"Está tudo preparado" para a realização em Angola da cimeira ao mais alto nível da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), dá conta o secretário executivo da organização, em entrevista exclusiva à DW. O encontro de chefes de Estado e do Governo da CPLP tem lugar em Luanda, a 16 e 17 de julho, e marca os 25 anos da organização.
Francisco Ribeiro Telles, cujo mandato está prestes a terminar, diz que será assinado, em Luanda, um acordo sobre mobilidade, dossier trabalhado pela Presidência cabo-verdiana, que abre portas para "uma maior liberdade de circulação dos cidadãos" lusófonos. A cimeira de Luanda "é bastante importante para a própria história da CPLP", sublinha.
DW África: Quais as perspetivas sobre a cimeira de Luanda e o que espera da presidência angolana?
Francisco Ribeiro Telles (FRT): Vamos ter também o reforço da componente económica e empresarial da CPLP. Isto é, Angola vai apresentar um programa que tem sobretudo a ver com questões económicas e comerciais, questões de desenvolvimento sustentável. Portanto, vamos reforçar esse pendor da CPLP. Isso também é importante, porque temos constatado que a CPLP, cada vez mais, começa a interessar outros países também como um espaço económico.
Depois vamos também ter a entrada de novos países observadores para a CPLP. São à volta de dez, o que faz com que a CPLP, no final da cimeira de Luanda, tenha mais de 30 países observadores e organizações. São países muito relevantes que vão entrar. Da América do Norte, de referir os Estados Unidos e o Canadá; da Ásia vai entrar a Índia; de África, a Costa do Marfim; da América Latina, o Peru. Da Europa, países como a Espanha, a Roménia e a Grécia. De forma que a CPLP está cada vez a despertar um interesse crescente junto da comunidade internacional. Países que querem, no fim de contas, participar também nas atividades da organização.
DW África: Constituem por isso uma mais-valia para os objetivos da CPLP?
FRT: Sim, constituem uma mais-valia. Eu acho que a CPLP, com esses países, ganha escala. Isto é, é uma organização atípica, não é uma organização regional. Nenhum Estado-membro da CPLP faz fronteira com o outro. Apenas há fronteiras marítimas, são Estados ribeirinhos, são Estados nos quatro cantos do mundo, portanto com uma descontinuidade geográfica muito acentuada, com níveis de desenvolvimento económico muito diferenciados, mas de qualquer forma os Estados-membros estão muito próximos uns dos outros. E é isso que faz a força da organização e é isso que faz a força da língua portuguesa.
DW África: Tendo em conta o número de observadores associados, que já ultrapassa em larga escala o número dos países membros, isso implica rever o respetivo regulamento na cimeira de Luanda?
FRT: Sim, implica. Porque, de facto, em 2014, tínhamos três países observadores. Agora teremos mais de uma trintena. De forma que [é necessário] adaptar o regulamento àquilo que é fenómeno de uma importância crescente da CPLP. De maneira que ainda estamos num processo de discussão desse regulamento, mas a ideia de facto é operacionalizar de uma forma bastante concreta a entrada desses países na CPLP. Isto é, até que ponto a CPLP pode ser útil a esses países e esses países possam vir a ser úteis para a CPLP. Há várias ideias, ainda não temos um documento consolidado, mas lá chegaremos.
DW África: Os parlamentares dos países de língua portuguesa insistem de que é preciso avançar com a livre circulação de pessoas, mas também de bens. É um aspeto que ainda está para além dos esforços da presidência cabo-verdiana?
FRT: Eu acho que a presidência cabo-verdiana fez um trabalho notável nesse sentido. E como tenho dito, a questão da promoção e difusão da língua portuguesa funciona bem na CPLP – o português é uma língua cada vez mais falada no mundo e as projeções das Nações Unidas apontam que se neste momento há 260 milhões de falantes, no final do século serão 500 milhões muito pelo crescimento demográfico de Angola e Moçambique.
Outro aspeto que funciona bem na CPLP é a concertação político-diplomática. Os grupos CPLP são grupos que, quando estão nas organizações internacionais, conseguem fazer lobby para eleger altos representantes dos Estados membros a cargos internacionais. Há uma questão que, de certa forma, tem de ser agora mais bem trabalhada, que é o sentimento de pertença do cidadão comum à CPLP. Isto é: para que é que serve a CPLP? Eu, como diplomata, percebo muito bem a importância da organização, mas um cidadão comum pode não entender. E a questão da mobilidade é precisamente isso, é criar condições para que as pessoas passem a identificar-se com a CPLP. Isso passa obviamente pela liberdade de circulação.
DW África: Nesta matéria, há países que estão a avançar no plano bilateral. O que é preciso fazer mais para se sentir que a mobilidade é um facto. Há um horizonte temporal definido?
FRT: Não há um horizonte temporal, mas digamos que passa a haver um quadro definido para que haja uma maior flexibilização no que diz respeito a vistos, no que diz respeito também a vistos de residência. Claro que não se podem abrir as fronteiras de um momento para o outro, mas a ideia é que, numa primeira fase, determinadas categorias profissionais – como sejam empresários, estudantes, investigadores ou artistas – podem ver a sua circulação facilitada no espaço da CPLP. E este acordo que vamos assinar [em Luanda] abre caminho a essa possibilidade.
DW África: No plano económico, é preciso explorar ainda mais as capacidades e as potencialidades dos países-membros?
FRT: O potencial da CPLP é enorme. Os Estados todos juntos representam 4 por cento do PIB mundial. As reservas de petróleo e de gás são imensas no espaço da CPLP. A CPLP tem 18% das reservas de água doce a nível global. De forma que é um pouco encontrarmos plataformas comuns para pôr todo este potencial ao dispor da CPLP.
DW África: Mas, até então, isso não passou de mera intenção ou perspetiva apenas expressas nos discursos?
FRT: Daí que temos dito também não pensar que conseguimos tudo de uma só vez, mas ter uma política de passos concretos. E a ideia é que, de facto, esta componente económica empresarial possa, por um lado, atender àquilo que são as preocupações, por exemplo, dos estudantes e empresários de circulação no espaço da CPLP. A questão dos vistos, acordos tributários, tudo isso. Digamos, é um primeiro passo para que passe a haver uma maior abertura nessas camadas da população que são muito importantes para o próprio desenvolvimento económico da CPLP. É preciso facilitar a circulação de empresários, dos estudantes, de artistas.
DW África: Encontrar financiamento junto de parceiros internacionais também é crucial?
FRT: Sim. Uma das questões que no início do meu mandato quis fazer foi, de facto, uma maior aproximação da CPLP com outras organizações internacionais. A pandemia, de certa forma, prejudicou-me um pouco nesse desiderato. Mas, de qualquer forma, consegui ir a Bruxelas e estabelecer um programa de trabalho com a União Europeia para ver até que ponto a UE pode ajudar a CPLP nesse domínio. Também fiz contactos com a Organização de África, Caraíbas e Pacífico aproveitando o facto do seu secretário-geral agora ser um cidadão lusófono, ex-ministro das Relações Exteriores de Angola, Jorge Chicoti. Contactos que estabeleci também com a própria Conferência Ibero-Americana, precisamente para poder colocar a CPLP no mapa das organizações internacionais e podermos beneficiar com tudo aquilo que essas organizações nos podem oferecer.
DW África: No plano político diplomático, há dois pontos fraturantes que marcaram o seu mandato: a incapacidade de intervenção da CPLP face à situação em Cabo Delgado, Moçambique, e o incumprimento da moratória para a abolição da pena de morte na Guiné Equatorial. Concorda?
FRT: Em relação a Cabo Delgado, a CPLP, desde o início, pôs-se à disposição de Moçambique enquanto Estado membro fundador para tudo aquilo que necessitasse e que estivesse ao alcance da CPLP fazê-lo. E o que nos foi transmitido na altura foi: "O que nós gostaríamos é que a CPLP pudesse sensibilizar outras organizações internacionais para a terrível situação em Cabo Delgado; a situação humanitária, os ataques terroristas, etc.”. Eu fiz contactos com a União Europeia, com a União Africana, com a SADC e também com as Nações Unidas a sensibilizá-las para uma atuação rápida. Isso foi feito. Depois, também se constatou – e desde o início me foi dito isso – que a melhor intervenção em Cabo Delgado seria uma intervenção a nível regional, através de uma força própria da SADC, que eu acho que está em marcha, e é o que faz sentido.
Em relação à outra questão, eu acho que pela primeira vez temos um programa consistente de apoio à integração da Guiné Equatorial na CPLP. Temos um programa calendarizado e orçamentado, que vai durar dois anos e ao fim desses dois anos os Estados membros farão uma avaliação dos progressos que foram feitos nesse domínio. Em relação à questão da moratória, o que me dizem as autoridades equato-guineenses é que essa moratória está a ser cumprida. Não mais ninguém foi condenado ou executado desde que o Presidente Obiang decretou essa moratória. Não existe ainda consagrada no Código Penal a abolição da pena de morte, mas o que as autoridades da Guiné Equatorial me garantiram foi de que não houve mais nenhuma execução.
DW África: No meio de tudo o que marcou a vida da organização, é de considerar que o surto de Covid-19 acabou por afetar o avanço de vários projetos de cooperação entre os Estados-membros?
FRT: Sim, de certa forma, porque nós tínhamos programado uma série de reuniões importantes. Até mesmo na véspera da eclosão da pandemia tínhamos programado, precisamente para preparar a componente económica e empresarial da CPLP, uma série de reuniões a nível tripartido dos ministros da Economia, Comércio e das Finanças que acabou por ser adiada e também das agências de investimento. De forma que num primeiro momento ficamos um pouco atordoados e rapidamente nos adaptamos à plataforma virtual. Recomeçamos as reuniões precisamente a esse nível. E acho que nos adaptamos bem.
DW África: A cimeira de Luanda será feita concertação para uma ação mais articulada para fazer face àquilo que são as consequências da pandemia?
FRT: Penso que os chefes de Estado irão discutir isso e concerteza que depois tomarão as decisões devidas em relação a isso.
Integram a CPLP Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Guiné Equatorial, Timor-Leste, Brasil e Portugal.
DW África: Os chefes de Estados também vão avaliar o seu mandato. Deixa o cargo com sentido de missão cumprida? O que gostaria de ter realizado e não foi possível concretizar?
FRT: A CPLP é uma organização jovem, é um projeto inacabado. Se nós compararmos com as organizações congéneres, a Commonwealth que tem mais de 70 anos, a Franfoconia tem 60 anos, a CPLP vai fazer 25 anos. Portanto, há muita coisa ainda por fazer, mas eu direi que os maiores desafios foi nós lançarmos as sementes para um acordo de mobilidade. Agora outro grande desafio vai ser operacionalizar esse acordo, de forma a que os cidadãos dos Estados membros sintam que esse acordo é útil para eles. Também a questão da componente económica e empresarial também caberá a Angola, nos dois anos do seu mandato, criar os instrumentos e os mecanismos para que essa cooperação venha a ser efetiva. E, por último, pormos os países observadores ao serviço da CPLP. Também vai ser um desafio. Cada país que entra para a CPLP como observador tem um caderno de encargos e compromete-se a promover e a difundir a língua portuguesa, mas é preciso ir para além disso e, possivelmente, integrar os países observadores em projetos de cooperação no espaço da CPLP.
DW África: São aspetos que já discutiu ou vai discutir com o seu sucessor, o timorense Zaracias da Costa?
FRT: Já discuti. Tenho mantido um diálogo permanente, de forma a que haja uma transição o mais cómodo possível, digamos assim.
fonte: DW África
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Samuel