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domingo, 28 de maio de 2023
Benfica: Um título anunciado com Schmidt a quebrar uma tradição de 17 anos
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Acabou por ser mais difícil do que se esperava, mas águias interromperam ciclo de três anos em que o troféu foi para outras paragens. A aposta certeira de Rui Costa em Schmidt, que se baseou num coletivo forte e quase imutável, acabou recompensada. I Liga volta a ter um treinador estrangeiro campeão, depois de Adriaanse em 2006.
Desde muito cedo que o Benfica mostrou que era o principal candidato ao título e a nove jornadas do final chegou a ter uma vantagem de 10 pontos. Mas foi preciso esperar até à última ronda para haver a confirmação, com as águias a terminarem a prova na liderança com 87 pontos (ficaram a um de igualar a melhor pontuação de sempre, com Rui Vitória, em 2015-16), mais dois do que o segundo classificado, o FC Porto, que deu luta até ao fim.
As águias voltaram a conquistar um troféu 1392 dias depois de o clube ter ganho, no Algarve, a Supertaça Cândido de Oliveira com uma goleada sobre o Sporting numa partida em que participaram Vlachodimos, Grimaldo (um golo), Florentino Luís, Rafa Silva (um golo e duas assistências) e Chiquinho (um golo), todos eles ainda no plantel que arrecadou esta Liga.
O 38.º título de Campeão Nacional chegou assim finalmente à Luz, três épocas após a última vitória, então sob o comando de Bruno Lage, depois de uma temporada que o Benfica dominou do princípio ao fim (isolou-se na liderança à quarta jornada, aproveitando a derrota inesperada do FC Porto em Vila do Conde). O passeio triunfal que se aguardava acabou por não acontecer - mérito, claro, dos dragões e do Sp. Braga, que nunca baixaram os braços e foram pressionando os homens às ordens de Roger Schmidt até ao apito final - mas a vantagem garantida ao longo do ano acabaria por ser decisiva.
Para o técnico alemão, que como jogador não passou da modéstia, este foi o segundo título de Campeão. Já o tinha feito na Áustria ao serviço do Red Bull Salzburgo, quando conseguiu a dobradinha (2013/14), sucessos a que juntaria posteriormente uma Taça da China (2017/18, no Beijing Guoan), e uma Taça e uma Supertaça nos Países Baixos (2021/22) - além de alguns troféus nas ligas inferiores da Vestefália antes de chegar a patamares mais elevados.
Esta foi apenas a quarta vez no século XXI que um técnico estrangeiro conseguiu ser Campeão português: desde 2005/06, ou seja há 17 anos, que tal não sucedia, altura em que o neerlandês Co Adriaanse guiou o FC Porto ao título, sucedendo ao italiano Giovanni Trapattoni, vencedor na época anterior pelo Benfica. Completa este lote o romeno László Bölöni, que guiou o Sporting ao seu penúltimo triunfo, em 2001/02.
Uma boa escolha
Anunciado oficialmente a 18 de maio do ano passado, Roger Schmidt começou a trabalhar no Seixal a 27 de junho. "Na última época, FC Porto e Sporting foram melhores e fizeram mais pontos mas agora começam todos do zero. Estou muito entusiasmado, os responsáveis do Benfica acreditam em mim e que sou um bom treinador para o clube. A pressão é minha, de mostrar que fizeram uma boa escolha", disse na primeira conferência de imprensa, num tom pragmático que acabaria por manter ao longo da época: "Temos uma grande motivação para encher de orgulho todos os que amam o Benfica, temos de ser uma equipa lutadora".
Lançando a temporada encarnada no DN, que tinha na qualificação para a fase de grupos de Liga dos Campeões o seu primeiro grande objetivo, Pedro Henriques, atual comentador e antigo jogador do clube onde fez parte da sua formação, avançava a primeira missão do técnico germânico: "Transformar o Benfica numa equipa forte coletivamente". E o mínimo que se pode dizer é que Schmidt cumpriu essa tarefa com distinção.
A 9 de julho, no St. George"s Park, em Inglaterra, o primeiro teste: um triunfo por 2-0 sobre o Reading, com o Alexander Bah a apontar o golo inaugural. Logo aí, Schmidt utilizou de início o 4x2x3x1 que é a imagem de marca deste Benfica. Seria a primeira de 19 vitórias consecutivas: seis em partidas de pré-temporada, quatro nas qualificações para a Liga dos Campeões, duas na fase de grupos (incluindo uma em Turim, frente à Juventus) e sete na Liga portuguesa.
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Beneficiando da presença nas pré-eliminatórias europeias, o calendário inicial do Benfica foi o ideal: a equipa arrancou com uma goleada (4-0, com o primeiro golo a pertencer de novo a um lateral direito, no caso Gilberto) sobre o Arouca. O onze desse jogo foi a base de toda a época: só o brasileiro (gradualmente), Enzo Fernández (que saiu em janeiro para o Chelsea), Morato (que perdeu a posição para António Silva a partir da quinta jornada) e, de alguma forma, Neres (que a determinada altura passou a opção menos regular, face à maior fiabilidade e polivalência de Aursnes, que tanto fazia a ala esquerda como acompanhava Florentino a meio depois da saída do médio argentino ou "desenrascava" a lateral direito) não mantiveram o estatuto de titulares indiscutíveis até ao fim.
Oito jogadores cumpriram pelo menos dois terços dos minutos disputados na Liga, mostrando que, uma vez encontrada a fórmula vitoriosa, Roger Schmidt raramente quis abdicar dela. Aliás, já tinha sido assim no PSV, o que levou os adeptos da formação de Eindhoven a criticar o técnico quando a equipa perdeu demasiados pontos por evidente cansaço de alguns jogadores, sobretudo na sua primeira temporada (entre meados de janeiro e o fim de março, sofreu quatro derrotas, metade de todas as consentidas na época, e dois empates em 11 jogos).
Mundial provoca quebra
A caminhada rumo ao título sofreu o primeiro percalço à oitava ronda, antes da receção ao Paris SG. Em Guimarães, o Vitória colocou dificuldades que o Benfica ainda não tinha sentido, naquele que terá sido um dos jogos menos conseguidos em termos ofensivos, e o nulo final acabou por ser feliz.
Apesar de tudo, com a ajuda do FC Porto que derrotou o Sp. Braga, os encarnados ainda dilataram o avanço na frente de dois para três pontos. A vitória no Dragão, na jornada seguinte, aumentou a distância para seis e à 12ª já eram oito.
A realização do Mundial, que rendeu dois campeões do mundo (Otamendi e Enzo, que não voltaria a ser o mesmo devido à cobiça que despertou no Qatar) acabou por quebrar um pouco a dinâmica vitoriosa. A equipa foi eliminada na Taça da Liga e no regresso do campeonato sofreu a sua maior derrota e fez a pior exibição da época: 0-3 em Braga. O dérbi frente ao Sporting acabou empatado e, no final da primeira volta, a vantagem benfiquista tinha caído para quatro pontos sobre os minhotos e cinco sobre os dragões.
O início da segunda metade da Liga marcou nova sequência de bons resultados. O Benfica foi aproveitando os deslizes dos rivais na luta pelo titulo (sobretudo a derrota caseira do FC Porto perante o Gil Vicente, que comprovou que é muitas vezes nos jogos com adversários menos fortes que se decide uma prova de regularidade, como aconteceu ontem com o Casa Pia) e à 26ª ronda, antes de receber os azuis e brancos, o avanço já ia nos dez pontos. Uma vitória no clássico tornaria o resto da prova num pro forma, mas, na sequência de um jogo ganho mas menos conseguido em Vila do Conde, o FC Porto colocou a nu o cansaço de uma equipa que apesar de ter entrado praticamente a ganhar não teve força mental para se impor, acabando por perder 1-2. Esse resultado foi o início de um ciclo negativo inédito na época: três derrotas seguidas (uma delas em Chaves) e quatro jogos sem ganhar (dois deles custaram a continuidade na Liga dos Campeões).
Um triunfo magro sobre o Estoril e outro arrancado a ferros em Barcelos recolocaram a equipa, com uma vantagem de apenas quatro pontos, nos eixos, antes da receção ao Sp. Braga, um dos dois compromissos mais complicados até ao fim. A vitória não foi numericamente expressiva (1-0), mas a exibição sólida mostrou que dificilmente o título poderia fugir.
João, Gonçalo e Rafa
Se a grande virtude deste Benfica Campeão - também uma grande vitória para Rui Costa, que já o tinha conseguido ser enquanto jogador, pela aposta arrojada em Schmidt no seu "ano zero" como presidente - foi, sem dúvida, o seu jogo coletivo, pragmático e vocacionado para atacar fosse onde fosse, existiram naturalmente contributos individuais que se destacaram, a começar por João Mário.
O médio/ala, que também foi Campeão no Sporting e tinha feito uma primeira época abaixo das expectativas na Luz, esteve quase sempre em grande plano (caiu um pouco no final da época) e revelou uma desconhecida faceta goleadora (23 golos no total, 17 na Liga, ao que somou seis assistências), provavelmente por atuar mais adiantado no terreno, à esquerda (com Neres), à direita (com Aursnes) e até ao meio (alternando com Rafa).
Com um rendimento acima da média também se destacou Gonçalo Ramos, titular indiscutível e o goleador que qualquer equipa com ambições exige (30 na temporada, incluindo a seleção, e 19 na Liga, isto sem ser o marcador de penáltis). Mais irregular mas absolutamente decisivo na Hora H, Rafa Silva, o homem da verticalidade, fez muitas vezes a diferença; os golos no Dragão e perante o Sp. Braga em casa ajudaram a desequilibrar a balança nas contas finais.
Florentino Luís, a meio-campo, foi de uma regularidade tão impressionante como discreta, apesar de também ter baixado na ponta final, fosse com Enzo (destaque na primeira metade), Aursnes ou Chiquinho por perto. Atrás, Otamendi, mesmo "réu" no desaire de Chaves, foi um capitão à altura, enquanto Grimaldo (de saída) deu continuidade ao que vinha mostrando na esquerda, muitas vezes um desbloqueador ofensivo essencial: fez nove assistências (as mesmas que um Neres que começou muito bem mas foi perdendo gás) e ainda assinou cinco golos. A chegada de Aursnes deu ao conjunto um elemento capaz de fazer várias posições, essencial para pequenas alterações táticas durante os jogos.
Na baliza, Vlachodimos somou todos os minutos da competição e, sem ser extraordinário, foi sempre fiável e deu confiança aos companheiros. Bah e Gilberto alternaram bem na direita e Chiquinho soube aproveitar a oportunidade depois de Enzo partir, marcando um golo importante para desbloquear um jogo que ameaçava complicar-se em Barcelos. Já o avançado Musa, com poucos minutos, assinou um registo notável: em cerca de 600 minutos em campo participou em nove golos (marcando sete e assistindo dois).
Draxler e Gonçalo Guedes (chegado em janeiro), duas das aquisições mais sonantes, acabaram por participar pouco devido a problemas físicos, pelo que o destaque final vai para os dois jovens da formação que foram aposta do técnico: António Silva, um central de grande futuro que se estreou à quarta jornada e se tornou indiscutível (a ponto de ter sido ao Mundial e se ter estrado na seleção principal). E João Neves, que rebentou no final da temporada, foi aposta constante de Schmidt e uma das figuras da equipa, autor do golo que valeu o empate em Alvalade na penúltima jornada.
dnot@dn.pt
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Samuel