fonte: DW África
Arrancou nos Camarões reunião de cinco dias para resolver a
crise nas regiões anglófonas. Desde 2016, foram mortas mais de 3000 pessoas e
500 mil estão deslocadas. Muitos líderes separatistas rejeitam o diálogo.
O destino do voo regular da Camair a partir de Maroua é a
metrópole económica de Douala. Mas na escala em Yaoundé, o avião ficou
praticamente vazio. Dezenas de governadores, chefes tradicionais e religiosos e
outros dignitários saíram na capital dos Camarões, Yaoundé. O seu objetivo: o
grande diálogo nacional que começou esta segunda-feira (30.09).
Centenas de camaroneses de todo o país e da diáspora foram
convidados pelo Governo para resolver a chamada crise anglófona, que já causou
a morte de mais de 3000 pessoas desde 2016 e cerca de meio milhão de
refugiados.
Tudo começou há três anos, em 12 de outubro de 2016, com uma
greve nas regiões anglófonas no sudoeste e noroeste dos Camarões: advogados e
professores protestaram contra um sistema que, aos seus olhos, coloca as
regiões anglófonas do país em desvantagem. A reação de Yaoundé foi um bloqueio
de um mês na internet que alimentou ainda mais o conflito.
Apesar da crise, o Presidente Paul Biya foi reeleito
Entretanto, o Governo do Presidente Paul Biya está a tentar
tranquilizar os manifestantes. Um diálogo apático e a criação de uma comissão
para promover o bilinguismo e o multiculturalismo são acompanhados de detenções
e intimidações por parte do mesmo governo e das suas forças de segurança.
Um dos confidentes mais importantes do Presidente, Paul
Atanga Nji, declarou publicamente que não há nenhum problema anglófono. Os
manifestantes são "pessoas pomposas que são manipuladas com dinheiro
estrangeiro", disse.
Má governação
O cardeal anglófono Christian Tumi, uma das vozes religiosas
mais importantes do país, discorda. "As razões da crise residem na má
governação. As pessoas não estão envolvidas nas decisões. E há um sistema
político centralizado, o sistema jacobino, que copiamos da França", diz em
entrevista à DW África.
Até hoje, a França interfere na política dos Camarões. A
descentralização é uma das palavras-chave da crise. As reformas a este respeito
estão previstas na Constituição de 1996 e, desde 2002, existe mesmo um
Ministério de Descentralização. Mas nada mudou até agora, diz o sacerdote
presbiteriano Thomas Mokokoko Mbue. "O problema anglófono é tão antigo
como o próprio país. Desde 1961, tem havido repetidos apelos e petições para o
diálogo. Mas o Governo recusou-se a ouvir", conta.
Cardeal anglófono Christian Tumi lamenta a má governação
Um ano após as primeiras greves, grupos separatistas no
noroeste e sudoeste proclamam o estado independente "Ambazónia" em 1
de outubro de 2017.
A data é simbólica: em 1 de Outubro de 1961, o Oriente, que
era administrado pelo colonialismo francês, e o Ocidente, que era administrado
pelo colonialismo britânico, uniram-se para formar os Camarões. Os ambazonianos
não querem ter mais nada a ver com este Estado.
Entre 200 e 2000 combatentes
O conflito está a tornar-se cada vez mais brutal. Jovens
lutam no mato contra o exército. Escolas, hospitais, aldeias inteiras são
incendiadas, pessoas assassinadas, intimidadas, raptadas. O termo "guerra
civil" é cada vez mais utilizado. A culpa é de ambos os lados, dos
separatistas e do exército.
A maioria dos camaroneses considera que o diálogo está
atrasado e as expectativas sobre os resultados são mistas. Daniel Mbiwan, da Missão Gospel Plena, deseja o fim da
violência: "Precisamos de um cessar-fogo porque as pessoas estão a morrer
em ambos os lados do conflito". Já Joseph Mbafor, presidente da Comunidade
Missionária Cristã Internacional, mostra-se cético. "Encontrar uma solução
em cinco dias não é possível. Nem mesmo os anglófonos falam a uma só voz",
lembra.
O advogado Felix Agbor Balla concorda: "Teria sido
melhor se tivéssemos tido primeiro um diálogo intra-anglófono, entre aqueles
que querem o seu próprio Estado e aqueles que querem o federalismo, para
encontrar a melhor solução. A opinião de todos deve contar". Apesar das muitas
vítimas da crise, ele não lamenta ter levantado a voz em 2016. "Lutámos
pelo nosso povo, para as coisas mudarem. Mas, infelizmente, algumas pessoas
estão a abusar desta luta."
É difícil dizer quantos combatentes existem. As estimativas
variam entre 200 e mais de 2000. Estão divididos em grupos concorrentes,
principalmente da diáspora nos Estados Unidos e na Noruega. "Alguns destes
rapazes nem sequer têm 15 anos", diz Thomas Mokokoko. "É doloroso ver
estes jovens a morrer por uma guerra sem sentido", lamenta.
Só à porta fechada os informantes dizem que o próprio
Governo também mantém pelo menos uma milícia. Apenas em meados de setembro de
2019, cerca de três anos e milhares de mortos após as primeiras exigências, é
que o Presidente Biya apela a um "grande diálogo nacional", para
"examinar, no âmbito da Constituição, as formas e os meios pelos quais as
profundas esperanças dos povos do norte e do sudoeste, mas também de todas as
outras partes da nação, possam ser respondidas."
Exigência: Descentalização
O advogado anglófono de direitos humanos Felix Agbor Balla,
que foi um dos manifestantes em 2016, exige que as possibilidades de um Estado
Federal sejam discutidas durante o diálogo de cinco dias em Yaoundé. "A
crise começou com a exigência de descentralização. Sem falar da forma de
funcionamento do Governo, não vamos encontrar uma solução", salienta.
O sacerdote presbiteriano Samuel Fonki, um dos mediadores da
crise, critica o Governo por ignorar o conflito por muito tempo."Mas
agora, depois da pressão de fora, querem mostrar ao mundo que estão a fazer
algo." Um ministro, à porta fechada, fala mesmo de um "grande
espectáculo". Está prevista uma gala para o último dia do diálogo, na
próxima sexta-feira (04.10).
Advogado Felix Agbor Balla quer que se fale sobre
descentralização
Samuel Fonki, por outro lado, tem a certeza de que "sem
os observadores externos, os factos não estariam na mesa." Mas o ministro
rejeita. "Só se quer falar de irmão para irmão, sem interferências de
fora", assegura.
Se e como os "ambazonianos" serão representados,
ainda não está claro: o Governo enviou convites para líderes separatistas no
exterior. Mas muitos deles rejeitam o diálogo, o qual chamam
"biálogo" e consideram uma "perda de tempo e de dinheiro dos contribuintes",
como escreveu o líder separatista Mark Bareta no Facebook.
O Governo sabe o que os anglófonos querem. Ninguém precisa
vir aos Camarões para saber isso. Mas muitos separatistas - tanto no mato como
na diáspora - têm medo do que lhes possa acontecer. Têm medo de ser detidos.
Outros não têm autorização de residência válida no país em que residem. De
acordo com várias fontes, os líderes separatistas no exterior também estão a
perder influência.
Ajuda dependente de resultados
Günter Nooke, conselheiro para África da chanceler alemã
Angela Merkel, está atualmente nos Camarões para ter uma ideia mais concreta da
situação. Tem falado principalmente com pessoas da igreja anglófona, nas quais
que grande parte dos ambazonianos confia, mas rejeitam a violência sem
concessões.
"Aqui nos Camarões temos violência, crimes contra a
humanidade de ambos os lados, ou seja, os órgãos armados do Estado, o exército
e a polícia, mas também daqueles que dizem lutar pela independência dos
territórios anglófonos", diz. Numa reunião com um representante do
Governo, Nooke deixou claro que a ajuda da Alemanha depende do êxito do
diálogo.
Para o Presidente dos Camarões, Paul Biya, porém, já há algo
que parece claro: "O futuro dos nossos concidadãos do norte e do sudoeste
está na nossa República", disse o chefe de Estado Biya no seu apelo ao
diálogo. Mas para uma República da Ambazónia provavelmente não haverá espaço.
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Samuel