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segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Angola: Vidas em risco por “coisas” esquecidas no corpo depois da cesariana.

NO BALUR I STA NA NO KUNCIMENTI, PA KILA, NO BALURIZA KUNCIMENTI!...

Rodrigues Cambala e Fernando Cunha

Marisa Raimundo, caminha aos solavancos, até aproximar-se do cadeirão. A mão direita finca a coluna vertebral e a esquerda descerra os punhos e adianta-se no assento, para manter o tronco firme.


Um gemido meio disfarçado deixou brechas para que se dê conta das dores. Os movimentos frouxos também. Marisa está, apenas, há 12 horas desde que recebeu alta de uma segunda cirurgia, que ocorreu, como diz, por culpa de um erro médico. Foi na noite de uma sexta-feira, dia 22 de Fevereiro deste ano, que a mulher, de 35 anos, foi submetida a uma cesariana, na Maternidade Lucrecia Paím, em Luanda, para dar vida ao quarto filho. Conta que lhe foi dada alta médica dois dias depois. Em Abril, Marisa Raimundo começou a sentir ligeiras dores na região abdominal, que aos poucos se foram tornando mais fortes. 
“Eram dores muito estranhas, que pareciam agulhas a picar”, relatou, numa voz roufenha.
Numa manhã do mês de Maio, deslocou-se a um posto de saúde, em Viana, próximo de casa, tendo a médica de serviço solicitado uma ecografia. O exame dava conta da existência de uma inflamação. A receita baseou-se em antibióticos para combater as dores.
Apesar dos remédios, disse, as dores na região abdominal não paravam. De regresso ao posto de saúde em Viana, a médica, que, a princípio, orientava a conclusão da medicação, aceitou as súplicas da mulher e recomendou que voltasse à Maternidade Lucrécia Paim, onde tinha sido operada.
Marisa Raimundo dirigiu-se ao Banco de Urgência da referida maternidade com a última ecografia. 
“Perguntaram-me se tinha dinheiro para fazer uma nova ecografia. Eu disse que sim e logo fui à área vocacionada”, disse. O resultado do exame condizia com o do anterior, solicitado pela médica de Viana.
Já no Banco de Urgência, as dores ganhavam contornos incontroláveis, lembra. Uma enfermeira pediu, delicadamente, ao médico para que Marisa fosse assistida de imediato, devido à pressão alta. 
“Puseram-me numa maca. Em seguida, fui submetida a uma curetagem, porque acharam um líquido no útero. Suportei aquela dor toda...”, conta, virando-se para o chão. O tratamento foi sol de pouca dura. A dor retornou no terceiro dia. Marisa recorreu a casa da mãe, porque não se sentia muito bem. “O meu esposo trabalha fora de Luanda e tive de pedir ajuda aos meus pais para ir a uma clínica”, salientou.
Já numa outra unidade privada, o médico pediu nova ecografia, sugerindo, por outro lado, a realização de um TAC, porque presumia haver um tumor no intestino. Depois do exame, orientou uma consulta de Cirurgia. Marisa Raimundo explica que a marcou dias depois, numa outra clínica. A operação não foi realizada, porque o médico dizia que o TAC estava inconclusivo.
“O médico tinha receio que fosse um tumor e pediu para fazer novos exames”, lembrou.
No dia 10 de Junho, voltou à Maternidade Lucrécia Paim, para marcar uma consulta com o médico que a tinha operado. “Pelo corredor, cruzei-me com o doutor. Mostrei-lhe os exames para que avaliasse a minha situação”.
Conta que o médico observou-a, em seguida, nas consultas externas, tendo pedido apoio a outros dois colegas (um cirurgião e uma ginecologista). Os três concluíram haver uma massa, de acordo com a ecografia. O médico informou que o problema não era ginecológico, propondo o regresso à clínica onde o fez, para obter um relatório conclusivo do TAC.
O médico insistiu, dizendo: “não é um problema ginecológico e vou fazer-te o favor de atender-te na próxima quarta-feira, 17 de Julho.”
“Pedi-lhe que me receitasse alguma coisa por causa das dores, mas ele disse que não”, afirmou a mulher, recordando que o médico que fez o TAC ficou estupefacto por saber que os seus colegas não conseguiram fazer a leitura”.
Marisa conta que regressou a casa em sofrimento e lágrimas. Inconformada, no dia seguinte, 11 de Julho, foi à consulta de Cirurgia que tinha agendada numa unidade privada. O médico também recorreu aos colegas para determinar o resultado dos exames que tinha em mãos. Não tardou, veio a resposta: tinha de ser evacuada a uma outra clínica, por, supostamente, haver uma inflamação.
Transferida, mal a médica observou os exames, ordenou a sua entrada no Bloco Operatório. “Eram 19 horas e só despertei às 23 horas e logo disseram-se que a operação foi um sucesso.” A causa de tanto sofrimento chocou-a: 
“A senhora não tinha nenhum tumor; eram compressas esquecidas no abdómen, aquando da cesariana”, informou-lhe a médica. “Disse-me que a compressa já estava deteriorada e foi retirado pus em quantidade”, explica. Marisa Raimundo afirma que não tem, até agora, acompanhamento de um psicólogo. “Senti-me muito mal (…), tive um transtorno psicológico muito grande. Sofri muito…”, sussurra, numa voz melancólica com lágrimas a cobrirem os olhos. Durante o período que durou a situação, a jovem teve de deixar de amamentar o filho, que tem apenas quatro meses.
“Só quero justiça”, acrescenta, de forma pausada, a mulher sobre quem um mau procedimento fez com que anulasse o Curso de Ciências Políticas e Relações Internacionais. Com o apoio da família, pensa em intentar uma acção judicial contra o hospital.
Advogada e Maternidade
Marisa Raimundo constituiu uma advogada, que está a tratar do processo para uma acção contra a Maternidade Lucrécia Paím.
Nancy André, a advogada, disse que daria entrada, na Procuradoria-Geral da República, de uma queixa contra a Maternidade, para que a sua constituinte seja indemnizada. 
A advogada afirmou ainda que vai remeter uma cópia à Maternidade, para o caso de a instituição querer negociar, antes que o processo tramite em julgamento. 
“Estamos a concluir a participação e logo que estiver concluída vamos entregar à PGR”, reiterou a advogada.
Entretanto, a nossa reportagem deslocou-se à Maternidade Lucrécia Paím, para recolher a reacção sobre o caso. A secretária de direcção, Maria Agostinho, informou que a directora só falaria deste assunto se Marisa Raimundo fizesse uma reclamação ao hospital. 
“Não temos nenhuma informação. Assim que a paciente informar o que se passou, a direcção do hospital estará em condições para prestar declarações ao Jornal”, acrescentou.
“As 24 horas mais difíceis” de uma missionária
Numa paróquia da Igreja Católica, em Luanda, a reportagem do Jornal de Angola conversou com uma missionária, que, sob anonimato, descreveu as 24 horas mais difíceis da sua existência, devido a um erro médico que por pouco lhe tirava a vida.
Em 2012, foram-lhe detectados miomas uterinos, ainda em fase inicial. A recomendação da equipa médica de tomar os medicamentos para vencer os miomas não surtiu efeito. Dois anos depois, já em missão em São Tomé e Príncipe, durante uma consulta de rotina, uma médica informou-lhe que não precisava de operar, porque muitas mulheres convivem com miomas.
Em 2015, depois de tratar de um problema no ouvido, em Portugal, a madre aproveitou a oportunidade para fazer outra consulta de rotina. O médico avaliou os resultados dos exames e sentenciou: “não te enganes a tomar a medicação, pois todo o mioma é um corpo estranho e tem de ser retirado”.
“Comecei a notar que havia opiniões diferentes”, contou a madre, que, no regresso a Angola, em 2016, trouxe também na memória a intenção de resolver o problema dos miomas que estavam em progressão.
Antes de fazer a cirurgia, foram-lhe recomendadas duas injecções, que custaram 250 mil kwanzas. “As ampolas eram muito caras, mas não tive outra saída”, avança. Aparentemente, os remédios, comprados numa farmácia na cidade do Lubango, Huíla, estavam prontos para lhe serem aplicados, até que a mãe da missionária, uma enfermeira, observou algo de errado nas ampolas.
“Já não me lembro do nome dessas ampolas, mas as que foram adquiridas destinavam-se a homens. A farmácia pediu desculpas pelo erro”.
Sexta-feira, 18 de Agosto de 2017, numa clínica no Lubango, cujo nome a mulher prefere não citar, as condições para a cirurgia estavam criadas. “Pareceu-me ser uma equipa boa. Já no Bloco Operatório, todos rezaram antes de começar a operação”, recorda. Depois da cirurgia, a missionária ardia de dores no abdómen. Dada a aflição, chamou a enfermeira, que disse serem as dores normais e passageiras. Contudo, intensificaram-se entre as 13 e as 16 horas. Conta que nem posição para dormir encontrava. O médico observou e corroborou com a enfermeira: “é normal essa dor, vai passar”.
A equipa médica só não adivinhava que as dores na zona da operação avolumavam-se a cada minuto. “Às 16 horas, notei que a barriga estava a ter um outro formato e fechava-se no centro, como se tivesse um cinto apertado”.
A persistência da mãe da paciente forçou os médicos a realizarem uma ecografia. Parecia haver sangue acumulado. Ainda assim, o médico pediu 24 horas para avaliar a evolução. A madre conta que arfava e já não conseguia andar. 
“Sentia uma vontade de ir à casa de banho. Não conseguia colocar-me em pé. Quando coloquei a cabeça no ombro da minha mãe, 'apaguei”, disse. Ao despertar, olhou para os lados, pois já não se lembrava do que sucedeu. “Um médico perguntou-me como me sentia, eu disse-lhe que queria ter o mesmo descanso...”
No dia 19, sábado, voltou ao Bloco Operatório. “Despertei e já estava na unidade de cuidados intensivos. Um técnico do laboratório gritou: “ela acordou, ela acordou...”. Fez-se um ligeiro silêncio. Ele voltou-se à missionária, sem dizer uma palavra.
À pergunta sobre o que aconteceu tem duas versões. A primeira: esqueceram-se de algum material de cirurgia no abdómen. A segunda: esqueceram-se de canalizar um órgão no abdómen.
“As enfermeiras disseram que tive sorte, porque a equipa médica ainda não tinha deixado o hospital”, afirma. “Quando vivemos momentos de perigo, percebemos que a vida é passageira. Por isso, é essencial fazermos sempre o bem”, diz a mulher, lamentando que os médicos não tenham admitido o erro.
“A minha irmã perdeu o filho”
Quer ser apenas identificada por Isabel. Acedeu falar em nome da irmã - esta não o faz, por temer represálias -, que, há um mês, perdeu o filho e vive acamada desde o dia em que foi dar à luz por cesariana, na Maternida do Huambo.
Depois da cirurgia, em Fevereiro deste ano, Isabel conta que a irmã, de 30 anos, recebeu alta. Não obstante a medicação, no mês seguinte, começou a queixar-se de dores fortes no abdómen, propriamente na zona da operação.
No princípio, os familiares deduziram tratar-se de caprichos. Depois de uma semana e meia, o que parecia “birras” estava a ganhar contornos preocupantes. “Voltamos ao hospital, mas os médicos diziam que era normal, qu e mais tarde passava”, conta a irmã.
Em Junho, as dores propagaram-se.?A zona de cirurgia cheirava a podre, o leite do peito estava misturado com pus e sangue. 
“Os médicos voltaram a fazer outra cirurgia e encontraram uma zona completamente infectada com sangue e pus. O leite materno estava contaminado com pus. Após alguns dias, o bebé teve de ser internado e acabou por morrer.
Isabel revela que a morte do sobrinho aconteceu no mesmo dia do internamento, “em razão das complicações provocadas pelo leite materno 'estragado' e pela má assistência médica”. 
Nem a segunda cirurgia resolveu o problema. A paciente continua acamada, agora em casa. A zona da cirurgia não está cicatrizada e a ferida continua dorida, sem sinais de melhoria. Nesta altura, os familiares estão a amealhar alguns trocados para procurar um tratamento rigoroso no exterior do país. A mãe está em Luanda, à procura de apoio na Junta de Saúde.
“Ela não está bem...”, balbucia em tom amargo. “Os médicos deixaram uma compressa e não fecharam correctamente um órgão”, denuncia a irmã.
“Deixaram uma compressa”
Há 14 anos, Ana Paula entrou na Maternidade Lucrécia Paim, para dar à luz. Por algumas complicações, foi levada ao Bloco Operatório. Três dias depois, estava em casa, já no seio da família.
Paula descreve que, após um mês, começou a sentir dores estranhas no abdómen. Ao retornar ao hospital, os médicos apalparam a zona da cirurgia e perceberam que tinham deixado uma compressa.
“Fui submetida a uma nova cirurgia e retiraram a compressa”, recorda com o rosto carregado de alívio.
“Não tive problemas no atendimento quando voltei para reclamar. A zona não tinha infectado”, acrescenta Ana Paula, lembrando que não processou a Maternidade porque tudo terminou bem e eles pediram desculpas.
Admitiu que já acompanhou muitos casos de esquecimento de compressas, e recentemente uma amiga viveu a mesma situação, que lhe causou grandes problemas de saúde.
Caso do Huambo é desconhecido
O director-geral do Hospital Regional do Huambo, Hamilton dos Prazeres Tavares, disse, ao Jornal de Angola, desconhecer a existência de um caso com parturiente, em cujo organismo tenha sido esquecida qualquer compressa.
“Não existe, na nossa maternidade, qualquer caso ocorrido com parturiente em quem foi esquecida qualquer compressa por altura da realização de uma cesariana no período evocado pela senhora Isabel”, afirma.
A posição do clínico surge no seguimento da denúncia da senhora identificada por Isabel, cuja irmã terá sofrido uma cesariana, na Maternidade do Huambo, e a equipa médica terá deixado uma compressa. 
“A unidade materno-infantil do nosso hospital não dispõe de registo deste caso, porque, durante esse meio ano apontado pela senhora Isabel como tendo ocorrido a situação, não há, nos nossos relatórios, qualquer situação registada nos nossos serviços operatórios da maternidade. E mais dificil fica porque a pessoa não se identifica”, afirma.
Em relação à morte do bebé, o clínico explica que a situação relatada por Isabel não dá lugar à contamição dos mamilos, por se tratar de órgãos completamente diferentes.
Segundo o médico, a infecção verificada no mamilo de uma mulher após o período de parto é quase sempre resultado de incumprimento de regras elementares, que devem ser tidas em conta no período da amamentação. 
Se não forem observadas, acrescenta, dão lugar à chamada “mastite purperar, que provoca uma colecção de pus e incha os mamilos.”
 “Não existem normas de actuação na prestação de cuidados”
O médico cirurgião Renato Palma admitiu que os erros acontecem devido à demanda das instituições e, sobretudo, das maternidades, que ainda são em número reduzido, principalmente com qualidade assistencial.
“Estas unidades têm uma demanda a duplicar ou triplicar e com um pessoal reduzido e que muitas vezes faz turnos repetidos”, disse, argumentando que a demanda faz com que a perícia médica diminua, porque o organismo atinge o esgotamento. O especialista acrescenta que a demanda faz com que se esqueça um instrumento ou material dentro do abdómen da paciente.
Ao corroborar com a opinião do porta-voz da Ordem dos Médicos, Renato Palma defende a realização de verificação do material, antes e depois da cirurgia, para evitar consequências que coloquem em risco a vida do paciente e do recém-nascido. Explicou que a paciente com parto por cesariana fica internada entre três e cinco dias, para acompanhar-se a evolução. Antes da alta médica, acrescenta, a paciente deve passar por uma revisão da cavidade, que pode incluir análises das secreções a nível da ferida e órgão genital, Raio X, exame de sangue e ecografia. 
Renato Palma disse, por outro lado, que o país não dispõe de normas de actuação para o mesmo tipo de prestação de cuidados, pois o corpo clínico de cada instituição de saúde decide da sua forma.
Logicamente, afirma o especialista, “se cada instituição tiver a sua norma, é muito difícil haver um documento que vai reger as formas de prestação de uma mesma patologia e fica um terreno fértil para ocorrência de situações do género”.
Ao indicar que a elaboração das normas é responsabilidade das academias ou institutos, disse que o médico, como qualquer ser humano, tem a capacidade de esquecer, mas a presença de uma norma de actuação permite seguir os passos antes e depois de cada cirurgia.
Pacientes no Josina Machel
O médico admitiu que o Hospital Josina Machel recebe pacientes, provenientes de outras unidades, com algum instrumento ou material gastável esquecido durante a operação.
Ao apontar que situações deste género não podem suceder, Renato Palma disse que, nalguns casos, a compressa esquecida é expelida pelas fezes e, outras vezes, pode apodrecer na cavidade abdominal.
“Quando isto acontece, causa uma quantidade de pus e pode provocar uma falência múltipla de órgãos, insuficiência cardíaca e renal, levando o paciente à morte”.
Acrescentou que as complicações podem ser piores naqueles casos em que se esquece de uma lâmina de bisturi, pinças ou um separador, porque com o movimento o paciente pode ter um órgão perfurado.
Não se encerra a cirurgia sem a contagem
O porta-voz da Ordem dos Médicos de Angola, Jeremias Agostinho, esclareceu que, em situações ligadas a erros médicos, o paciente pode queixar-se à Inspeção Geral da Saúde e à Ordem dos Médicos. Estas entidades avaliam se houve negligência por parte do médico. 
“Analisamos, se for reincidente, se a instituição tem condições para a realização de tal cirurgia e se foi feita da melhor forma possível ou se houve negligência”.
Além de medida disciplinar, os profissionais podem ver a carteira cassada. O médico salientou que não se encerra a cirurgia sem que se faça contagem, mesmo que o material esteja com sangue.
“Se o enfermeiro entregar 20 pares de compressas, depois do procedimento, ele tem de contar se os 20 pares foram retirados, bastando faltar uma para não se encerrar”, explica. Acrescenta que algumas complicações surgem também por falta de cuidados do paciente depois da operação.
fonte: jornaldeangola


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Samuel

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