Filomeno Pina
Por vezes sentimos uma presença
fantasmagórica no nosso íntimo, a alma com perturbações de ansiedade e de medo,
ensombrando tudo à nossa volta, um nevoeiro interno por detrás dos olhos, que
não permite descontracção, tranquilidade, tornando confuso o nosso estado de espírito
e pensamento. Inúmeras vezes, não sabemos definir este medo que amordaça o nosso
corpo, até nos gestos mais simples que façamos, uma inquietude persistente e
consciente está dentro de nós e até desconfiamos daqueles que perturbam a nossa
própria respiração e Paz enquanto Guineenses, observadores do que se passa na nossa
Terra-Mãe, torna-se-nos difícil fingir não ver o óbvio.
Este ambiente psicológico
de tensão social é crónico para maioria de nós, motivo dum batimento cardíaco acelerado
no cidadão comum Guineense. Provocando troca passo constante, desde que nasceu esta
independência trouxe simultaneamente alguns problemas dum parto difícil. Esta
criança (independência) que veio ao mundo e trouxe por arrastamento problemas
de desenvolvimento, dificuldade de adaptação ao mundo novo, nasceu órfã e não
conheceu o Pai AMÍLCAR CABRAL, cresceu deixando para trás ensinamentos,
doutrina, regras de conduta verdadeiramente revolucionários a ter em conta para
orientação política e administrativa do território nacional (depois da independência)
tal como pensou o Pai da nossa nacionalidade, mas, que os lideres abandonaram
após a sua morte os testemunhos escritos deixados. Vemos que os continuadores
não conseguiram nunca aplicar qualquer projecto político progressista, de
unidade e desenvolvimento do País, por falta de unidade no PAIGC que cedo se
fez sentir em toda a República da Guiné-Bissau, desde o regime de partido único
ao multipartidarismo da actualidade. Mergulhamos numa dificuldade muito difícil
de transpor, a ausência de unidade em torno do Aparelho de Estado foi fatal, mas
possível de vencer ainda e de ultrapassar com novas estratégias de combate à
corrupção e com acordos multipartidários em torno de assuntos prioritários da
Nação.
Esta independência logo à
nascença se deparou com novas exigências e conteúdos que não soube compreender
e adaptar-se no meio ambiente novo, com jovens dotados de inteligência
académica e em plena aprendizagem política, uma sociedade aberta, numa festa da
independência com liberdade de expressão sem medos, convivência e espírito
novo, começa a assistir ao inesperado paradoxo desta liberdade jovem dos
anos/70, que nunca foi tolerada, houve um comportamento radical do PAIGC, uma
intolerância para com a irreverência da Juventude Guineense e, neste ambiente
social, deixou de haver tolerância e, cedo, tudo passou a ser interpretado e
conotado politicamente como sendo “reaccionário” quando são apenas ideias
diferentes que qualquer um pode ter.
Esta conotação (reaccionário/revolucionário)
passou a ser um novo critério de selecção na aproximação ideológica do PAIGC.
Com muita pena, porque triste é o pai que não aceita um filho “deficiente” e o
descrimina por ser diferente ou por ter ideias diferentes. Logo depois, é
coagido a abandonar a Casa ou a morrer por resistir a ficar debaixo das saias
da Mãe, triste sina para muitos que tombaram depois da independência, jovens. Passou
a haver uma descriminação centrada na cidade de Bissau e arredores, mas apenas
para alguns, outros, reconhecidos pelo regime “safaram-se” e, mesmo assim,
também alguns destes, mais tarde, vieram a morder a própria língua, sendo
vítimas do próprio veneno que desconheciam da nova convivência.
A época da desejada independência,
desde o inicio demonstrou lacunas perante expectativas de progresso rápido e
desejado por todos nós, ideal fantasioso, próprio do ideal do eu, lançado na
altura, mas longe do que as pernas reconhecem, palmilhando o chão que pisam, faltou
autonomia, experiência e maturidade política de muitos dirigentes do PAIGC que não
a teriam na época, afinal confirmaram a dificuldade global e também especifica
na altura, no entendimento desta transferência das zonas libertadas para o
pós-independência na capital Guineense.
A ausência de ferramentas
humanas, de uma ideologia adaptada a novas circunstâncias e condições
encontradas num País jovem Independente, provocou um caos gradual e
progressivo, uma politica que cedo introduziu o “método” de subtracção física, afastando
e perseguindo pessoas ou chegando algumas vezes a matar o próprio filho. Sempre
que haja um que desobedeça ou pratique uma má acção conotado politicamente,
irmãos contra irmãos, e cada um interpretando o Pai à sua maneira, o mais forte
abusa do mais fraco, acha-se no direito de o fazer, não querendo ver pela
frente o seu rival, esta loucura tem mudado de rosto e de perfil, ainda está este
modo de actuação a vigorar no País e tem actuado ciclicamente fazendo subir o
número de mortes.
Vislumbrou-se uma perturbação
de desenvolvimento social característico de um défice político grave nas
capacidades demonstradas no geral. Era esperada uma compreensão libertadora neste
processo de independência, revelou-se pouca ou inexistente, tanto do ponto de
vista humano como material necessários para um arranque positivo.
Progressivamente, foi
surgindo uma perda de liberdade de expressão no meio social, dando lugar a uma
descriminação política e sócio familiar (com uns apelidos respeitados e outros
não, de acordo com a aproximação destes ao PAIGC), o que trouxe medo inicial e o
começo da depressão social, comparativamente com a sociedade Bissau-Guineense, encontrada
na altura.
Deixamos de nos expressar na
voz própria para colarmos a linguagem da “mentira”, adaptando-nos, através da imitação
camaleónica, para agradar e salvarmos a pele, tornando difícil evitar semelhante
bloqueio consequente. Afinal somos coagidos, manipulados pelo medo, medo de
assumirmos este estado de agitação interior que nos afecta, medo de não dizermos
o que sentimos. Que esperar, senão o empobrecimento da mente e da capacidade
criativa?
Quando pensamos surge uma sombra,
surge a imagem de tanto sangue derramado ao longo de quarenta anos de
independência, surge a ideia de vampiros (Kassyssas) que, de quando em vez, se
passeiam, por aí, aos tiros, no escuro. À frente do nosso nariz, fingimos não
ver, numa sensação desesperada que invade a nossa tolerância à frustração,
tornando difícil conseguir a calma necessária, como cidadãos livres.
Saber quem era quem, no
tempo da PIDE, por exemplo, sabíamo-lo e bem, foi uma realidade com a qual
aprendemos a lidar antes da independência, mas hoje, também a nossa alma anda
fugida do corpo, desconfiada, vivendo em cantos, a fugir das sombras da morte “súbita”,
só para os marcados para morrer é verdade, mas quem sabe disto.
Uma sorte maldita sem hora
marcada, anda de dia e de noite à procura de sangue, o argumento da sua doentia
forma de ser e de estar em sociedade, sem Justiça social e liberdade do Povo, matando
para “sobreviver” como se estivéssemos ainda numa guerra é o que temos
assistido.
Fugir para nos protegermos
da morte provável, é quase impossível, ninguém aguenta tantos anos de violência
e abuso de poder sem perder muito de si próprio nesta situação injusta, é imperdoável,
crimes que se perpetuam impunes, onde a maior vítima vai sendo o Povo Guineense,
BASTA!
Só vemos sombras que nada
têm que ver com o corpo, ouvimos balas perdidas quebrando o silêncio pacato da
nossa gente, sinais de catana no corpo, a desconfiança do veneno presente nas
mortes, em casa, na rua ou ainda nos desaparecidos sem volta, um cenário brutal
hoje possível de constatar na Guiné-Bissau pós-independência.
Presos ao medo estamos, todos
temos medo, dentro ou fora do País, quem está fora e deixou familiares no
terreno tem medo e sabe o porquê. Há muito que assistimos a matanças, um a um,
ou em grupos, já sem esconderem esta intenção macabra, cirúrgica de decapitação
selectiva de adversários políticos e outros líderes, apagando uma história viva
que ficará por contar e para sempre, o que é muito grave.
Pássaros loucos desta matança
a poisarem nos ninhos de famílias de bem, inocentes, são como serpentes
venenosas ou como gaivotas em terra, em sinal de morte anunciada.
Precisamos de anjos
protectores que nos acudam, vozes desesperadas de protesto, sussurrando no
silêncio, de revolucionários sem balas mas com boas palavras, de lápis afinado,
já ninguém liga chorando em terra e com medo, é compreensível este hábito de
ver e sentir a morte por perto, então vamos mudá-la.
Há abutres enlouquecidos
nos cantos, criminosos prontos de olhos atentos ao movimento desta chapa de
tiro ao alvo, os atiradores são abutres que passam a pente fino os seus alvos
confirmados numa lista de óbitos, assinada por alguém escondido, ou
arrogantemente expostos no meio social, de destaque. O mandante é desconhecido,
ninguém sabe com provas apresentadas quem é, mas também se alguém o sabe, não o
diz, por medo, ainda.
Temos assistido a crimes contra
Guineenses humildes, inteligentes e bons políticos, a saírem precocemente de
cena por assassinatos. Políticos brilhantes e outros líderes carismáticos, são mortos
ou obrigados a sair do País para salvar a pele, por medo, essencialmente, esta
é a única certeza absoluta, neste momento do reconhecimento do estado em que se
encontra a Guiné-Bissau.
Hoje, este fantasma do mal
come os próprios filhos, outrora poupados, perdeu emoção cultural de
identificação, agindo por reflexo condicionado primário, básico, eliminando os
seus adversários, querendo contudo, fazer parecer normal nesta doença.
Vemos um “chefe” mafioso e
já com medo da sua própria sombra, um mandante do crime, este camaleão, que já confunde
a sua sombra com a dos seus adversários, por isso vai matando quantos consegue,
num ritual de terror sanguinário, as mortes por encomenda, à mistura com vitimas
de balas perdidas, apagando testemunhas oculares, forçadas a fazer companhia
aos marcados para morrer.
A presença cíclica de
defuntos tombados na rua ganha cada vez mais carácter de permanência no
território nacional Bissau Guineense, é psicológico este sinal, um reflexo colado
ao coração da sociedade Guineense, pois, toda a gente sabe que se mata e o
crime fica impune o que elege o criminoso ao primeiro lugar no pódio, é triste
e perverso muita coisa que se passa entre nós.
Uma interrogação a
martelar as nossas consciências, é este um dos factos/problemas, porque o medo da
próxima vítima derramar o sangue, acontece e pode ser de qualquer um, dentro ou
fora do País, sangue oferecido ao diabo, obedecendo a loucura do seu mandante, e
contra os próprios irmãos, este Povo.
Este mandante pensa que
sobreviverá sozinho com o seu grupo “escolhidos a dedo”, esquecendo que outros foram
como ele, mas hoje estão no outro mundo, talvez arrependidos antes de morrer pelos
mesmos enganos cometidos contra filhos da Guiné-Bissau que foram mortos com as
mesmas armas. Armas essas que estiveram, anteriormente ao serviço da luta da libertação,
que forjaram vitórias no terreno, hoje, infelizmente estão ao serviço de uma
cirurgia criminosa de eliminação selectiva de contestatários, de adversários
políticos e de rivais invejados, por motivos de carácter material, financeiro ou
apenas político e pessoal.
Estes acontecimentos
criminosos com ocorrência na Guiné-Bissau, têm carácter reincidente e
compulsivo, inserem-se num conjunto de sintomas considerados muito graves na
patologia comportamental, denotam requinte de malvadez nas torturas consumadas,
prisões arbitrárias e sem o controle da justiça, são crimes odiosos com
fundamentação ou motivação paranóica, as manias de perseguição que mais tarde
se traduzem em crimes cometidos, alegando “legitima” defesa, resta saber se têm
por base factos reais ou elaboradas paranóias.
Ao longo de décadas tem
sido uma realidade cíclica este desassossego e desconcentração no
desenvolvimento deste jovem País, deixando transparecer um conjunto de
agitadores reaccionários e desestruturais no sistema político, mas com capa de
“anjos” continuam como defensores do Povo, mantendo acções subterrâneas, cercando
a máquina deste comboio gigante (Guiné-Bissau), minando e manipulando tudo que
há de bom, provocando atrasos graves no desenvolvimento do País, com golpes e
contra golpes de Estado, de estação em estação, num pára arranca, tudo porque
os homens teimam em se dar mal, por inveja, mentira, alienação, pouca
tolerância à frustração, imaturidade política, ignorância e défice democrático
generalizado nas instituições do Estado.
Andamos à deriva mas a
caminho da dita Democracia, no entanto registamos um clima de instabilidade
crónica, embora cíclica, para muitos destes actores de agitação, é um clima propício
para encherem os bolsos, apropriando-se indevidamente do que é do Povo e de
todos nós. Esta confusão faz bem a muita gente, mas muito mal ao País. Este
medo faz calar, mas não impede de pensar, este Povo sabe quem são os maus ou criminosos,
também tem o sentido de oportunidade na atitude colectiva e de resposta, atitudes
firmes no momento certo, isto é verdade, acredito que não se morrendo da
doença, na cura, podemos mudar de terapêutica ou de médico, se assim o
desejarmos. E vai acontecer, esta mudança.
O crime político trouxe esta
ansiedade fatal e o medo irracional de morte, na sociedade Bissau Guineense e
não só, principalmente nas “elites”. Tudo tem servido para amordaçar os estados
de espírito, ódios, vinganças, provocando comportamento social inibido. Quando
surge um foco de agitação, os fracos andam sem “sono” profundo deambulando pela
cidade, dormindo com um olho de cada vez, mudando de casa durante a noite, fugindo
à hora do lobo para se misturarem no meio de insuspeitos ou de familiares, por
uma noite de sono tranquilo, com receio de morte estampado no rosto.
Estas pessoas por mais
atentas e esclarecidas que sejam, vivem com medo, pior ainda, quando sabem ou
desconfiam da aproximação do criminoso infiltrado no próprio meio da sua
convivência “familiar”, torna-se muito triste o estilo de vida a adoptar para
escapar à chapa de tiro ao alvo.
Sabemos que esta ameaça invisível
é cruel para o pensamento na dinâmica social, traumatiza o normal funcionamento
das instituições, ela é um acontecimento traiçoeiro por natureza, injusta para
além de criminosa, doentia e selvagem. Uma ameaça social, na impunidade
generalizada no que toca aos crimes de sangue, crimes políticos, todo um problema
global grave que temos de resolver, i. é, acabarmos com esta organização
criminosa, banirmo-la do meio de nós, obrigá-la a mudar de vida para passar a haver
justiça para todos, igualdade de direito e de responsabilidade para os
cidadãos, só assim haverá Paz desejada e desenvolvimento sustentado.
Os marcados para morrer desconfiam
sempre de transportar um rótulo invisível “colado” à cabeça quando se sentem alvos
a abater pelo regime, aquele que desconfia, nunca mais dorme descansado até
conseguir escapar da mira dos criminosos.
Sempre foi assim e quando
morre alguém não de morte natural, assassinado, normalmente sabemos na
comunidade como tudo se passou, onde, como, e com detalhes impressionantes ou até,
os últimos desejos da vítima antes de morrer, são contados.
Infelizmente, sabemos maltratar
o que de melhor a natureza nos dá, o ser humano, por não gostarmos uns dos
outros, alguns de nós com poder matam o seu semelhante e, justificando ou não o
acto, acham-se no direito de o fazer por livre iniciativa “revolucionária”,
isto paradoxalmente vivido num País sem pena de morte, um Estado de Direito. Há
que mudar e devolver à Justiça o seu papel principal, o de julgar e condenar, se
necessário for, nunca permitir substituir esta Sede por fantasmas com capa de
justiceiros.
Há um fundo mau e doentio nos
homens responsáveis por estas mortes cíclicas que continuam impunemente a
crescer sem um ponto final, vazias de razão ou fundamento credível, muitas
vezes com mentiras para justificar o injustificável, os crimes cometidos contra
inocentes.
A vítima muitas vezes morre
sem deixar as provas recolhidas, como causa de morte vemos sinais de balas no
cadáver, de catana ou outras. Às vezes não se chega a saber do corpo e nem os
familiares podem enterrar com dignidade os seus mortos, chorá-los livremente,
por medo de retaliação silenciosa, perseguições, não vá o “snaiper” estar por
perto e continuar a matar.
Aqui jaz fulano de tal e perguntamos
porquê, chegamos à conclusão que o seu único crime foi manifestar as suas
ideias, capacidades materiais, opções políticas diferentes.
Este ciclo de tiro ao alvo
tornou-se num ritual compulsivo tendo na sua base a luta pelo poder político e
militar, método utilizado quando pretendem alterações da sua conveniência e
exploração material. Provocam mudanças politicas, escolhem as vitimas a afastar
e entregam nomes aos executantes que obedecem cegamente aos mandantes do crime.
Muitas vezes, eles próprios, (criminosos) acabam abatidos para eliminação de
provas, algum tempo depois o suspeito do crime também é morto, este ciclo
mantém como tarefa aberta a sua actuação, continuando a matar, de acordo com circunstâncias
do esquema montado, perpetuado para liquidação cirúrgica e criminosa de alguns
Guineenses lideres.
Mas tudo isto tem os dias
contados, acredito que quando a Justiça falar com a dignidade que lhe é
esperada num Estado de Direito, tudo vai acabar bem.
Talvez um dia saibamos mais
pormenores destas histórias, tudo indica que não será para breve, mas que será
contada, é certo como chover na Guiné-Bissau.
O esquadrão da morte escolheu
seu pecado, a matança cirúrgica programada de adversários políticos e militares,
perseguindo com gosto cruel e executando com requintes de malvadez. Coabitamos
com esta loucura à solta, nos vários palcos da Guiné-Bissau, criminosos misturados
com gente séria, cidadãos comuns, vamos roçando as nossas vestes, porque estão próximos
de tudo que fazemos, uma assombração invisível dia e noite.
Porque entram em nossas
casas com pretextos infundados e arbitrários, há abuso de direito sem limite, acabam
quase sempre sujos de sangue inocente, sem se redimirem, sem uma palavra dirigida
a Deus pedindo perdão, e muito menos aos familiares das vítimas, gente como nós,
sofrida nas mãos dos próprios irmãos com armas nas mãos, travestidos de gente
de bem, mas, realmente diabos com corpo humano, plantados num sistema corrupto,
responsável, ao longo de décadas, por milhares de crimes que não sei se seremos
capazes de perdoar, mas seria preciso virar esta página, sem mais mortes e
avançar um novo caminho de Paz, só.
Voltarmos a conviver
juntos sem mágoa neste tempo que nos resta, é um desejo Guineense refundado na
sua natureza social hospitaleira, a de receber bem quem vier por bem, seja
magro, gordo, manco, feio, bonito, desgraçado, engraçado, hipócrita, amoroso,
homossexual, heterossexual, mau, bom, com boas maneiras, cornudo, fiel,
religioso, ateu, génio, ingénuo, imbecil, alto, baixo, preto, branco, vermelho,
castanho, arco-íris, djambakúz, muruz, protestante, católico, ateu, muçulmano…,
desde que queira viver com todos, praticando o bem em sociedade. Pode até
parecer difícil, mas é possível, basta mudarmos de atitude, sermos mais
tolerantes e respeitarmos as diferenças culturais, políticas e de pontos de
vista, tudo numa base de respeito mútuo, avançaremos juntos para vitórias em
poucos anos.
Proteger a vida humana,
recuperar e reeducar os actos no sentido de preservarmos o melhor de cada um de
nós, perdoar os criminosos depois da justiça feita, mas condenados para uma reintegração
social obrigatória, com observação sistemática através de controlo
Institucional periódico, para evitar reincidir de forma gratuita e livremente.
Temos criminosos que matam
com prazer, parecendo cumprir um ritual supersticioso com sangue humano, em vez
de animal, o que ganhou “estatuto” esquisito que gera o medo nas pessoas, medo
de fantasmas.
Há derramamento de sangue sempre
que há confrontos militares, em vez de debate de ideias, ouvem-se tiros, o medo
instala-se na alma, garantindo o receio e recalcamento no cidadão comum. Ninguém
ousa enfrentar este “monstro”, não há coragem física e moral neste momento,
perdemos o essencial, como liberdade de expressão, há um conceito perverso
acerca do que é a verdade ou verdadeiro, do falso/verdadeiro, trocam-se palavras
por balas e o resultado é este, habituados a um espectáculo macabro cíclico, associados
às intentonas levadas a cabo pelos mesmos de sempre, ora falsos, ora
verdadeiros os seus argumentos, dados a conhecer ao grande público.
Temos militares sobre a
influência dos políticos e vice-versa, sempre que acontece alguma coisa de mal
(golpes, mortes e outros) na terra, vemos sangue derramado e corpos estatelados
no chão, no mesmo teatro das operações, neste palco de Bissau tem servido para
tudo, para dançar, comer, brincar, manifestações políticas, muitas alegrias,
mas há três décadas que tem sido campo de batalha com mortes, quase sem alegria
nenhuma pergunto porquê, meu Deus. Esta maldade compulsiva, fez crescer mais ódios,
vinganças e, consequentemente, um atraso de desenvolvimento cultural, político
e social na Guiné-Bissau.
Coabitamos paredes meias
com esta realidade macabra atrás da porta, a matança, já com pouca reacção ao
luto psicológico, o luto espiritual condigno aos entes queridos mortos com
violência do crime organizado, uma memória triste, sempre que há tiroteio
estamos a falar da Cidade de Bissau, o palco predilecto da acção criminosa e do
banho de sangue.
Hoje reconhecemos que
fomos ficando progressivamente dessensibilizados em relação ao respeito e impacto
do luto psicológico no ser humano. Quando ouvimos que alguém morreu, mesmo
sendo conhecido ou da nossa relação, parece haver menos emoção no meio social
Bissau-Guineense, parece que perdemos um pouco a capacidade de ficar triste com
a morte (habituados a ver morrer muita gente já receamos perguntar por alguém
conhecido na Terra), este País com elevada taxa de mortalidade por doença,
associada a outros em circunstâncias materiais precárias, que afectam todo o
território nacional, o que pode ter a ver com este fenómeno de insensibilidade
em relação à morte.
A esperança media de vida não
chega aos cinquenta anos de idade, este factor consciente de risco acrescido, tem
a sua influência, parecendo que estamos habituados a conviver com a morte sem
espaço de intimidade na relação com o luto psicológico e sua influência. Uma
das provas em relação a esta constatação, é o facto de termos imagem da nossa
sociedade “tranquila” logo no dia seguinte após um golpe de estado, como se
nada fosse, cada um vai a sua vida, deixando transparecer que o problema não é
com ele mas com os políticos e militares. Há uma dessensibilização, tanto em
relação ao luto, como em relação ao golpe de estado no País. Estas reacções funcionam
como mecanismo de defesa inconsciente (tendo medo mas sai à rua, e no luto dá
ideia de menos tempo e espiritualidade, porque a vida é cada vez mais curta
nestas circunstâncias).
Factos que têm a ver com a
repetição dum estímulo em excesso no número de vezes, provocando reacções de “indiferença”
no individuo, mas que ao mesmo tempo se prende com a corrida contra o tempo
para manter a sua vida, por isso faz de conta, sai e vai à luta do seu dia a
dia, debaixo de “fogo”, se for necessário.
Hoje estamos mais
inibidos, amarrados a preconceitos, vícios, mentiras e ausências, mas deixamo-nos
estar fisicamente, no uso da figura de corpo presente, demitidos da nossa
função sem abandonarmos o “cargo”, está-se bem mas “Ele”, não está.
Esta dimensão humana mudou
muito nesta matéria, morrer é assunto que já não prende ninguém agarrado ao
passado do morto, no dia seguinte enterra-se a cabeça na areia para não ver,
ouvir e falar do mesmo, sobretudo quando se trata de uma morte suspeita de
crime cometido sem visibilidade ou prova, gera medo e muito mistério à volta.
Então, há que agarrar a vida pessoal e fugir quanto baste, para se esconder no
silêncio de si próprio e talvez, chorar depois.
Logo mais continuar este
jogo de loucos como quem foge desta vida sem sair do sítio, dando cotoveladas
para “engolir” a vida alheia, saber, mas para prejudicar alguém, estamos nisto
há muitos anos. Temos “calos” na alma, aprendemos a engolir em estado de dor
profunda, friamente comer e beber em cima de “sangue” ainda fresco, isto já não
dói tanto perceber.
O que nos aflige mais é
reconhecermos impotências e aflições com tudo o que se passa à nossa volta, sendo
que tudo isto tem solução pacífica, tudo é triste, mas ao mesmo tempo pode ser
estancado, se os Guineenses quiserem por cobro, dominar este mal e travar a sua
evolução, porque há recursos humanos para fazer este trabalho, só assim a Terra
arranca de vez rumo a bom porto, acredite se quiser, porque não é preciso matar
ninguém ou prender por longos anos outros tantos, há que haver confiança numa
estratégia sistematizada de busca dos melhores e colocá-los à frente dos nossos
destinos para SERVIR A NAÇÃO.
Como pode haver luto com
dignidade merecida se o acto de matar começa a banalizar-se no seio da
sociedade, onde não se tomam medidas para julgar determinados crimes de sangue,
esses foram simplesmente ignorados até aqui. Já poucos morrem com a dignidade clínica
reconhecida da doença, por velhice ou morte repentina. Neste contexto ainda há
fantasmas a este respeito, o óbito como ciência deu lugar a respostas
paranóicas para explicar a causa da morte. Havendo sempre um potencial
criminoso moral ou físico por detrás dos acontecimentos, porque em Bissau já
quase ninguém (figura pública) morre por destino de Deus, não, é por maldição,
inveja de alguém, ódio, influência de maus espíritos… Tudo, supostamente, associado,
como motivo de morte ganha corpo, às vezes sobe de tom semelhante dúvida, mas
mesmo assim não há medidas periciais e medicina legal para confirmar um diagnóstico
cientifico e ponto final, ficando simplesmente como duvidosa, a certidão de
óbito “arquivada” no “museu”, para inglês ver, sem respostas, o que vem
permitir o levantamento também deste fantasma, sempre que a morte sai à rua.
Só o pobre-diabo do Zé-Povinho
ainda morre descansado e sem fantasmas ou talvez não, ainda há entre nós a
desejada “morte Santa”, parece que hoje é assim, pelos vistos uma realidade que
causa estranheza, e não há direito, não se confirmar a causa da morte quando há
suspeita de crime.
Habituados a chorar os
mortos com sentimento e emoção, vemos, hoje, este lugar de culto transformado num
ponto de encontro para por o “correio” em dia, exibir toilettes, comer e beber,
misturado com emoções perversas e clivadas num fundo sentimental mórbido e
recalcado. Para alguns, tudo isto é aliviado com uma forte bebida alcoólica,
tomada em boa dose para ajudar a suportar a racionalidade calcada até ao
estômago.
Não vá o diabo fazer falar
livremente quem tem boca, mas escolheu não falar, dizer o que sente da sua
verdade ou apontar o dedo certo à causa da morte de alguém, não vá a língua
atraiçoar os dentes na boca e contar o que sabe, o mais provável num terreno
fértil em mentiras e perseguições, tínhamos mais um que acabou mal.
Simplesmente espancados arbitrariamente
até à morte, torturados, abusados, mortos à queima-roupa, abatidos por sentença
criminosa, enterrados em lugar desconhecido, hoje isto acontece e sobretudo com
Bissau-Guineenses, onde esta realidade tem vindo a por o País nas bocas do mundo.
A impotência invadiu tudo
pela repetição dos crimes impunes, sem consequência Jurídica, Cultural e Social,
constatamos este desgaste psicossocial grave na sociedade Guineense de hoje. Uma
perturbação intensa que “deixou” de perturbar, perturbando. Por isso quem está
dentro, vivendo no País, sobretudo em Bissau, muitos perderam esta noção por
mecanismo de defesa inconsciente, uma via de sobrevivência psicológica positiva
que tem permitido esta sociedade viver no limite.
Esta sequência de crises
politicas, institucionais, social e cultural invadiu a nossa sociedade,
produzindo mentalidade negativa e desleixo nos modos de vida adoptados hoje,
estamos com pouca reacção, há uma inibição causada pelo medo nas pessoas
expostas a este estímulo abstracto, há já alguns anos.
Na maior parte das vezes
este estímulo faz vítimas silenciosas, perdemos reacção consciente e ficamos
indiferentes ao estímulo como se nada fosse (o perigo de se elegerem os mesmos
vem daqui por ex.), isto está a passar-se na nossa Terra. Provocando um
desgaste na natureza social, afectando o meio ambiente sócio-emocional do
Guineense (sobretudo do Bissau /Guineense radicado nesta cidade). Contudo, e
não querendo afirmar que só a este grupo, isso nunca, pois penso que afecta a
todos nós, uns mais do que a outros, independentemente da sua localização
física geográfica de identificação no País, estando dentro ou fora, afecta sempre
com níveis diferentes, tendo consequência material e psicológica, afecta por
identificação projectiva na relação humana, o que explica bem claro porque sofremos
juntos o que se passa na Guiné-Bissau e não só, a Guineensidade é irmã
reconhecida por todos nós nisto e noutras.
As vítimas deste agressor matador,
são vistas como chapas ambulantes de tiro ao alvo, não importa onde estejam
escondidas, desaparecidas e fora do país, rodeadas de guarda costas ou não, em
abrigos ou fora do horizonte visual, não importa mesmo, porque quando querem
que aconteça este ritual de sangue, há sempre “festa” grossa de tiros.
Já matam friamente e não
lhes causa perturbação nenhuma, a seguir dormem descansados, “dormem” porque
pensam que todos temos medo, este medo visceral inquietante que causa até inibição
social e ausência de vozes de protesto na sociedade civil, alguém tem dúvidas
desta afirmação, penso que não.
Deixo um poema em crioulo
que não vou transcrever para Português, perde a sua essência e espírito na sua
intensidade sentimental, por isso prefiro sentir esta emoção toda nua e crua, a
passar nas veias, como dor de morrer mas sentindo na pele que vale a pena estarmos
vivos e agradecer a Deus, por tudo.
Às vezes parece que o
Guineense não gosta um do outro, principalmente neste quadro político e social
de lutas pelo poder, onde se mantém um imbróglio existencial na busca de um
lugar ao sol. A mentira latente minando tudo e todos é uma realidade enquanto
se disputam lugares nas guerras pelo mesmo “troféu”, notamos mais oportunistas,
talvez porque em vez de competência damos os lugares aos esquemas montados nos
corredores e bastidores. Os adversários não vêm meios para atingir o fim, existe
o hábito triste de se conseguirem as coisas gerindo influências mafiosas, comprando
favores e obrigações a preço de ouro, compromissos assumidos na base de
chantagem interpessoal, com cobranças difíceis de dívidas antigas, pois nestes
“contratos” subterrâneos que mais tarde se vem a saber, temos o “azeite” como a
principal traição da mentira.
Devemos interpretar o País
como pessoa de bem, o seu Povo a maior relíquia e gerir este valor com a melhor
massa cinzenta (Guineenses) espalhada pelo mundo inteiro, só assim, seguiremos
o caminho da prosperidade na Nação Guineense.
Há sinais de mudança no
País, penso que vamos ter alterações importantes no “teatro” e painel político
Guineense, vamos assistir ao emergir de novos rostos na política nacional,
haverá provocações intrapartidárias e interpartidárias, por desconforto causado
pelo novo estatuto de lideres que vão ter de afastar-se do aparelho partidário ou
serem afastados para dar lugar a outros militantes melhor preparados, o que é
normal em
democracia. Também na Guiné-Bissau vamos ter de nos habituar
à ideia de que todos nós somos filhos da Terra, em igualdade de condições e de
circunstâncias, com diferenças em cada um de nós, efectivamente nas capacidades
materiais e intelectuais. Mas precisamente com estas diferenças é que se
garante um desenvolvimento para um País, do melhor e para todos, sem excepção,
porque precisamos de todos por inteiro, respeitando o método democrático como
filosofia de base.
Este poema que vos deixo
ilustra um pouco o que há de muito mau em nós e que é preciso corrigir já,
temos uma das ferramentas necessárias connosco, é o amor, esta energia que
emana do ser humano, do mais profundo, na expressão sentimental do homem, fazendo
parte daquilo que temos de melhor em nós próprios, é com esta ferramenta que
vamos conseguir transformar uns aos outros, um trabalho necessário e urgente
para o nosso País, acredite!
GUINEENSES.
Sê n’dyamta ku Tuga
sy káu fênhy
hy’ta mata, Guineense
sê n’dyamta, ku kabryanu
sy káu fênhy
hy’ta mata, Guineense
sê n'dyamta, ku Angolano,
Moçambicano, Hô-utrúz
sy káu fênhy,
hy’ta mata, Guineense
sy nó n’dyamta, anty-dynóz
sy káu fênhy
nô-ta mata hum’hutru
pá-kôbardyssa, ku ódio
nunka nô mata hutrúz
nô hôssamty, na darma
samguy dy cumpanhêr
máz, nô-mêdy bardady
hy kyl’gôra-dê, tê-gôssy
assym-som, nô-ka muda·
tudu futhcêrruz Guineense
kamysty sy kumpanher
kuma djamfa kabaly
par’Deus
Filomeno Pina. - 1981.
(letra de canção)
Sê n’dyamta ku Tuga
sy káu fênhy
hy’ta mata, Guineense
sê n’dyamta, ku kabryanu
sy káu fênhy
hy’ta mata, Guineense
sê n'dyamta, ku Angolano,
Moçambicano, Hô-utrúz
sy káu fênhy,
hy’ta mata, Guineense
sy nó n’dyamta, anty-dynóz
sy káu fênhy
nô-ta mata hum’hutru
pá-kôbardyssa, ku ódio
nunka nô mata hutrúz
nô hôssamty, na darma
samguy dy cumpanhêr
máz, nô-mêdy bardady
hy kyl’gôra-dê, tê-gôssy
assym-som, nô-ka muda·
tudu futhcêrruz Guineense
kamysty sy kumpanher
kuma djamfa kabaly
par’Deus
Filomeno Pina. - 1981.
(letra de canção)
É
hora de estancarmos este derrame para não morrermos todos de anemia silenciosa,
sem darmos conta que nenhum de nós fica cá para semente ou viverá duzentos
anos.
Desde
o período pós-independencia, aprendemos a conviver com a presença de mortes
impostas pela lei dos homens, por fuzilamentos e outros, tudo continuou igual
em Bissau, passamos a viver com perseguições de pessoas, torturas, mortes de
guineenses, mas nunca se matou mais do que filhos da Guiné, outras nacionalidades
sempre estiveram presentes /ex-PIDE’s, e outros colaboradores do antigo regime
colonial, mas que tiveram a sorte de não figurar na lista de óbitos, nada lhes
aconteceu, tiveram tempo para estar no território enquanto quiseram e, sair
calmamente. Mortes que a justiça não explicou, nas quais as vítimas não tiveram
direito à defesa sequer, tombaram na sua maldita sorte de não ter.
Os
líderes da terra tinham preferência pelo sangue do irmão, e porquê, eis a
questão que espero um dia poder trazer com uma análise mais profunda como
opinião, só.
Há
aqui qualquer coisa de muito esquisito, mas explicável também à luz da
psicologia que não vou misturar aqui agora, mas oferecer pelo menos um
raciocínio pertinente nesta chamada de atenção, vamos estando enterrados neste
ódio entre irmãos, fizemos a nossa escolha fatal desde cedo, continuamos a
matar irmãos na falta de inimigos “estrangeiros”, como que identificados numa
sequencia pós-traumatica de guerra, ainda hoje, só morrem filhos da Guiné e por
crimes cometidos só por Guineenses, esta é que é a verdade que todos sabemos e
conhecemos, somos nós próprios que promovemos matanças, atrasos e deficiências de
que somos vítimas, ATÉ QUANDO CAMARADAS, pergunto e não espero pela resposta, mas
pense nisto.
Confesso
que não gostei de escrever este artigo de opinião bastante sombrio ou o que lhe
quiserem chamar, tive dificuldades em terminar algumas ideias por me sentir assaltado,
várias vezes, por instintos menos bons, há certa inibição e evitamento
conscientes comigo e, ao mesmo tempo, uma raiva bloqueante que dava murros no meu
estômago, por isso, isto que aqui fica não é mais do que um apelo à PAZ entre
irmãos, pedido talvez ingénuo, mas com humildade o faço, pedindo a Deus a
bênção para esta fase da vida do nosso País. Viva a Guiné-Bissau.
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Samuel