Opinião: José Filipe Pinto – jornal i
Salazar contou a anedota moderna do inglês. Incisiva: "É necessário arranjar dinheiro, honestamente, se puder ser, não podendo ser, é necessário arranjar dinheiro"
O próximo dia 23 de Julho vai ficar na história da Lusofonia como a data da entrada da Guiné-Equatorial na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Oitenta e seis anos atrás, em Coimbra, Salazar, malgrado o seu ar sisudo, contou a anedota moderna do inglês. Curta. Incisiva. Dizia assim: "É necessário arranjar dinheiro, honestamente, se puder ser, não podendo ser, é necessário arranjar dinheiro".
E o que têm em comum dois factos à partida tão díspares? Mais do que aquilo que seria previsível e desejável, como à frente se verá.
Assim, Díli vê chegar a bom porto a pretensão do presidente Teodoro Obiang Nguema, depois de um processo longo e que já tinha logrado um primeiro sucesso em 2006, quando o país obteve o estatuto de associado da CPLP.
Um percurso acidentado devido às reticências de alguns membros, com Portugal à cabeça, relativamente ao regime vigente na Guiné-Equatorial e tutelado, desde 1979, pelo atual presidente que conta com o filho como segundo vice-presidente para a Defesa e Segurança do Estado.
Por isso, na Cimeira de Luanda, em 2010, os representantes portugueses invocaram a necessidade do cumprimento dos estatutos e a delegação da Guiné-Equatorial regressou a penates com uma espécie de caderno de encargos e sem a qualidade de membro efetivo da CPLP.
Isso porque os estatutos estipulam que a organização só pode admitir como membro um país que tenha o português como língua oficial e manifeste, sem reservas, adesão aos princípios que norteiam a CPLP, ou seja, regime democrático, boa--governação e respeito pelos Direitos Humanos. Como a CPLP está impedida de qualquer ingerência na vida interna dos membros, percebe-se a imposição de condições a priori .
Porém, em Maputo, em 2014, o Conselho de Ministros viria a dar luz verde à pretensão equato-guineense, através de uma recomendação à X Conferência de Chefes de Estado e de Governo a realizar em Díli.
Face ao exposto, uma primeira leitura apontaria para a circunstância de os membros da CPLP considerarem que a Guiné-Equatorial tinha cumprido as exigências formuladas.
Uma interpretação que, no entanto, está longe de consensual, apesar de o português ter passado a ser a terceira língua oficial da Guiné-Equatorial - depois do espanhol e do francês - e da entrada em vigor de uma moratória que suspendeu - coisa diferente de proibiu - a pena de morte.
Na verdade, de acordo com relatórios de organizações internacionais credíveis e testemunhos dos jornalistas que têm a sorte de obter um visto de entrada no país, a Guiné-Equatorial não apresenta um desempenho passível de ser considerado democrático.
Por isso, o índice Mo Ibrahim de boa- -governação coloca a Guiné-Equatorial na 45.a posição entre os 52 países africanos considerados, com uma avaliação negativa - 40,9% - e a agravante de a rúbrica de Participação e Direitos Humanos se quedar pelos 25,6%.
Trata-se de um país rico, mas onde, apesar de o presidente defender que não há pobreza mas penúria, a percentagem de pobres é superior a 70%. Um país onde as enormes receitas do Estado só são suficientes para proporcionar água potável a metade da população.
Como explicar, então, a entrada na CPLP?
Em primeiro lugar, alguns membros da organização estão longe de constituírem um modelo aceitável de boa-governação.
Em segundo, a "democracia do petróleo", mais a mais contando com o apoio do gás natural, da pesca e da construção de infra-estruturas, dispõe, como trunfo adicional, de capitais para investir na Lusosfera. A "diplomacia do livro de cheques". Uma organização deveria ter interesses e princípios. Algumas elites e a crise encarregaram-se de dispensar os segundos.
Afinal, os dois factos iniciais têm muito em comum.
Professor Catedrático em Ciência Política - Especialista em Lusofonia
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Samuel