NO BALUR I STA NA NO KUNCIMENTI, PA KILA, NO BALURIZA KUNCIMENTI!...
Diogo Paixão
Imagine um grupo de homens armados com catanas e paus enfrentando um
sistema bem armado. Na História da Humanidade não são muitos os
episódios semelhantes aos que marcaram o início da luta armada em
Angola.
Era sábado e o calendário assinalava 4 de Fevereiro de 1961. O dia
despertou com um movimento estranho. Um grupo de homens determinados,
liderados por Neves Bendinha, Paiva Domingos da Silva, Domingos Manuel
Mateus, Imperial Santana e Virgílio Sotto Mayor, num total de cerca de
duzentos, desencadeou um conjunto de acções em Luanda.
O objectivo
era libertar os presos políticos que se encontravam nas cadeias,
acusados pelas autoridades coloniais de actividades subversivas.
Diversas
fontes contam que um dos grupos emboscou uma patrulha da Polícia
Militar, neutralizando os quatro soldados que se encontravam na viatura e
retirando-lhes as armas e munições. Os ho-mens tentaram assaltar a Casa
da Reclusão Militar, mas não foram bem sucedidos.
A cadeia da PIDE, no São Paulo, a 7ª Esquadra e a sede dos CTT - Correios, Telégrafos e Telefones foram também alvos de ataque.
Testemunhos
referem que desta acção resultou na morte de 40 nacionalistas, seis
agentes da Polícia e um cabo do exército português, junto da Casa da
Reclusão Militar, mas o historiador Cornélio Calei evita falar de
números.
“Houve mortes de ambos os lados. Aquilo foi um ataque às
estruturas do poder colonial e, obviamente, tinha que haver mortes”,
referiu, acrescentando que “os heróis foram ao encontro da morte para a
conquista da liberdade”.
Cornélio Calei lembra que os atacantes
estavam vestidos de preto, o que na tradição angolana significa luto.
“Eles tinham consciência de que muitos não voltariam a casa, podiam
morrer. Alguns deixaram mulheres, filhos e empregos para libertar os que
se encontravam encarcerados”, enfatizou.
Tendo em conta a resposta
brutal das forças policiais e militares, os revoltosos não conseguiram
libertar os presos. “Fisicamente não conseguiram libertá-los, mas
espiritualmente conseguiram. Sentiram que afinal não estavam sozinhos,
porque lá fora havia outros que lutavam por eles”, disse Cornélio Calei.
Segundo
relatos, os preparativos teriam iniciado em Outubro de 1960. Os
atacantes foram treinados sobre questões práticas, como manejar os
instrumentos que seriam utilizados no assalto, principalmente catanas,
ou desarmar guardas.
As informações disponíveis revelam que os
treinos decorriam à noite, na zona de Cacuaco, arredores de Lu-anda, e
quando começaram a recear infiltrações de indivíduos ligados à PIDE -
ex-tinta Polícia Política Portuguesa -mudou-se para o Cazenga, no local
em que está erguido o Marco Histórico do 4 de Fevereiro.
“Aquilo era
um matagal. É lá onde à noitinha se reuniam. A cidade estava organizada
com as suas estruturas militares e no dia 4 de Fevereiro de lá partiram
para o levantamento”, lembra Cornélio Calei.
O historiador afirma
que a escolha da data do ataque teve em atenção o facto de se
encontrarem em Luanda, na altura, jornalistas estrangeiros que
aguardavam a chegada do paquete “Santa Maria”, assaltado dias antes no
alto mar por um grupo liderado por Henrique Galvão, um oposicionista do
regime de Salazar, informação já revelada por outras fontes.
Cornélio
Calei refere que quando se soube que o navio não viria para Luanda e os
jornalistas começaram a preparar-se para abandonar a capital angolana,
os nacionalistas decidiram lançar o ataque para chamar a atenção da
comunidade internacional sobre a repressão que se vivia no país.
“Havia
muitos jornalistas em Luanda para cobrir o evento e os protagonistas da
acção acharam que aquela era a melhor altura para que o assalto tivesse
projecção mediática internacional”, referiu Cornélio Calei, sublinhando
que estavam todos vestidos de negro.
Tudo o que se sabe, pelos
depoimentos de pessoas que estavam envolvidas no ataque, o cónego Manuel
das Neves foi o principal mentor.
Sacerdote católico, as suas
actividades levaram-no em Março do 1961 à detenção pela PIDE , em
Luanda, de onde foi transportado para a prisão do Aljube, tendo, depois,
por imposição do regime colonial, ficado com residência fixa em
Portugal, onde viria a falecer em 1964.
Em Novembro de 2018 cónego Manuel das Neves
foi condecorado, a título póstumo, pelo Presidente João Lourenço com a Ordem da Independência de Primeiro Grau.
Reacção das autoridades portuguesas foi brutal
O historiador Cornélio Calei afirma que o levantamento de 4 de
Fevereiro de 1961 abriu caminho para a luta de libertação nacional, que
culminou com o derrube do colonialismo em Angola.
“A partir daquela
altura começou a decadência do império colonial português”, refere
Cornélio Calei, sublinhando que nos palcos internacionais, como na ONU,
Portugal começou a ficar mais isolado por resistir à descolonização.
As
primeiras críticas à resistência do Governo português de descolonizar
datam de 10 de Março de 1961, quando a questão foi apresentada nas
Nações Unidas. A delegação portuguesa abandonou a Assembleia-Geral. No
mês seguinte, a ONU anunciou posição favorável à auto-determinação de
Angola. No ano seguinte, a OUA -Organização de Unidade Africana,
substituta da União Africana - cortou as relações com Portugal.
No
entanto, Portugal reforçou a presença militar em Angola. Milhares de
soldados fortemente armados foram perseguindo não só os participantes da
revolta, mas sobretudo as populações indefesas, que eram as principais
vítimas dessas barbáries que incluíam raptos e assassinatos, um pouco
por todo o país. Isso fez com que muitos fossem para as matas, aderindo
ao movimento de guerrilha acabado de nascer.
O 4 de Fevereiro foi antecedido de outros levantamentos, como a
revolta da Baixa de Cassanje, em Malanje. Milhares de trabalhadores dos
campos de algodão, da companhia luso-belga Cotonang, protestavam contra
as duras condições de trabalho e de vida e a constante repressão. Os
trabalhadores decidiram fazer greve e armaram-se de catanas e
canhangulos (espingardas artesanais).
A resposta das forças
portuguesas foi dura e violenta. Companhias de caçadores especiais foram
destacadas para uma perseguição im-piedosa. Aviões da Força Aérea
Portuguesa lançaram bombas incendiárias , tendo provocado um número
bastante elevado de mortos.
O historiador Cornélio Calei afirma que estes acontecimentos inspiraram os angolanos para a luta de libertação nacional.
Quando os protagonistas decidem optar pelo silêncio
A menos de oitocentos me-tros do Marco Histórico 4 de Fevereiro está o
Comité com o mesmo nome. É a sede dos protagonistas dos levantamentos
que naquela madrugada sacudiram Luanda.
Algumas casas precárias e uma
rua que vai terminar na linha férrea, lá para os lados da Precol,
separam os dois lugares simbólicos. De um lado está a Comissão do
Cazenga, do outro, o Bairro da Cuca. É aqui onde se situa o Comité 4 de
Fevereiro, num edifício que no passado pertenceu à Cooperativa “Alegria
pelo Trabalho”.
Quando lá chegamos para colhermos depoimentos sobre a
efeméride que hoje se assinala, não encontramos nenhum responsável.
Apenas um funcionário e uma empregada de limpeza. Deixamos os contactos.
Logo que chegamos à Redacção, o telefone tocou. Ao manifestarmos o
interesse em enriquecer o nosso trabalho, com testemunhos de
sobreviventes do 4 de Fevereiro, fomos respondidos com um “não”
contundente.
Um dos responsáveis disse que os integrantes do Comité
tinham decidido, em reunião, optar pelo silêncio, em protesto ao alegado
estado de abandono em que se encontram. De nada valeu a nossa
insistência. “Este ano decidimos não realizar palestras, nem dar
entrevistas. As pessoas só se lembram do 4 de Fevereiro nessa altura,
quando se podia falar sobre assunto noutras ocasiões”, comentou.
De
fora, nada indica que aquele espaço é a sede do Comité 4 de Fevereiro.
Com a pintura das paredes vencida pelo tempo, e sem nenhuma bandeira ou
qualquer símbolo que o identifique, aquele espaço parece uma residência
comum a clamar por reabilitação. Dentro, o cenário não muda muito. O
mobiliário pede substituição.
fonte: jornaldeangola
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