O Presidente da República de Angola (não nominalmente eleito), igualmente Presidente do MPLA (partido no Poder desde 1975) e Titular do Poder Executivo, João Lourenço, admite que “fez parte do sistema” que sustentou o seu antecessor, mas salientou que só os que conhecem o regime por dentro estão preparados para fazer grandes mudanças. Foi descoberta a pólvora. Ponto.
Assim,
porque as ideias de João Lourenço vão fazer escola, os próximos
dirigentes da Polícia serão recrutados entre os mais violentos
criminosos, pois só os que conhecem o assunto por dentro estão
preparados para fazer grandes mudanças.
Igualmente
os próximos dignitários (do MPLA) para combater a corrupção serão
recrutados entre os maiores corruptos, pois só os que conhecem o assunto
por dentro estão preparados para fazer grandes mudanças.
Em
entrevista à DW, João Lourenço, que foi ministro da Defesa do
ex-presidente José Eduardo dos Santos, secretário-geral e
vice-presidente do MPLA, partido do poder em Angola há 44 anos,
sublinhou que “ninguém pode dizer que não fazia parte do sistema”, mas é
também por conhecer o sistema por dentro que tem condições para
“corrigir o que está mal”.
Esquece
o Presidente de todos os angolanos (do MPLA), que existe uma
substancial diferença entre fazer parte do sistema e ser dirigente (por
exemplo ministro da Defesa) desse mesmo sistema; entre aplaudir quando o
sistema colocou na cadeia alimentar dos jacarés muitos angolanos; entre
defender o sistema quando muitos angolanos foram detidos por se
manifestarem a favor daquilo que João Lourenço diz agora defender.
Desde
que tomou posse, há mais de dois anos, João Lourenço tem dado (mais em
termos mediáticos e de propaganda) prioridade ao combate contra a
corrupção e pelo regresso dos capitais ao país, projectos que – para
além de levaram a justiça a mover um processo contra a filha do seu
antecessor, Isabel dos Santos, e uma ordem de arresto de bens no valor
de mil milhões de euros – são dignos de um Nobel da manipulação por
esconderem a catástrofe económica e social do país.
“Quem
fez as grandes mudanças não são pessoas de fora, são as que conhecem o
sistema”, afirmou o chefe de Estado, acrescentando: “Somos nós, do
partido que sempre governou o país, que estamos a fazer as reformas que
eram absolutamente necessárias que fossem feitas”.
Assim,
pela voz do próprio Presidente, todos ficamos a saber (é caso para
dizer: Obrigado Presidente) que o MPLA é “o partido que sempre governou o
país”. Ficam ainda dúvidas por esclarecer. Se é como João Lourenço diz,
na altura dos massacres de 27 de Maio de 1977 quem estava no Governo?
Na
entrevista, João Lourenço falou também, pela primeira vez, sobre a
investigação do “Luanda Leaks”, que expôs (de forma juridicamente
inválida) os esquemas financeiros por detrás do império de Isabel dos
Santos, realçando que não estão a decorrer quaisquer negociações com a
empresária e filha do antigo presidente angolano, actualmente arguida
num processo-crime em Angola.
“Não
se vai negociar, na medida em que houve tempo, houve oportunidade de o
fazer. Portanto, as pessoas envolvidas neste tipo de actos de corrupção
tiveram seis meses de período de graça para devolverem os recursos que
indevidamente retiraram do país. Quem não aproveitou esta oportunidade,
todas as consequências que puderem advir daí são apenas da sua inteira
responsabilidade”, declarou João Lourenço, pondo as mãos no fogo (as
mãos dos outros, é claro) pela independência do sistema judicial do
reino.
Questionado
sobre outras investigações judiciais, em particular sobre o Presidente
Emérito do MPLA, José Eduardo dos Santos, explicou que os antigos
presidentes gozam de imunidade durante pelo menos cinco anos e que
compete à justiça tomar essas decisões, rejeitando que existam processos
políticos.
“Quem
abre os processos-crime na Justiça não são os políticos. É a própria
Justiça quem vai atrás de possíveis crimes. Portanto, todos aqueles que
estão a contas com a Justiça que não pensem que é o poder político quem
os empurrou para a Justiça”, adiantou. Traduzindo: quem manda é poder
político, mas quem empurra são os… sipaios do poder político.
João
Lourenço garantiu que “Justiça tem as mãos livres para actuar” e que
ninguém pode dizer “’eu não posso ser ouvido’” ou “constituído arguido”.
José Eduardo dos Santos dizia o mesmo. Agostinho Neto também, embora na
prática não gostasse de “perder tempo com julgamentos”.
Quanto
ao caso do ex-vice-presidente Manuel Vicente, acusado de pagar quase um
milhão de euros de suborno a um procurador português, lembrou que este
goza também de imunidade e que o facto de ter sido pedido que o processo
fosse transferido para Angola, “não significa absolvição”. Claro que
não. Será certamente julgado quando for feita justiça sobre os mandantes
dos massacres de 27 de Maio de 1977.
João
Lourenço disse também que Manuel Vicente não é seu conselheiro, uma
“invenção” que atribui “aqueles que não queriam que o processo fosse
transferido de Portugal para Angola”. Aliás tudo leva a crer que João
Lourenço nem sequer conhece Manuel Vicente.
O
também chefe do executivo angolano frisou que o facto de ter assistido
ao longo dos anos à corrupção no país e “por não concordar que a
situação continuasse”, decidiu travar este combate. Só assistiu? Não foi
conivente, activo ou passivo, com esse crime? Não beneficiou dele? A
corrupção não financiou a sua campanha eleitoral? Se calhar João
Lourenço deveria ser (no mínimo) investigado. É que não basta ser sério.
“Hoje
temos a oportunidade de mudar esse estado das coisas, pensamos que é o
momento de fazê-lo. Sabemos que é preciso muita coragem. Encontramos
alguma resistência. Preferimos lutar contra ela do que nos acomodarmos e
deixar que as coisas continuem como antes”, reforçou.
Folha 8 com Lusa
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Samuel