O
embaixador da Ucrânia está em Portugal desde 2010 e diz que só teríamos a
ganhar com uma aproximação a Kiev
O embaixador da Ucrânia em Portugal
está em plena campanha até Novembro, quando deverá ficar concluído o Acordo de
Associação com a União Europeia - o acordo mais abrangente alguma vez assinado
por Bruxelas com um país exterior à União Europeia, que irá conduzir à
associação política e integração económica, criando uma zona de livre comércio
com vista a uma adesão plena da Ucrânia em alguns anos. Oleksandr Nikonenko
está em Portugal desde 2010, depois de já ter passado como diplomata por vários
países de língua oficial portuguesa. Com uma agenda apertada, na entrevista
ao i insistiu em referir as oportunidades que Portugal pode
ter, se olhar a Ucrânia como um elo estratégico no futuro, com vista ao
desenvolvimento das potencialidades dos dois países que não querem ficar
"de mão estendida" para a Europa, um mercado que, defende, continua a
ser um bom projecto económico.
Portugal diz-se empenhado em
estabelecer parcerias de negócio no estrangeiro. Como estão as relações da
Ucrânia com Portugal?
Isso é uma coisa um pouco fechada,
teria de ser um embaixador muito atrevido para falar dessas coisas, porque são
coisas muito profissionais. Julgo que seria mais importante se pudéssemos falar
das perspectivas da integração europeia da Ucrânia e qual poderia ser o ganho
de Portugal. Portugal, como país interessado, poderia envolver-se. Em Novembro,
a Ucrânia pretende assinar o Acordo de Associação com a UE, que prevê a
integração económica e associação política. A nossa ideia é aproveitar a base
legislativa da UE, os padrões sociais, para tentar modernizar a economia e a
sociedade ucraniana. A lógica é tentar aproximarmo-nos e nivelarmo-nos com o
padrão de vida europeu. O objectivo é a integração plena da Ucrânia como membro
igualitário da UE, mas o prazo para isto não foi definido.
Como está a conjuntura da integração?
A elaboração do documento durou seis
anos e há um ano foi rubricado. O documento foi assinado, mas Bruxelas acha que
a Ucrânia não está à altura em alguns padrões vigentes na UE, nomeadamente na
área das liberdades, ao nível judicial. Quer dizer: o nível democrático da
Ucrânia não corresponde ao nível das liberdades democráticas existentes na UE.
E isso interpõe-se como a maior barreira para a assinatura do documento que já
está pronto. Há uma série de compromissos que a Ucrânia assumiu na última
cimeira com a UE, em Fevereiro deste ano, e que diz respeito a alguns aspectos
da legislação - criminal, eleitoral, os poderes da procuradoria-geral, para
assegurar que a Ucrânia vai respeitar as liberdades em distintas áreas. E um
dos temas específicos seria a permanência na prisão da ex-primeira-ministra,
Yulia Timoshenko, que há dois anos foi sentenciada a sete anos de prisão pelo
crime de abuso de poder.
Por ter negociado com a Rússia um
contrato de fornecimento de gás que o actual governo diz ser oneroso para o
país...
Segundo esse acordo, a Ucrânia está
hoje a pagar um dos preços mais altos do mundo pelo gás. Os países europeus que
compram o gás russo pagam menos do que a Ucrânia, apesar de ficarmos muito mais
perto da Rússia. É por isso que ela foi condenada, porque não tinha os poderes
suficientes para assinar esse contrato, mas fê-lo apesar de o conselho de
ministros ter votado contra. Acontece que ela permanece como líder da oposição.
E por isso muitos políticos europeus defendem que, enquanto líder da oposição,
não poderia ser acusada, não podia ser sentenciada ou colocada na prisão. E o
Tribunal Europeu dos Direitos Humanos chegou finalmente à conclusão de que ela
não podia ter sido posta na prisão com base numa medida preventiva antes de ser
divulgada a sentença. Mas ela foi colocada na prisão, porque desrespeitou
repetidamente o presidente do tribunal e ele tomou a decisão de a prender. Esta
medida foi considerada abusiva e a lógica dos argumentos está neste momento
montada contra a permanência da senhora na prisão. Hoje ainda não existe,
portanto, um consenso no seio da UE sobre a assinatura deste acordo com a
Ucrânia. Foi imposto como condição que a Ucrânia cumpra os compromissos
assumidos na última cimeira. Recentemente, o primeiro-ministro da Ucrânia
reafirmou que esses compromissos eram para cumprir. Acontece que nem sempre
depende só da vontade de cumprir, é preciso tempo. Eu estabeleceria um paralelo
aqui com a situação que se vive em Portugal. Também enfrentam hoje problemas
que não podiam ter sido previstos no decurso da negociação do memorando da
Troika. Por isso foram adiadas as metas finais, mas a assinatura do documento
não pode mais ser adiada, porque se passar o prazo e o documento não for assinado
isso irá criar instabilidade na Ucrânia, com repercussões muito negativas
internamente, uma vez que todas as forças políticas ucranianas estão empenhadas
em que o acordo seja assinado. Pouco depois entraremos no período de campanha
para as eleições presidenciais e isto significaria que a oportunidade se
perderia.
E que vantagens pode haver para
Portugal?
A Ucrânia é um mercado de 46 milhões de
consumidores, relativamente grande para a escala europeia. Nas actuais
condições de estagnação económica em geral, a abertura deste espaço - não
gigante, mas apreciável - poderá significar um empurrão para a intensificação
da actividade económica. E também para Portugal, porque os produtos portugueses
poderiam entrar no mercado ucraniano evitando as barreiras tarifárias,
aduaneiras. Seria uma plataforma adicional da entrada nos mercados dos países
vizinhos da Ucrânia. Estou a falar da Rússia, das repúblicas centro-asiáticas,
até da Turquia, embora Portugal mantenha boas relações com Ancara. Portugal tem
hoje uma actividade comercial anual com a Turquia de cerca de 500 milhões de
euros, enquanto a Ucrânia tem uma actividade que ultrapassa os seis milhões de
dólares. Estou a falar de uma oportunidade adicional. É um valor palpável,
digamos assim. Portugal, como país de trânsito para África e América Latina,
poderia ver na Ucrânia um parceiro do outro lado da Europa e, por isso,
Portugal deveria ser uma voz activa na integração da Ucrânia. Neste momento
ainda são os nossos países vizinhos que mais se têm empenhado em que o acordo
se produza, os países que têm relações comerciais mais fortes com a Ucrânia. E
nós gostaríamos que Portugal e outros países afastados geograficamente também
se aliassem a esta linha. Além das condições políticas há que ter em conta os
interesses económicos: o potencial da Ucrânia teoricamente pode criar uma certa
concorrência aos países de peso na UE e algumas empresas não estão interessadas
em permitir a integração. Apesar disso, estamos a trabalhar para acumular a
massa crítica que irá convencer aqueles que estão relutantes. Assim, à
pergunta: "Porque é que Portugal precisa da Ucrânia?", respondemos:
porque os ucranianos já estão presentes aqui. A Ucrânia já fez a sua
contribuição durante os últimos dez anos para o desenvolvimento da economia portuguesa.
A comunidade ucraniana é a segunda
maior comunidade imigrante em Portugal, mas está a diminuir...
Sim, há um fluxo de saída, mas não é um
fluxo tão notável como, por exemplo, da parte de brasileiros e angolanos que
retornam hoje ao seu país de origem. Mantém-se um número relativamente estável
de ucranianos em Portugal. Se quando cheguei ao país os dados indicavam que
havia cerca de 52 mil ucranianos a viver cá, agora são cerca de 48 mil.
O desemprego em Portugal é um dos temas
mais falados, mas também se sabe que há muitos trabalhos que os portugueses não
querem fazer. Acha que os ucranianos têm mais facilidade e disponibilidade para
encontrar trabalho?
Sim, os ucranianos estão a preencher os
buracos que não são preenchidos pelos portugueses. Os portugueses não querem
trabalhar em algumas áreas, preferem procurar emprego noutros países - França,
Luxemburgo, Suíça, Alemanha e até no Brasil. Por isso, aqui não há confrontação
entre portugueses e ucranianos. Os ucranianos estão até a ajudar a segurar algumas
camadas da sociedade portuguesa.
Qual é actualmente o país que os
ucranianos mais procuram?
Muitos ucranianos emigraram e continuam
a emigrar para a Rússia, embora nos últimos anos esse fluxo se tenha desviado
em boa parte para a Europa. Mas o principal destino continua a ser a Rússia.
Mas sei que hoje é muito mais numerosa a comunidade ucraniana em países como
Espanha e Itália. Bem maiores do que aquela que está presente em Portugal. Mas
na correlação entre a população do país e o número de ucranianos, Portugal
mantém um lugar muito importante.
Já disse que dos 46 milhões de
ucranianos, cerca de metade faz anualmente turismo fora do país. Os destinos
preferidos, são a Grécia, Itália...
Sim, fora do espaço pós-soviético, com
certeza. E a Turquia, um país vizinho, muito acessível. Espanha também recebe
muito mais turistas ucranianos do que Portugal.
Porque é que isso acontece?
Por desconhecimento. Pela mesma razão
que os portugueses não conhecem a Ucrânia, os ucranianos não conhecem mais
sobre Portugal. Há que procurar e abrir os mercados.
Vê Portugal como um país fechado sobre
si mesmo?
De nenhuma maneira. O que acho que
existe é uma falta de reciprocidade em relação ao interesse já manifestado
pelos empresários ucranianos em relação a Portugal.
A Ucrânia tem procurado manter-se
arredada dos palcos de conflito militar ou mesmo políticos , mas com a
proximidade que mantém com a Rússia e num momento em que pretende aproximar-se
da Europa, como é que a Ucrânia vê estas tensões europeias face à Rússia?
Queria desde já dizer que a
Grã-Bretanha tem sido dos países mais favoráveis ao acordo de associação com a
Ucrânia, e, durante a recente visita do ministro ucraniano dos Negócios
Estrangeiros a Londres, o seu homólogo, Mr. Hague, deixou claro que apoiava a
assinatura do documento e que apoia o processo de evolução democrática em que a
Ucrânia está empenhada para cumprir com as normas europeias. Também se mostrou
compreensivo de que este é um processo demorado e que não tem um prazo
específico. Até porque muitas medidas legislativas têm de ser aprovadas pelo
parlamento e nem sempre este é unânime, embora haja um consenso político entre
os maiores partidos em relação às aspirações ucranianas face à UE. Quanto às
tensões na UE, tudo isso é normal, porque a União está a viver um momento que
claramente não é o melhor e há certas camadas da população europeia que, depois
de se habituarem a um certo estilo de vida, ao verem certos programas sociais
serem postos em causa sentem um grande desgosto. E alguns políticos estão a
aproveitar-se desta situação para ganhar popularidade. Mas, a UE continua a ser
o melhor projecto económico no mundo, mesmo apesar de alguns prognósticos
muitos sombrios. E claro que em alguns casos havia quem vivesse exageradamente
bem, pessoas que agora se vêem obrigadas a retroceder nos seus apetites até que
a economia seja capaz de sustentar essas despesas. Mas para a Ucrânia mesmo o
padrão português é muito mais alto do que o que existe no nosso país e
representa, por isso, um estímulo para o desenvolvimento. É especialmente,
deste ponto de vista, que estamos a olhar para o processo de integração na UE.
Esse é o interesse da Ucrânia. Nós não queremos entrar já na UE, não colocámos
esse objectivo. Entendemos que é um processo que se desenvolverá paulatinamente
e que poderá demorar mais ou menos tempo de acordo com a nossa capacidade de
responder aos desafios que nos foram colocados. Por outro lado, a Ucrânia não
quer entrar na UE com a mão estendida, não queremos entrar como um mendigo, mas
como um parceiro.
Todas as perspectivas de futuro para a
UE parecem ser, acima de tudo, definidas a partir de um critério de viabilidade
estritamente económica e parece ser essa a máxima que preside ao
redimensionamento do espaço europeu. Esse não é um critério limitado?
Eu não estou a falar de uma perspectiva
económica concreta, estou a falar de incentivos virtuais. Uma vez mais lhe digo
que o nível de desenvolvimento económico da Ucrânia, o nível de desenvolvimento
das regras que erigem a nossa economia, é muito atrasado em comparação com a
UE. Para nós a experiência europeia é muito importante, mas isso não significa
que pretendemos integrar-nos hoje e assumir os mesmos riscos que assumem os
Estados-membros. Este é apenas o início. Logo veremos se a UE se torna um projecto
falido - algo que, a nosso ver, não acontecerá, porque a Europa tem um
potencial claro. Simplesmente os povos europeus terão de fazer um sacrifício e
pagar pelo que recebem. E quando me diz que se fala na hipótese de países como
Portugal ou a Grécia virem a sair da UE, o que lhe digo é que qualquer pessoa
pode falar. Mas o que está a acontecer é que Portugal, pelo contrário, está a
ser ajudado, a Grécia está a ser ajudada. Se a Ucrânia, por exemplo, recebesse
80 mil milhões de euros? Nós estamos a tentar negociar um empréstimo de 15 mil
milhões de euros com o FMI e não podemos recebê-lo, porque colocaram como
condição que se aumentasse as tarifas sobre o consumo de gás para a população,
tarifas que são já muito altas e que não podemos aumentar mais. As condições de
vida são muito diferentes, tratam-se de realidades diferentes. Por isso é que
muitas vezes os políticos europeus não chegam a compreender porque motivos a
Ucrânia quer a integração. É claro que gostaríamos de receber ajuda.
Lamentavelmente, continuamos hoje muito menos desenvolvidos, mas estamos assim
porque vivemos com os nossos próprios recursos. Claro que beneficiamos de
alguns programas do Banco Europeu de Desenvolvimento ou do Banco Mundial, mas
não é uma ajuda estrutural. Por isso nos parece que ainda temos de andar muito
para chegar onde queremos chegar. Quem sabe em dez ou 15 anos. Mas o mundo não
está parado, a economia mundial não está parada, tudo está em desenvolvimento e
a Ucrânia gostaria de estar envolvida nesses processos e, talvez, directa ou
indirectamente, influenciar esses processos para o seu próprio benefício como
fazem outros países. Ter o direito a isso, entende? Isto, agora é o principal
para a Ucrânia.
fonte: ionline.pt
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Samuel