A rapper norte-americana Nicki Minaj não ligou aos apelos e foi actuar no país onde uma em cada seis crianças morre antes de completar cinco anos. Angola é, aliás, o país onde morrem mais crianças. A anfitriã, Isabel dos Santos, compensou-a com o módico cachet de cerca de 2 milhões de dólares. Coisa pouca.
Segundo a Unicef, para além dos números preocupantes relativos à
mortalidade infantil, os dados indicam ainda que mais de um quarto das crianças
está fisicamente afectado pela subnutrição e que os casos de morte materna
durante o parto são de 1 em 35.
Os pais destas crianças que, ao contrário do que pensa o paizinho da
rainha santa Isabel, são angolanas, ficaram felizes porque – segundo o regime –
a presença de Nicki Minaj ajudou a alimentar muita gente. E é verdade. O clã
presidencial alimenta-se muito bem.
Thor Halvorssen, presidente da Human Rights Foundation, bem disse que a
corrupção e nepotismo do regime angolano são uma realidade há 40 anos. Mas não
adianta. As crianças morrem à fome? Morrem. Mas o que é que isso interessa? Se
os governos europeus e norte-americano idolatram José Eduardo dos Santos,
considerando-o um ditador… bom, porque carga de chuva Nicki Minaj não poderia
ir sacar uma massas, indiferente ao sofrimento dos angolanos?
A história nem sequer é nova. Há dois anos já a Human Rights Foundation
(HRF), organização de defesa dos direitos humanos sediada em Nova Iorque,
acusou a cantora norte-americana Mariah Carey de ter aceitado um cachet de um
milhão de dólares para dar um concerto para a “cleptocracia de pai e filha” no
poder em Angola.
Na altura, a HRF argumentou que, ao actuar num espectáculo de
beneficência para a Cruz Vermelha de Angola, a cantora estava a aceitar
“dinheiro da ditadura”.
Em Dezembro de 2013, Mariah Carey foi cabeça de cartaz na segunda edição
do Baile Vermelho, uma gala anual destinada a recolher fundos para a Cruz
Vermelha de Angola, presidida por Isabel dos Santos. Segundo a organização, a
presença de Carey terá ajudado a angariar 65 mil dólares. E a cantora
contribuiu mais directamente com sete mil dólares, que foi o preço atingido em
leilão por um dos vestidos que usou na gala da Cruz Vermelha. Além deste
espectáculo, que decorreu no Hotel e Centro de Convenções de Talatona, Mariah
Carey deu ainda um outro concerto no Estádio dos Coqueiros, também em Luanda,
promovido pela operadora de telecomunicações Unitel, de que Isabel dos Santos
é… co-proprietária.
Thor Halvorssen, presidente da Human Rights Foundation, também divulgou
na altura um comunicado no qual descreveu a actuação de Mariah Carey em Angola
como “o triste espectáculo de uma artista internacional contratada por um
implacável estado policial para entreter e branquear uma cleptocracia de pai e
filha que acumulou biliões em rendimentos ilícitos”.
Recorde-se que, em 2011, Mariah Carey confessou publicamente o seu embaraço
por ter cantado, em 2008, para o ditador líbio Muammar Khadafi e respectiva
família. “Fui ingénua e não sabia por quem estava a ser contratada” afirmou
então a artista, acrescentando que “a lição” a tirar do episódio é a de que os
artistas “têm de ser mais conscientes e responsáveis”.
Nick Minaj fez-se fotografar embrulhada numa bandeira angolana (“Angola,
amo-te”, escreveu), ou ao lado de uma Isabel dos Santos em pose informal. “Nada
de especial… Ela é apenas a oitava mulher mais rica do mundo”, escreveu a
cantora.
Em Junho deste ano, o jornal “The New York Times” mostra a realidade dos
serviços de saúde de Angola, o país do mundo com um índice mais elevado de
óbitos entre crianças, e ligou-os aos números devastadores à corrupção.
Tudo começa, na reportagem, com uma mãe e uma avó que vêem morrer em
frente aos seus olhos o seu menino. É José. O hospital é impecável, pelo menos
nas infra-estruturas e limpeza. Mas, como em tantos outros que aparecem na
reportagem, faltam médicos e enfermeiros.
Há 60 mil crianças que morrem todos os dias no mundo. Mas em nenhum país
morrem mais crianças do que em Angola. “Ainda assim o governo decidiu cortar os
custos com a saúde em 30%”, alerta o jornalista Nicholas Kristof que,
juntamente com Adam B. Ellick, assinam o trabalho do jornal norte-americano.
Os jornalistas do “The New York Times” apontam a corrupção como o factor
que espoleta esta tragédia humanitária em Angola e mostram imagens das festas
do centro da capital Luanda em que Porsche e Jaguar são meio de transporte
habituais e o champanhe é rei nos balcões dos bares.
O jornal norte-americano descreve um país de muitas e profundas
desigualdades, em que o petróleo e os diamantes deviam ser mais do que
suficientes para evitar a morte de crianças.
Nicholas Kristof diz que a maior parte dos casos de morte de menores
eram possíveis de prevenir e no texto introdutório da reportagem afirma que
nunca mais poderá fazer outro trabalho igual naquele país africano.
“Angola naturalmente não recebe bem os jornalistas. Demorei cinco anos
até conseguir um visto para entrar em Angola, e depois desta reportagem duvido
que mais alguma vez consiga entrar no país enquanto este regime estiver no
poder”, avança o jornalista.
Nicholas Kristof descreve que o que mais o impressionou foram os
momentos que viveu “na Angola fora das cidades” em que as pessoas não têm
acesso a médicos ou a dentistas.
“É especialmente devastador ver crianças a sofrer por não terem
tratamento médico e que não podem sequer ir à escola. Ou então conhecer uma mãe
que já perdeu dez filhos, e isso é especialmente enfurecedor quando estamos a
falar de um país tão rico”, pode ler-se.
Nicholas Kristof pediu entrevistas ao Presidente angolano, José Eduardo
dos Santos, e à filha, Isabel dos Santos, mas ambos recusaram.
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Samuel