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quinta-feira, 22 de março de 2012

Angola: Solange Machado ‘O valor das custas judiciais é uma barreira para o acesso à justiça’.

NO BALUR I STA NA NO KUNCIMENTI, PA KILA, NO BALURIZA KUNCIMENTI!...


O equilíbrio de género é uma reivindicação permanente em todo mundo. No caso de Angola, sente-se satisfeita com as conquistas neste capítulo?
Se recuarmos aos anos oitenta vamos ver que tínhamos poucas mulheres nos cargos de tomada de decisão, apesar de, durante os longos anos de luta pela independência muitas mulheres participaram sendo guerrilheiras, alfabetizadoras, enfermeiras, médicas, enfim, em muitos sectores. Contudo, após a independência eram muito poucas as mulheres nos cargos de tomada de decisão. Na então Assembleia do Povo haviam mulheres, mas não era nada daquilo que almejamos.
Na altura, como juíza só tínhamos a doutora Maria do Carmo Medina, que é um ícone da nossa sociedade, e não tínhamos mais. Com o passar dos anos o cenário mudou, hoje já temos muitas magistradas, temos muitas juízas não só nos tribunais municipais mas também nos provinciais e temos também algumas nos tribunais superiores.
Na Assembleia Nacional temos uma percentagem grande de mulheres, temos hoje mulheres como directoras nacionais, secretárias de Estado e ministras. Hoje encontramos mulheres nos vários sectores da sociedade, entretanto, temos que fazer uma autocritica, muitas de nós, quando estamos em cargos de chefia temos um comportamento difícil, as vezes, até é melhor trabalhar com um homem do que ter como chefe uma mulher (não estou a dizer que é o meu caso, que não haja confusão em relação a isso), são casos que temos constatado, porque a mulher quando tem o poder, muitas das vezes, extrapola. Mesmo na família, na relação homem e mulher, extrapolamos completamente as nossas competências e esquecemos que trata-se de uma relação de equilíbrio e de igualdade.

Preside a Associação Angolana de Mulheres das Carreiras Jurídicas. Tendo em conta o contexto actual, que contributo esta organização da sociedade civil pode dar ao sector da justiça nacional?
A nossa associação foi criada em 1995, depois de Benjim e foi criada porque identificamos a necessidade de informar e educar juridicamente as mulheres, porque, em muitos casos, por falta de consciência dos nossos direitos, não temos como saber quando estes direitos são violados e nem reivindicar quando tal acontece. Constatamos casos em que as mulheres são violentadas de várias formas, enfrentam problemas na família e acomodam-se com a situação porque não sabem o que fazer. A associação foi criada para informar e educar juridicamente os cidadãos, por um lado, e, por outro, prestar assistência judiciária as mulheres, por exemplo, apoiamos para que processos sejam encaminhados ao tribunal e acompanhamos toda a tramitação até a fase de julgamento.
Temos feito este trabalho com muita dificuldade, porque não temos ajuda e nem patrocínio, vivemos das quotas que as nossas associadas pagam.
Fruto da nossa boa vontade conseguimos ajudar as mulheres que acorrem até nós, em muitos casos elas são abandonadas pelos maridos, em casas de rendas e choram com medo de ficarem na rua com os filhos, então, tentamos ajuda-las, muitas das vezes até dando uma contribuição para que possam fazer face aos problemas que vivem.

Não seria possível que estas cidadãs fossem apoiadas através do patrocínio judiciário, concedido através da Ordem dos Advogados?
Sentimos necessidade de intervir porque, para ir para a Ordem é necessário fazer um requerimento e aguardar para que seja despachado, para que se lhe seja atribuído um advogado, entretanto, muitas vezes, o que acontece é que há advogados que recebem esses patrocínios e não tomam a peito a questão. Sendo mulheres, porque sentimos na pele esta situação, preferimos indicar uma das nossas colegas e intentar uma acção judicial, para, sem delongas, porque temos recebido casos que chegam até nós já quase em fim de prazo e se esperarmos um requerimento ou despacho corremos o risco de ficar sem a possibilidade de reivindicar um direito. Por outro lado, constatamos que as mulheres que estão nas cadeias precisam de apoio pois muitas não têm advogado e nem ajuda das famílias e, através de um projecto específico que temos com a cadeia feminina de Viana, procuramos apoiar não só do ponto de vista jurídico, mas também moral e materialmente.

Ao abordar a questão do acesso a justiça, os cidadãos reclamam constantemente das custas judiciais, que consideram ser elevadas. Sentem que este facto constitui uma barreira para as pessoas com menos recursos?
De facto, as custas judiciais são bastante elevadas. Muitas vezes, até para nós, que pretendemos ajudar, é difícil. O elevado valor das custas judiciais é uma barreira para o acesso a justiça. Recentemente, uma cliente reclamou do facto de já ter pago muitas guias e não ter o seu problema resolvido. O que digo é que não se pode ultrapassar nenhuma fase, temos de ter paciência porque a justiça pode tardar mas, em algum momento, será feita. Apesar de não termos financiamento ajudamos algumas cidadãs a pagar guias de processos e em muitos casos pedimos ao tribunal dispensa de pagamento de custas judiciais, fundamentando que o requerente não tem rendimentos suficientes para pagar e as dispensas têm sido concedidas.

A morosidade processual é outro dos entraves?
Confrontamo-nos com esta situação em processos de reconhecimento de união de facto por ruptura ou por morte, o exercício da autoridade paternal e prestação de alimentos, processos que deveriam estar no tribunal, no máximo por seis meses, mas muitas vezes levam muito mais tempo. Isso tem a ver também com a sensibilidade das pessoas que estão com os processos, constato que em alguns casos as pessoas deixam andar, têm muito trabalho, muitos processos e não são muito sensíveis. Há que sensibilizar também as pessoas que trabalham com estes processos, por exemplo, têm que ter consciência que a criança não pode ficar um ano ou dois a espera que o pai lhe preste assistência para alimentação, sob pena de morrer. São situações que todos nós na sociedade podemos melhorar.

Frisou várias vezes, ao longo desta conversa, os casos de negação de prestação de alimentos e abandono familiar. Fruto do trabalho que tem feito, qual é a noção que tem do impacto deste drama?
Tem um impacto muito grande.
Em dez casos que atendemos, oito são de pais ou mães que abandonaram os filhos, é importante realçar que também já temos casos de mães que abandonam os filhos com os pais e não querem saber como as crianças vivem, se comem ou não.
Na maior parte dos casos, o progenitor que abandona até tem possibilidades de dar uma vida condigna aos filhos.
Para estes casos, é possível fazer um desconto directo do salário do progenitor em falta, desde que o juiz notifique o empregador e peça informação sobre os rendimentos do progenitor que não preste alimentos e depois remeta a sentença para o serviço, dizendo quanto deverá descontar mensalmente para a prestação de alimentos. O desconto passará, então, a ser feito antes de lhe ser pago o salário. Quando o tribunal manda, desde que depois verifiquemos o cumprimento, as entidades empregadoras têm colaborado. Já tive vários casos do género em que a sentença foi cumprida.
O Código de Família diz que a prestação de alimentos pode ir de um quarto a metade do salário.
Na fixação do valor, o juiz tem de ter em conta o número de filhos e calcular a proporção, para que nenhum dos filhos saia prejudicado.
A Lei Contra a Violência Doméstica foca esta questão e estabelece uma pena para os pais que abandonam os filhos sem prestar-lhes assistência.
Este problema é agravado pela perda de valores cívicos, morais e culturais. As pessoas não estão preocupadas com ninguém, preocupam-se com o seu umbigo e esquecem-se que têm a sua volta crianças, que têm a obrigação de sustentar e acompanhar.

‘TODAS AS SEMANAS TOMAMOS CONHECIMENTO DE CASOS DE ASSASSINATO NO SEIO FAMILIAR’
“O valor vida, constitucionalmente consagrado, está a perder a importância, as pessoas queimam, matam, por nada!”

Ao longo da sua carreira como advogada, qual foi o caso que mais a marcou?
São tantos! Tive o caso de uma senhora que foi baleada pelo marido, levou oito tiros, o nono tiro atingiu o seu bebé. Felizmente, a senhora não morreu, foi tratada, apoiámos a vítima, o autor dos disparos estava foragido, mas acabou por ser preso.
Outro caso que me marcou foi o de uma senhora que foi agredida pelo marido, ficou com a cabeça aberta e levou muitos pontos. Acompanhei também o caso de uma senhora, seropositiva, que perdeu o marido e os familiares retiraram-lhe tudo.
Conseguimos apoiar em muitos dos casos.

Focou uma questão que tem sido muito debatida, que é a violência doméstica. Qual é a percepção que tem da amplitude deste problema?
Penso que ninguém ainda elaborou estatísticas abrangentes sobre este problema. As organizações que trabalham pela igualdade no género deveriam juntar-se neste sentido, ouvir as pessoas, para entendermos se a violência aumentou ou, se pelo contrário, o que acontece agora é que as pessoas quebraram o silêncio e começam a falar. É preciso também avaliar se o que aumentou não é a intensidade com que as pessoas são violentadas. Ultimamente constatamos que tem morrido muita gente, todas as semanas tomamos conhecimento de casos de assassinato no seio familiar, por diversos motivos, incluindo ciúmes. Quando perdemos os valores, nada tem importância. O valor vida, constitucionalmente consagrado, está a perder a importância, as pessoas queimam, matam, por nada! Temos o caso de um menino que foi violentado pelo cunhado, que bateu-lhe e espetoulhe uma faca nas costelas. O agressor deve ir para a cadeia, porque, se fica impune, pode repetir o acto.
É preciso que todas pessoas que enfrentam este problema apresentem queixa, para que sejam tomadas as medidas necessárias para que o criminoso seja punido.

As organizações que promovem iniciativas contra a violência doméstica focam a questão das agressões praticadas por homens, mas, nos últimos tempos, temos tido casos de mulheres que agridem os esposos e, inclusive, de assassinatos.
Falamos muito no masculino, mas o feminino é verdadeiro. Há alguns anos estive na cadeia de Benguela e cerca de setenta porcento dos casos de mulheres que lá estavam era porque tinham assassinado os seus companheiros. Aqui na cadeia de Viana temos o mesmo drama. Temos que fazer também um trabalho para chamar a atenção para este ponto.
Os problemas sociais que as pessoas enfrentam levam a que fiquem saturadas e, num momento de loucura, cometem actos bárbaros.
Recentemente, fui a uma esquadra e contei o caso de uma senhora, cujo marido tinha tido um acidente vascular cerebral, estava debilitado, ela batia no esposo e incitava os filhos colocarem música alta, para o marido morrer. Não podemos calarnos diante destes casos. O diálogo é fundamental para a resolução de todo tipo de conflito. Temos muito trabalho pela frente. Concluímos que o trabalho individual não serve para atingirmos os objectivos que pretendemos, daí que nesta altura convidamos outras organizações que trabalham pela igualdade no género e contra a violência doméstica no sentido de estabelecermos um plano de trabalho comum para dar resposta ao fenómeno da violência doméstica.

Temos, desde Julho do no passado, um instrumento legal que é a Lei Contra a Violência Doméstica. Como advogada, sente já o peso desta lei?
O âmbito de aplicação desta lei é no seio familiar ou outro, que por razões de proximidade, afeto, relações naturais e de educação, têm lugar nos infantários, asilos para idosos, hospitais, nas escolas, internatos femininos ou masculinos ou espaços equiparados, de relevante interesse comunitário e social. A lei não se cinge a relação marido e mulher, mas também a qualquer acto de violência que se possa praticar contra crianças e idosos. Prevê ainda a existência de esquadras de polícia, com pessoal especializado para o efeito, isso é muito importante, temos que debater para que seja implementado, este ponto é muito importante e temos que nos debater por ele. É necessário que os agentes da Polícia tenham formação específica para tratar desta questão. A lei fala também da assistência social que deve ser prestada as famílias, do acompanhamento psicológico, tanto da vítima como do agressor, assim como as casas de abrigo, que são espaços bastante importantes para se tirar a vítima do seio onde está em perigo para outro lugar, onde poderá ser acompanhada. Outro aspecto extremamente importante da lei é permitir que terceiras pessoas, em determinados crimes, possam ir às esquadras apresentar queixa, o que é muito importante porque há casos de crimes, que são cometidos no seio familiar e aí ficavam, porque os membros da família não permitiam que fosse feita a queixa e a vítima resignava-se.
Hoje, um vizinho ou outra pessoa que tome conhecimento pode ir apresentar queixa. Outra questão inovadora é a proteção dos bens, devido aos casos de herdeiros que perdiam tudo porque membros da família apoderavam-se dos bens, a lei fala, no artigo décimo terceiro, sobre a protecção destes bens e explica como é que deve ser feito. Por outro lado, as vítimas de violência devem ter apoio médico, psicológico, social e jurídico, até que a situação possa ser regularizada. Nos casos em que o agressor é apanhado em flagrante delito, ao abrigo da lei, deve ser imediatamente detido e fica privado de liberdade até ser presente ao magistrado competente, que o interroga e depois é logo remetido ao juiz para um julgamento sumário. Isso tem sido feito, tenho vários exemplos destes. Outra inovação são os crimes que não admitem desistência, em que mesmo que a vítima queira retirar a queixa, não é possível. A lei é clara para estes casos e refere ofensa a integridade física ou psicológica grave e irreversível, a falta reiterada de prestação de alimentos a criança e assistência devida a mulher grávida, o abuso sexual de menores de idade ou idosos sob tutela ou guarda e incapazes, a apropriação indevida de bens de herança, que pelo seu valor pecuniário atente contra a dignidade social dos herdeiros. A prática de casamento tradicional com menores de catorze anos de idade ou incapazes.
Não há dúvidas, para estes casos não é possível desistir.

Temos no país vários casos de leis que foram aprovadas e alguns aspectos remetidos para regulamentação posterior, o que não foi feito. Isso poderá também ocorrer com a Lei Contra a Violência Doméstica?
Estamos atentas a esta questão.
O Ministério da Família já pediu a vários ministérios para que avançassem com propostas para a regulamentação desta lei. Acredito que até ao final deste ano tenhamos já a regulamentação, contudo, o facto de não ter sido regulamentada não impede a sua aplicação, porque a lei é clara. A regulamentação serve para especificar como devem ser aplicados determinados artigos, mas não impede que o que está legislado seja aplicado.
Pelo que referiu, continuam a persistir práticas do direito costumeiro que chocam com o direito positivo? O casamento tradicional, que em muitas áreas é feito com menores de idade é um dos casos. Há ainda os casos de familiares que se apoderam dos bens da viúva e dos filhos após a morte do conjugue, isso acontece em muitas comunidades, chamo a isso oportunismo. Temos que combater esta questão através da sensibilização nas comunidades. A educação tem de ser feita na base, começando pelas crianças, porque quando educamos uma criança, educamos uma família. A mudança de mentalidade é fundamental.

Enquanto jurista, que avaliação faz do processo de revisão do Código Penal Angolano?
O Código Penal já foi revisto, houve um amplo debate público e acho que deveríamos lutar para que fosse aprovado, porque tem uma inovação que para mim é bastante importante: há um capítulo dedicado a família, o que não havia. O Código em vigor é de 1881, está completamente fora do contexto. Naquela altura a mulher era considerada um objecto. Muitas vezes, as pessoas criticam o tempo que levou para a revisão, mas não têm a percepção de que para se elaborar uma lei é preciso a contribuição de muitos especialistas, é preciso que se façam estudos sociológicos, consultas, para se elaborar e, muitas das vezes, quando as leis são aprovadas, apesar de todo este processo, acabam por não ser as melhores. Em Angola, não nos podemos queixar porque temos boas leis, muito boas leis mesmo, há países que não têm a legislação tão boa e moderna como nós temos.

Se temos tão boas leis, onde reside o problema?
Reside nos mecanismos de implementação e nas próprias pessoas que implementam, temos que mudar a mentalidade das pessoas para poderem aplicar o que está legislado.
Suzana Mendes
fonte: opaís

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Samuel

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