos para gerar um clima de crispação, medo, desconfiança e suspeição, mas os angolanos aprenderam com a História”, referiu.
Antes dos dois legisladores, reagira com igual carga enérgica – talvez até mais forte aindao presidente da bancada parlamentar do MPLA, Virgílio de Fontes Pereira, para quem a vitória do seu partido no pleito eleitoral deste ano é certa “e com uma maioria confortável”.
“Não nos venham dizer mais tarde que ganhámos por causa da fraude.
Vamos ganhar porque em política não se dá espaço ao adversário, e se somos adversário da Oposição, vamos ocupar o nosso espaço para ganharmos as eleições com ou sem estes comportamentos da Unita e dos que lhe seguem”, disse, sem contemplações.
Definitivamente Suzana
Fechou-se o capítulo azedo que se vinha arrastando em torno da eleição pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ) da jurista Suzana Inglês para presidente do Conselho Nacional Eleitoral, na verdade, uma recondução.
O assunto está formalmente arrumado depois que aquele órgão colegial de justiça apreciou uma reclamação de partidos políticos da Oposição – UNITA, PRS e FNLA, trio que alegou sistematicamente irregularidades na decisão – e manteve a escolha feita.
Foi esta resposta do CSMJ que deixou às voltas os três reclamantes e fez deles useiros da política do abandono, despoletando toda a polémica que enevoou aquela que poderia ser uma notável página de democracia participativa pois chegava-se ao fim, precisamente, de um longo período de estabelecimento de bases para o acto eleitoral vindouro. A propósito, muitos observadores não deixaram de notar o facto curioso de Ngola Kabangu ter decidido arrastar a bancada da FNLA para fora da sala baseado na necessidade do “estrito cumprimento” de uma decisão judicial (“se não foi diferida a nossa petição, então não há legitimidade para continuarmos aqui a discutir”, terá dito), ele que tem pautado a sua conduta dos últimos tempos pelo não acatamento das decisões tomadas em fóruns legais. Um acórdão do Tribunal Constitucional apeou-o da liderança da FNLA a favor de Lucas Ngonda mas nunca aceitou ver-se na pele de “não presidente”...
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Samuel