Postagem em destaque

Congo-Vie des Parties: Homenagem da UPADS ao seu Presidente Fundador, Professor Pascal Lissouba, que completaria 93 anos, neste 15 de novembro de 2024.

NO BALUR I STA NA NO KUNCIMENTI, PA KILA, NO BALURIZA KUNCIMENTI!... A União Pan-Africana para a Social Democracia (U.PA.D.S) celebrou, n...

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Liberdade de Expressão: Um Crime contra a Segurança de Estado em Angola.

NO BALUR I STA NA NO KUNCIMENTI, PA KILA, NO BALURIZA KUNCIMENTI!...


Arão Bula Tempo (à esquerda) e Marcos Mavungo (à direita).

Na província de Cabinda, três indivíduos partilham a mesma cela, desde 14 de Março, acusados de crimes de sedição e contra a segurança de Estado, por causa de uma manifestação contra a má governação e a violação dos direitos humanos, que nunca chegou a ser realizada. As suas detenções e as acusações que pesam contra si são bem representativas do autoritarismo discricionário que prevalece em Angola.

Agentes da segurança detiveram Marcos Mavungo, professor universitário e funcionário da Cabinda Gulf Oil Company (Chevron), à saída da Igreja Católica, onde este assistira à missa matinal das 7h00. Ele era, de facto, um dos organizadores da manifestação, que fora prontamente proibida pelo governo provincial após a notificação oficial, dias antes. O protesto estava marcado para a tarde de 14 de Março, mas a proibição e a massiva presença policial na pequena cidade de Cabinda desencorajou os eventuais participantes.

Mavungo encontra-se internado no Hospital Provincial de Cabinda, desde ontem, com arritmia cardíaca, após vários dias de apelos para que pudesse receber cuidados médicos adequados.

Na mesma manhã da detenção de Mavungo, o advogado Arão Bula Tempo, presidente da Comissão Provincial da Ordem dos Advogados de Angola, acompanhou o negociante Manuel Biongo, seu cliente, na viatura deste, ao posto fronteiriço de Massabi. Deveriam reunir-se com um sócio de Manuel Biongo, para fechar um acordo sobre cessão de quotas numa empresa. O referido sócio vive no outro lado da fronteira, em Ponta Negra, República do Congo. Enquanto aguardavam na viatura, por volta das 7h20, um agente  policial “convidou” Arão Tempo para uma conversa em privado com o representante da Investigação Criminal, no gabinete deste.

O Maka Angola recolheu vários depoimentos junto de Arão Tempo, através de colegas seus que o têm visitado. De acordo com esses depoimentos, o representante da Investigação Criminal comunicou ao advogado que teria de regressar imediatamente à vila sede do município de Lândana, entre a cidade e o posto fronteiriço, para um encontro com um “representante da Casa de Segurança do Presidente da República e o comandante provincial da Polícia Nacional”. Findo o encontro, poderia regressar à fronteira e prosseguir com os seus compromissos.

Manuel Biongo acompanhou o seu advogado, que, por sua vez, foi escoltado por um agente policial.

Foram até ao Comando Municipal da Polícia Nacional em Lândana, onde supostamente o encontro deveria ter lugar. Ledo engano. Advogado e cliente foram detidos e transferidos para uma viatura celular que os transportou até à Direcção Provincial de Investigação Criminal (DPIC), na cidade de Cabinda.

Segundo o advogado Francisco Luemba, no dia seguinte, o procurador local informou os detidos de “que se encontravam sob custódia policial, mas não sabia porquê”.

O referido advogado explicou também que, na DPIC, “não foi levantado qualquer auto contra os detidos”. Ao terceiro dia a polícia informou Arão Tempo e Manuel Biongo de que eram suspeitos de se terem dirigido ao posto fronteiriço para recolherem jornalistas estrangeiros a fim de cobrirem a eventual manifestação “anti-governamental”. Ambos foram acusados de colaboração com estrangeiros para “constranger o Estado angolano”, de acordo com a Lei dos Crimes contra a Segurança de Estado.

O caso Mavungo

A 19 de Março, no Tribunal Provincial de Cabinda, teve início o julgamento de Marcos Mavungo, acusado de crime de sedição.

Para o seu advogado, Luís Nascimento, a acusação não faz sentido: “O Mavungo foi detido sozinho por alegadamente ter cometido um crime em flagrante delito. Nem sequer se pode falar da marcha, porque, a acontecer, teria sido às 13h00. Como pode?”, interrogou-se. “O pessoal [dos órgãos judiciais] está a brincar.”

Luís Nascimento revelou que o julgamento foi suspenso a pedido da acusação. “O Ministério Público referiu-se ao facto de não ter consultado o processo e pediu a confiança do mesmo. Referiu que o processo tinha muitas lacunas”.

O procurador André Gomes Manuel pediu que o processo fosse remetido para a procuradoria para apresentação de melhores provas, porque “as constantes nos autos são insuficientes”.

Instada a pronunciar-se pelo juiz de causa, Jeremias Sofera José, a defesa reiterou o constante na contestação. Pediu a anulação da acusação por insuficiência de corpo de delito e porque o réu “não era responsável pelo estado do processo”.

Por sua vez, o juiz proferiu um despacho segundo o qual o processo tinha insuficiência de provas e os elementos da segurança que realizaram a detenção não apresentaram provas, nem compareceram em tribunal para depor. Como decisão, o juiz Jeremias Sofera José remeteu os factos ao Ministério Público para melhor instrução do processo de acusação e ordenou a recondução de Marcos Mavungo à cadeia.

O advogado insistiu que a decisão do juiz não justificava que o réu se mantivesse detido. 

A 26 de Março, Luís Nascimento recorreu ao procurador-geral da República, general João Maria Moreira de Sousa, com um requerimento para a libertação provisória de Marcos Mavungo, enquanto a procuradoria promove a recolha de provas. 

O advogado argumentou, no seu pedido, que a contínua detenção do seu constituinte “é ilegal e viola o direito constitucional da presunção da inocência e o princípio segundo a qual em caso de dúvida a decisão deve favorecer o réu in dubio pro reo”.


O Maka Angola contactou o gabinete do procurador-geral para saber da eventual decisão sobre o requerimento e foi informado de que o mesmo não deu entrada nessa instituição. Luís Nascimento apresentou a cópia do requerimento assinada, como protocolo de recepção, por uma funcionária da PGR de nome Rosa.

O Caso Arão

Arão Tempo e Manuel Biongo respondem pelo crime de colaboração com estrangeiros para “constranger o Estado angolano”.

Segundo o Artigo 6º da Lei dos Crimes contra a Segurança de Estado, aplicada aos detidos:
“Quem colaborar com governo, associação ou instituição estrangeira ou com um seu intermediário para constranger o Estado angolano a sujeitar-se à ingerência estrangeira em prejuízo da sua independência ou soberania, a declarar ou não declarar guerra ou a manter ou não manter a neutralidade numa guerra, é punido com pensa de prisão de 1 a 10 anos.”

A suposta prova do crime é o facto de se encontrarem na fronteira, alegadamente para recolher jornalistas estrangeiros que cobririam a planeada manifestação contra a má governação e a violação dos direitos humanos.

A comissão provincial Ordem dos Advogados de Angola submeteu um pedido de habeas corpus para a liberdade condicional de Arão Tempo, argumentando que a detenção do seu representante em Cabinda foi ilegal. O Tribunal Supremo poderá levar até três meses a responder ao pedido de habeas corpus.

A sofisticação do regime

Arão Tempo e Marcos Mavungo são, efectivamente, um perigo para a “segurança” do regime em relação às questões sobre os direitos humanos e os dividendos da riqueza do petróleo.

Cabinda sempre teve um movimento secessionista que se tornou parte do seu tecido social. Tanto os activistas locais como o governo têm capitalizado esse facto para fins opostos. Para os activistas locais, o sentimento enraizado a favor da independência ou autonomia de Cabinda é terreno fértil para a mobilização de massas. Apesar de o enclave produzir um terço do petróleo em Angola, a população local de cerca de 300 mil habitantes não beneficia dos dividendos da riqueza que aquela terra produz. Para o governo, o perigo do sentimento anti-angolano justifica que o governa aja com agressividade para eliminar focos críticos. Quaisquer preocupações legítimas ou constitucionais que sejam desfavoráveis ao poder são facilmente apodadas de crimes contra a segurança de Estado.

Em 2010, o governo usou, com sucesso, o ataque armado à selecção de futebol do Togo, que se deslocava a Cabinda para participar no Campeonato Africano das Nações, para desarticular a sociedade civil organizada e incómoda em Cabinda. Alguns dos seus líderes mais vocais e articulados foram detidos, assim como outros activistas da sociedade civil, e passaram praticamente um ano na prisão. Um deles era o então padre Raúl Tati, ex-vigário da Diocese de Cabinda, e o advogado e defensor dos direitos humanos Francisco Luemba.

As suas detenções assinalaram o desmembramento do que era um grupo de intelectuais que podiam articular ideias e mobilizar as massas. Os perpetradores do ataque à selecção do Togo nunca foram levados à justiça, mas os líderes da sociedade civil pagaram o preço.

Passados cinco anos, Marcos Mavungo, que é conhecido pelas suas ideias radicais sobre Cabinda, permaneceu como um dos poucos activistas que mantinham um registo competente sobre violações dos direitos humanos. A sua tentativa de organizar uma manifestação “violou” o perfil discreto que vinha mantendo. Tentou o regresso.
 
Entretanto, Arão Bula Tempo é o paladino e o mais antigo de um punhado de defensores dos direitos humanos em Cabinda. O facto de ser o presidente da Comissão Provincial da Ordem dos Advogados de Angola em Cabinda tornou-se um espinho quer para o governo quer para a ordem. Usa o seu cargo para promover os direitos humanos.

Como advogado, Arão Tempo não se tem esquivado de defender casos sensíveis do ponto de vista político, que os seus colegas preferem evitar. A expulsão violenta de cidadãos congoleses, as demolições e os casos regulares de detenções por “crimes contra a segurança de estado” estão entre as causas que tem defendido de forma destemida. Desde 2010, é praticamente a única voz com autoridade na defesa dos direitos humanos no enclave.

Arão Tempo descurou o seu bem-estar pessoal para servir os pobres, que têm formado enchentes no seu pequeno escritório, em busca do seu patrocínio judicial. Este é o seu poder junto da sociedade e o que levou as autoridades a tomarem-no como alvo. Tem sofrido actos constantes de intimidação e ameaças de morte por parte de agentes da segurança. Não lhe podem tolerar que seja um homem do povo. Isso é muito perigoso.

De acordo com os seus perseguidores, Arão Bula Tempo entrou em contacto com alguns jornalistas congoleses para que estes fossem a Cabinda cobrir a manifestação. Mesmo que tenha sido esse o caso, desde quando a cobertura de uma manifestação constitui um crime contra a segurança de Estado? As liberdades de expressão e de imprensa são um crime?

Outro rumor em desfavor de Arão Bula Tempo aponta-o como estando a preparar a publicação de um relatório sobre os direitos humanos. Mais uma vez, em que medida é que essa intenção pode ser um crime contra a segurança de Estado?

Na cela, Arão Tempo e Marcos Mavungo, que têm pontos de vista divergentes sobre a organização da sociedade civil em Cabinda, dispõem agora tempo para resolver as suas diferenças e forjarem ideias comuns.

Não há sofisticação nas estratégias e nos actos do regime que visam enfraquecer todos os indivíduos que têm conhecimento e capacidade de liderança, impedindo-os de representar os interesses dos mais necessitados. Se há alguma sofisticação, é na propaganda e nas relações públicas, a nível internacional, para se projectar uma imagem diferente da realidade.

#makaangola.org

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seu comentário é sempre bem vindo desde que contribua para melhorar este trabalho que é de todos nós.

Um abraço!

Samuel

Total de visualizações de página