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terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Angola: Raul Manuel Danda ‘Não sou facilmente manipulável’.

NO BALUR I STA NA NO KUNCIMENTI, PA KILA, NO BALURIZA KUNCIMENTI!...

Como é que surge o político Raul Danda?
Primeiro devo dizer que o sangue político começou a fervilhar por causa do meu pai. Era alguém que vibrava muito por causa destas questões de liberdade, independência e fui ganhando um bocadinho isso. Entro na política, digamos assim, um bocadinho de uma forma desportiva, na altura era muito jovem e estávamos em 1974-75.
Estávamos no final da era colonial e nós entrámos. Entrei na JMPLA, onde cheguei a ter responsabilidades a nível do Departamento de Organização Política, em Cabinda, e é nessa qualidade que depois chegámos ao 11 de Novembro, o dia da Independência. Devo dizer que nessa altura, estava em Cabinda, houve aquela investida, a 8 de Novembro de 1975, levada a cabo pela FLEC, ajudada pelo exército zairense que tinha depois alguns mercenários. Aquela guerra, própria daquela época, com mercenários franceses, cujo objectivo era de facto tomar Cabinda e impedir que a independência de Angola fosse proclamada também em território de Cabinda.

Quando isso acontece ainda fazia parte da JMPLA?
Absolutamente. Corre depois a fase de 1975, 76 e 77, e é no dia 27 de Dezembro de 1977 parece que as opções políticas foram sempre feitas neste mês que decidi deixar não só a JMPLA, como o MPLA e Cabinda, em termos daquela vida urbana, porque, na altura, já tinha feito o sétimo ano, que era o final do ensino médio. Depois de uma passagem pelo ciclo preparatório, na Escola Preparatória Barão de Puna, e o Curso Geral de Administração e Comércio, onde fiz o terceiro, quarto e o quinto anos. E depois dessa passagem, quando já tinha feito o sétimo ano dos liceus, decidi abandonar Cabinda. Fi-lo porque tinha deixado de acreditar no projecto de justiça e liberdade do MPLA, isso porque estava a andar com um amigo meu que na altura era da DISA e vivia num apartamento meu e hoje é um grande empresário que está em Cabinda. Esse meu amigo, depois do Natal de 1977, passávamos em frente daquilo que agora é um posto de Polícia, junto da Administração Municipal de Cabinda, onde era a cadeia de PIDE e a DISA herdou. As pessoas eram de tal maneira maltratadas que eu depois interroguei-me: será isso sairmos da opressão para a liberdade? Se liberdade é isso, então não quero essa liberdade. As pessoas eram espancadas, brutalmente tratadas... Recordo-me que falando com esse meu amigo, perguntava quem eram as pessoas que estavam a gritar e ele dizia-me que “são uns FLEC’s”. Era aquela altura em que qualquer pessoa de Cabinda era considerado FLEC, qualquer pessoa do norte de Angola era FNLA e qualquer pessoa do centro e sul do país um Kwacha. Isso tudo estava ligado ao rótulo contra-revolucionário, reaccionário, etc, etc. Doeu-me muito ver aquela imagem. Recordo-me que já tinha visto o meu nome numa lista de agentes da FLEC, num dos postos de controlo montados pelo MPLA onde as pessoas tinham de mostrar os documentos. Como muita gente não me conhecia pelo nome e tratavam-me apenas de ‘Jota’, por causa da JMPLA, diziam-me “Jota pode passar”. Mas eu vi o meu nome todo ali, “Raul Manuel Danda”, na lista de pessoas que consideravam da FLEC. Foi no Posto de Controlo do Cabassango. Nesse dia, vi o meu grande amigo João Gime, que foi meu colega no ensino médio, a ser retirado da viatura onde estávamos, a ser brutalmente espancado, atirado para um jeep da Polícia Militar e o levaram. Quando vejo o meu nome pensei em falar com o comandante da Polícia Militar, o “camarada Amaral”. Falei com ele. Disse-lhe que tinha visto o meu nome na lista da FLEC e ele disse que não podia ser. Afinal o que é que tinha ocorrido? Um colega que tinha estudado connosco no quinto ano e acabou por ficar demente foi apanhado nas planícies do Cacongo. Perguntaramlhe se era da FLEC e ele disse que sim. A primeira coisa que o bom senso devia ditar é que alguém que diz que sim, quando sabe que isso podia trazer a morte, só podia ser uma pessoa maluca. Ele foi posto na cadeia e perguntaram-lhe os nomes dos outros amigos da FLEC que ele conhecia. Como é obvio, ele pôs os nomes de todos os antigos colegas do quinto ano e as pessoas foram espancadas, uma presas e outras não se sabe se terão desaparecido. E quando depois se chega à conclusão que a lista continha os colegas do quinto ano, falei com o Amaral e ele decidiu tirar a lista dos postos de controlo, mas já muita gente tinha pago por uma coisa que não tinha feito. Como dizia, na manhã de 25 de Dezembro vejo isso, fiquei muito triste e resolvi sair. Na altura falei com o meu pai, disse-lhe que estava desapontado e ele sempre foi alguém dos “contra” em relação ao MPLA. Ele nunca quis o MPLA. Disse-lhe que queria ir para a FLEC e perguntou-me se era mesmo isso que eu queria.

Como é que surge a UNITA em vez da FLEC?
Como dizia, na manhã de 25 de Dezembro vejo isso, fiquei muito triste e resolvi sair. Na altura falei com o meu pai, disse-lhe que estava desapontado e ele sempre foi alguém dos “contra” em relação ao MPLA. Ele nunca quis o MPLA. Disse-lhe que queria ir para a FLEC e perguntou-me se era mesmo isso que eu queria. 
Isso surgiu muito depois. É que eu depois fui mesmo. No dia 27, dois dias depois, eu mais algumas pessoas. Fez-se um contacto com o pessoal da FLEC porque as bases dos militares estavam mesmo próximo das aldeias e eles vieram buscar-nos. Fomos até um determinado ponto e pegaram-nos. Saí, levava comigo uma pistola Makarov que tinha e uma Kalashnikov. Sei que mais tarde foram buscar o meu pai, porque disseram primeiro que estavam preocupados com o meu desaparecimento. Disseram-lhe: “você sabe onde foi o seu filho”, porque primeiro pensaram que tinha sido um rapto mas depois chegaram à conclusão que tinha fugido. Meu pai também, com toda a artimanha, disse-lhes que estava convencido que o meu filho estava com eles (MPLA) na cidade de Cabinda. Meu pai dizia: “ele é do MPLA como vocês, por isso têm que me explicar onde está o meu filho. Vocês raptaram o meu filho, fizeram alguma coisa com ele”. Tiveram depois de pegar no velhote e levar de volta à nossa aldeia, Malembo. Então vou para a FLEC, tive uma passagem um bocadinho curta com algumas experiências boas e más. Experiências más na medida em que naquela altura vigorava muito algum combate entre intelectuais e não intelectuais, algumas perseguições aqui e ali, era fácil acusar-se as pessoas de serem agentes do MPLA, porque depois olhavam para o status social e diziam: “este indivíduo não pode ter vindo aqui para se juntar à guerrilha”. Coisas que depois começaram a ser superadas como em qualquer guerrilha ou movimento de libertação. Fiquei os anos de 1977, 78 e depois fiquei doente com uma anemia muito grave. Fui para o campo de refugiados do Kimbianga, no Congo Democrático, tratei-me e depois acabei por ficar a dar aulas numa escola das Nações Unidas. Depois disso, além deste trabalho comecei a fazer tradução, porque no campo de refugiados havia um curso de enfermagem e os professores tinham que dar aulas. Como havia um livro grande “Guia Médico Africano”, que continha as matérias todas, como anatomia, profilaxia, farmacologia, etc, então eu traduzia partes de cada uma destas disciplinas para que os professores pudessem dar aulas. Fui também aprendendo coisas ligadas à enfermagem sem nunca ter feito este curso. Fiquei ali, depois tive uma bolsa da Cáritas e as opções que me apresentaram era para fazer electrónica industrial ou mecânica. Apesar de no ensino médio ter pensado em fazer Economia, só para estudar tive de fazer uma opção, fui fazer electrónica industrial. Na verdade, nunca foi muito minha queda, estudei o primeiro ano na vila de Boma e depois fui para Kinshasa, onde fiquei também a estudar. E acabei por ficar em Kinshasa até 1984. Neste ano conheci o Abel Chivukuvuku, ele conhecia um pouco a comunidade angolana. Na altura nós recusávamos que nos chamassem angolanos e dizíamos que éramos cabindenses.
Então, ele conhecia a minha tia Nenette, que era uma proeminente responsável da FLEC. Conheci também o Kile, meu camarada também que estava lá na representação da UNITA, e fomos convidados a ir visitar a Jamba. E lá fomos, cinco jovens. Além de mim estava também o falecido Filipe Chimpolo, que chegou a ser presidente do grupo parlamentar da UNITA, o Rafael Brás, que foi major dos comandos da UNITA, o Frank e o Bartolomeu. Portanto, nós éramos cinco jovens e fomos no dia 16 de Dezembro de 1984 para conhecer a Jamba.

Nesta altura já tinha alguma simpatia pela UNITA?
Não tínhamos assim grande simpatia pela UNITA, sabíamos na altura que a UNITA era um movimento que combatia o MPLA e isso para nós já era muito bom. Portanto, era a política segundo a qual “o inimigo do nosso inimigo é nosso amigo”.
Aquela curiosidade... porque ouvíamos falar muito da Jamba, do Dr.
Savimbi, via-o na televisão a fazer aqueles discursos e intervenções, então não queria perder a oportunidade de estar com esse homem.
Disse que iria à Jamba, aceitei logo e os outros também.

Qual foi impressão que teve quando chegou à Jamba?
Primeiro não se aterrava na Jamba.
O voo que nos tirou de Kinshasa aterrou no Likwa, que era o único sítio com uma pista de aterragem.
Depois fizemos oito horas de carro porque a estrada é muito arenosa, na mata, e os camiões é que inventavam estradas, passando por cima das árvores. Quando chegámos à Jamba primeiro fiquei positivamente admirado com uma coisa: fiz uma comparação entre a guerrilha que conhecia na FLEC e a que fui encontrar na UNITA. Fui encontrar pessoas a viverem em casas, uma administração organizada, não me lembro de ter faltado luz durante o tempo em que estive na Jamba, nem água.
Interrogava-me como é que pessoas podiam estar organizadas assim em plena mata com aquelas condições.
Havia postos de abastecimento de combustível, é verdade que os postos não eram como estes, mas havia aqueles tanques grandes de borracha que levavam milhares de litros de combustível para abastecer os camiões. Vi que havia uma estrutura de transporte para levar a comida para as pessoas e o combustível, armamento e transportar as tropas onde desse, porque depois o percurso era a pé. Em princípio era para ficar oito dias e depois regressar, infelizmente – ou se calhar felizmente – porque o back ground político que tenho hoje devo-o ao facto de ter estado na UNITA durante aqueles oito anos.
Acabei por ficar oito.

Ficou na Jamba forçado ou por vontade própria?
Não tínhamos assim grande simpatia pela UNITA, sabíamos na altura que a UNITA era um movimento que combatia o MPLA e isso para nós já era muito bom. Portanto, era a política segundo a qual “o inimigo do nosso inimigo é nosso amigo”. 
No princípio não foi uma coisa muito pacífica, devo dizer. O que aconteceu foi que ao cabo dos oito dias vimos que a gente não voltava. Então fomos ao gabinete do Dr.
Savimbi, onde fomos falar na altura com o Camarada Mango Alicerces que era o seu director de gabinete. Dissemos que tínhamos que voltar, porque estudávamos e que não queríamos continuar a ficar na mata. Disseram-nos que havia um problema diplomático com o Zaíre e que esperássemos mais uma semana.
Esperámos e depois chegaram as festas de Natal, os pilotos sul-africanos estavam de férias e acabámos por ir ficando, até que depois percebemos que era intenção da direcção da UNITA na altura que nos mantivéssemos lá. Como se diz em linguagem popular, na altura fomo-nos aos arames, ficamos muito aborrecidos por causa disso. Lembro-me que, na altura, fiz um escândalo e mais alguma coisa. O meu querido tio Nzau Puna depois teve de me ouvir. Disse-lhe tudo mais alguma coisa. Percebi o que a UNITA queria. O recrutamento de quadros, em termos de guerrilha, passa muitas vezes também por aí.
Não há nenhuma guerrilha onde há democracia, porque a primeira que o tentasse iria sucumbir. Mas, naquela altura, o entendimento não podia ser isto porque a vontade era voltar para Kinshasa e continuar a estudar.
Acabámos por ficar aí integrados na actividade política da UNITA, depois fiz uma grande viagem, uma maratona com o general Kamalata Numa, na altura coronel, que foi a pessoa a quem eu e o meu amigo e parente Filipe Chimpolo fomos entregues para nos treinar em termos revolucionários. Sei que saí do KuandoKubango para o interior, passámos primeiro pelo Rundu, na Namíbia, depois voltámos a sair no Cunene e ali fomos andando a pé, passando pela Huíla, depois Huambo, dali para o Bié e por último, no saliente do Cazombo, Moxico. A iniciação na revolução foi essa, lembro-me que tive o baptismo de fogo no Vissati, uma localidade no Kuando-Kubango, e depois fomos andando. Foi quando em 85/86 nos estabelecemos de forma quase definitiva na Jamba, porque havia sempre esta ou aquela movimentação. Fomos introduzidos na Voz da Resistência do Galo Negro.
Primeiro comecei por fazer o programa em língua Ibinda, aquilo que as pessoas normalmente chamam “fiote”. Devo abrir um parêntesis, mais uma vez, para dizer que “fiote” significa língua do africano ou do negro. O que significa que o kuanhama, nganguela, umbundu, zulu, xosa, lingala, etc. são fiotes.
Então acabei por fazer o programa em língua ibinda. Era a primeira vez que fazia locução e o jornalismo foi começando a ser feito assim, primeiro praticando e depois aprendendo.
Naquela altura os programas eram gravados e depois mandávamos para o sul-africanos fazerem a emissão na Namíbia. Muitas vezes punham programas actualizados, mas depois começou-se a perceber que, se calhar como eles não percebiam o português ou por desleixo, colocavam programas ultrapassados e isso já não nos ficava bem. Até que depois o Dr. Savimbi achou que era melhor termos a nossa própria estrutura na Jamba. Um dia destes sugerimos que em vez de Voz da Resistência do Galo Negro disséssemos apenas “Vorgan”.
E ficou uma sigla muito bonita e que foi bem aceite e adoptada, passámos para programas mais alargados.
Tínhamos noticiários em português, um de manhã, um à tarde e outro à noite, sabíamos que tínhamos demasiada audiência porque era a outra versão dos factos relativamente à diabolização que se fazia da UNITA.
Era o outro lado da verdade. Depois cheguei a chefe da redacção central da Vorgan, para depois, aquando da realização do 7º Congresso da UNITA, ser indicado pela direcção do partido ao cargo de Director-Geral de Informação da UNITA. Havia um ministro da Informação, um viceministro e eu era a terceira pessoa.
Na altura, o ministro da Informação era o Dr. Jorge Valentim e o vice-ministro o falecido Norberto de Castro.
Como o Norberto de Castro estava em Portugal, então quem assumia a segunda pessoa na informação da UNITA era eu. Assim foi ficando até que se aproximou a fase dos Acordos de Bicesse, em que os angolanos tinham chegado a um entendimento que tinham de pôr de parte as armas e dialogar.

Como é que pode descrever essa mudança, o clima de camaradagem e depois a sua saída forçada com ida para a Tendência de Reflexão Democrática (TRD), com o actual provedor Paulo Tjipilica e outros antigos responsáveis da UNITA?
Acabamos por ficar aí integrados na actividade política da UNITA, depois fiz uma grande viajem, uma maratona com o general Kamalata Numa, na altura coronel, que foi a pessoa a quem eu e o meu amigo e parente Filipe Chimpolo fomos entregues para nos treinar em termos revolucionários.
O que ocorreu foi o seguinte: como entende, uma guerrilha tem altos e baixos, coisas boas e más. O facto de se conduzir uma guerrilha com alguma mão de ferro havia de facto aquelas injustiças que se praticavam, pessoas que eram presas porque muitas vezes os dirigentes vivem de informação e essa informação muitas vezes não é confirmada, acabam por levar pessoas para a cadeia. Fiquei preso, foi na altura em que o mais velho Nzau Puna, Tony da Costa Fernandes e o falecido Dr. José Ndele saíram da UNITA. Eles fizeram uma exigência ao Dr. Savimbi para que nós os cabindas que tínhamos ficado lá (Jamba) também saíssemos.

Sofreu sevícias na prisão?
Estive num buraco que, como sabe, não é um bom local para se viver. Fiquei nesse buraco durante 53 dias. Mas depois havia aquela coisa, o General Nzau Puna que já era ministro do Interior da UNITA, estava ora em Luanda, ora no Huambo e noutras cidades a espalhar a mensagem da UNITA. Na Jamba diziam-me que quem me tinha mandado pôr na cadeia era mesmo o ministro Nzau Puna e que tinha de esperar por ele.

Por sinal o próprio tio?
Exacto. Diziam-me: “você como é membro da direcção, não cabe a nós resolvermos este problema. Tem que ser resolvido entre vocês dirigentes do partido”. Fiquei e depois cheguei à conclusão de que mesmo o mais velho Nzau Puna não sabia dessa prisão, que tinha ocorrido de outra forma. Deram informações ao Dr.
Savimbi e ele depois ordenou essa prisão. São etapas próprias de uma luta. E quando todos nós saímos, como resultado dessa exigência, fomos para Kinshasa. Antes, tivemos um encontro com o Dr. Savimbi e as suas palavras foram estas: “os maninhos não partam as pontes!”.
Até dizia mais: que na solução do problema de Cabinda contaria sempre com o Nzau Puna, Tony da Costa Fernandes e comigo. Disse-lhe que sim e saí. Aliás, também uma coisa que é notória e se passarmos em revista os acontecimentos, vamos ver que o Dr. Savimbi nunca atacou os mais velhos Nzau Puna e Tony da Costa Fernandes mesmo depois de terem saído. Havia sempre aquela possibilidade de reconciliação por causa do desentendimento que tinha ocorrido. Devo portanto dizer que depois houve a Tendência de Reflexão Democrática. Era mesmo uma tendência que saía da UNITA, cujo objectivo era convencer a direcção da UNITA a criar uma democratização no seio do partido.
É verdade que as coisas naquela altura eram complicadas, mas depois da fase da guerrilha podia ocorrer.
Quando vim de Kinshasa, já as bases tinham sido lançadas para essa Tendência de Reflexão Democrática e como encontrei aqui o tio Puna, Tony da Costa Fernandes, o mais velho Ndele, o senhor Morais, então integrei-me, onde acabaria por me tornar secretário-geral adjunto. E com a saída do Dr. Paulo Tjipilika, que tinha de deixar de exercer funções políticas por causa da função de Provedor da Justiça, acabei por me tornar o Secretário-geral. Mais tarde, a UNITA e é preciso dizê-lo com todas as letras passou a ser o partido que deu, até hoje, mais demonstrações de democracia nesta fase do processo de uma Angola multipartidária.

Foi isso que lhe convenceu a regressar para a UNITA?
Absolutamente. Primeiro porque se nós estávamos numa “tendência” e o objectivo era ver essa democratização da UNITA – é verdade que opções são opções, porque o mais velho Tjipilica continua como Provedor de Justiça, que tinha sido proposto pelo MPLA, o mais velho Nzau Puna acabaria por integrar as fileiras do MPLA onde é membro do Comité Central e o mais velho Tony da Costa Fernandes também acabaria por integrar, razão pela qual ainda é hoje embaixador de Angola -, eu decidi que o melhor, por uma questão de coerência para comigo mesmo, era aproximar-me à UNITA. Quando isso ocorre foi ainda enquanto membro da sociedade civil de Cabinda.
Estive na base da fundação da Mpalabanda, cujo objectivo era ajudar os políticos do Movimento de Libertação de Cabinda (vulgo “FLECs”) a encontrarem uma solução pacífica para Cabinda. Falava-se do caso Cabinda, mas era preciso que alguma coisa se fizesse na prática, tínhamos chegado à conclusão que a guerra não levaria a lado nenhum e era preciso convencer os actores políticos, tanto do governo do MPLA como da FLEC, que era preciso calar as armas e dialogar com a boca que Deus nos deu. Fomos nós enquanto sociedade civil, enquanto Mpalabanda, que protagonizámos o encontro entre a FLEC-FAC, do meu estimado parente Nzita Tiago, e a FLEC-Renovada, de António Bento Bembe, que é hoje o Secretário de Estado dos Direitos Humanos, para que se encontrasse uma plataforma de entendimento.
Foi daí que saiu o Fórum Cabindês para o Diálogo (FCD), que é uma obra da sociedade civil de Cabinda; uma obra da politicamente extinta Mpalabanda.

O regresso à UNITA aconteceu antes das eleições de 2008 ou agora depois do congresso de 2011?
O regresso formal e definitivo à UNITA aconteceu há pouco tempo.
Quando viemos para o Parlamento, eu era deputado do grupo parlamentar da UNITA mas como independente, isso foi público. A Direcção da UNITA teve um acordo escrito com a Sociedade Civil de Cabinda para que esta participasse no Parlamento na discussão das questões. Afinal, se defendemos que era preciso encontrar-se uma via através do diálogo, o Parlamento também é uma boa tribuna para se levantar as questões ligadas a Cabinda. É verdade que até agora para o MPLA continua a ser uma questão tabu, mas nós estamos convencidos de que este assunto vai ter que ser debatido um dia. Porque Cabinda é um dos grandes debates nacionais e não vai ser possível fugir a isso. Fiquei como independente mas, a determinada altura, eu resolvi reintegrar definitivamente as fileiras da UNITA, como militante.

Mas uma UNITA já sem Savimbi. Era algum empecilho?
Alguém pode depois interrogar porque é que o Governo de Unidade e de Reconciliação Nacional (GURN) acabou, mas o senhor Bento Bembe que não é do MPLA, porque veio da FLEC, lá continua. Ele diz que é do Fórum Cabindês para o Diálogo, mas o Fórum não é nenhum partido ou movimento.
Não estou a dizer que o Dr. Savimbi tenha sido algum empecilho. Foi o momento em que isso ocorreu, porque as coisas ocorrem no momento certo. Nem cedo demais, nem tarde demais. Os franceses dizem “l’heure c’est l’heure; avant l’heure ce n’est pas l’heure; après l’heure ce n’est plus l’heure”. Podia ter sido na altura em que o Dr. Savimbi ainda estava em vida. Devo dizer que, na altura da UNITA Renovada, fui convidado para ser Vice-Ministro da Comunicação Social, porque um dos postos de vice-ministro era da UNITA, por força do Protocolo de Lusaka, mas eu declinei o convite.

Não se revia na UNITA Renovada?
Eu achava que não era a via para a solução do problema. Achava que a UNITA Renovada era mais um artifício para poder acalmar ânimos, porque na altura havia membros da UNITA cá, era preciso que tomassem uma posição para poderem preservar as suas vidas, depois daquele massacre que se assistiu depois das eleições de 1992, onde muitos dirigentes da UNITA foram chacinados. E também havia a UNITA que estava nas matas, que era dirigida pelo Dr. Savimbi, em plena guerra. Achava que era uma fase com alguma turbulência e confusão. A UNITA é um partido de diálogo, dialogámos com a direcção do Presidente Samakuva e houve essa predisposição para reintegrar as fileiras da UNITA. Hoje, como sabe, sou membro da direcção do partido, eleito pelo Congresso, porque estas grandes decisões são tomadas em congressos e na UNITA estes realizam-se de quatro em quatro anos.
Passado o 10º congresso, só tinha que ser este, porque o anterior foi na fase de preparação das eleições e eu ainda não era deputado. Este congresso depois, ‘aproveitou-se’, para que se fizesse essa rentrée nas fileiras da UNITA. Como sabe, sou membro da Comissão Política, do Comité Permanente da Comissão Política e da Comissão Executiva. Estou, digamos assim, no topo da Direcção da UNITA e hoje sou Presidente do Grupo Parlamentar, com o apoio da direcção do meu partido e de todos os meus colegas, sem excepção, trabalhando de forma afincada para ajudar Angola a tornar-se num país onde toda a gente possa viver e viver de forma digna e condiga.

“FUI ELEITO EM CABINDA, OS OUTROS DEPUTADOS FORAM NOMEADOS”

Durante os preparativos das eleições de 2008 ouvimos o actual Secretário do Estado para os Direitos Humanos, António Bento Bembe, a acusá-lo de que o senhor deputado estava a ser utilizado, que era “uma marionete da UNITA” para que este partido conseguisse alguns votos em Cabinda. Nunca sentiu isso?
Não sou facilmente manipulável.
Como sabe, já tive ofertas de avultadas somas de dinheiro e de altos postos no aparelho do Estado ou para integrar o MPLA, ou para me manter calado.

Oferta da parte de quem?
Do próprio Governo do MPLA. A UNITA era um partido que na altura da guerra tinha muito dinheiro. Além do dinheiro produzido pela própria UNITA, por diferentes meios, havia as ajudas que vinham do exterior, que não eram poucas. Hoje, a UNITA é um partido que tem que lutar com a quota dos seus membros, com algum dinheiro que vem do Orçamento Geral do Estado em função dos resultados das eleições gerais de 2008, ganhas pelo MPLA da forma como todos os angolanos sabem. O partido vai vivendo muito por força dos seus militantes e dos angolanos que acham que precisam e clamam por uma mudança real neste país. Portanto, marionete, nem pensar…

Não é invenção minha, isso foi dito pelo responsável do Fórum Cabindês para o Diálogo durante a campanha eleitoral passada...
Alguém pode depois interrogar porque é que o Governo de Unidade e de Reconciliação Nacional (GURN) acabou, mas o senhor Bento Bembe que não é do MPLA, porque veio da FLEC, lá continua. Ele diz que é do Fórum Cabindês para o Diálogo, mas o Fórum não é nenhum partido ou movimento. Aliás, dizia-se que o FCD seria transformado em partido político mas acabou por ficar FCD que praticamente já nem existe. Ele é membro do Governo na qualidade de quê? Ele não é do MPLA. Está lá na qualidade de quê? Se o senhor Bento Bembe disse isso naquela altura, hoje não teria certamente coragem de o repetir. Devo dizer que houve eleições em 2008 e por falar em eleições fizemos uma campanha bonita em Cabinda, que nos valeu cinco deputados e só a batota eleitoral ditou um deputado para a UNITA e quatro para o MPLA.

Tem certeza do que diz?
Se estiver atento nas minhas intervenções na Assembleia Nacional fui dizendo que eu era deputado da UNITA, eleito em Cabinda pelo povo de Cabinda. Até que um dia expliquei porquê. Justamente porque achava que fui eleito ao passo que os meus quatro colegas, por quem nutro uma estima sincera, foram nomeados.

Chegou a prometer, num comício em Lombo-Lombo, ainda em 2008, que se a UNITA vencesse daria a autonomia para Cabinda?
Não fui eu quem fez a promessa.
Foi a UNITA. E isso é verdade, é a realidade. Está provado que o MPLA não quer resolver o problema de Cabinda. Já teve 37 anos, desde que as suas tropas (acompanhadas de tropas cubanas porque estas chegaram a Cabinda em Novembro de 1974, não se sabe com que legitimidade o MPLA as convidou e congolesas de Marien Ngouabi) entraram em Cabinda em 1974, mas o problema não foi resolvido unicamente por falta de vontade política para o fazer. Hoje não podemos olhar para Cabinda e dizer que é uma província igual a Malange, Bengo ou Huambo. Isso não é verdade e insistir nisso seria tapar o sol com a peneira; seria estarmo-nos a enganar. Há um conflito que ocorre e que as próprias autoridades que mandam no país reconhecem, porque o conflito tem porquês. Quando as autoridades deste país falam do “Caso Cabinda” e da necessidade de o resolver é porque existe alguma coisa.
Tenho dito que o primeiro pressuposto para a resolução de um problema é o reconhecimento da existência desse problema. O MPLA e o seu Governo reconhecem que existe um problema que é Cabinda, então porque é que não se resolve esse problema? Porquê é que não se avança para a solução? A solução deve ser, a meu ver e de todos os cidadãos de bom-senso, o diálogo.
É preciso dialogar com aqueles que representam a vontade popular para se chegar a uma solução. Não é pegar no Fórum Cabindês para o Diálogo, que de FCD só ficou a sigla, e fazer aquele teatro no Namibe e impedir que a sociedade civil participasse. A sociedade civil cabindesa foi literalmente impedida de participar na negociação do chamado Memorando de Entendimento, que foi uma cópia do Memorando assinado com a UNITA, no Luena. Devo dizer que, em algumas partes do texto, onde falava de “forças militares da UNITA”, a palavra UNITA foi substituída por FLEC, mas em alguns sítios por “Fórum Cabindês para o Diálogo”, como se alguma vez o FCD tivesse tido forças militares. Nunca as teve e não podia ter por ser uma plataforma estabelecida entre a FLEC e a sociedade civil, para se preparar para o diálogo e não era o senhor António Bento Bembe a pessoa que era o negociador. Era o indivíduo que mereceu a confiança do presidente Nzita, da FLEC, e da sociedade civil para ocupar essa função.
Foi nessa qualidade que o senhor Bento Bembe é designado presidente do Fórum Cabindês para o Diálogo.
No entanto, na fase de implementação desse diálogo com o Governo de Angola, via-se claramente que o regime impedia a ida dos membros da sociedade civil para as negociações no Congo Brazzaville, onde se tinha instalado o senhor Bento Bembe, quer em Ponta Negra, quer em Brazzaville.
Elementos da Casa Militar da Presidência da República falavam-nos de todos os planos que fixávamos com Bento Bembe e pares. Recordo-me que na altura em que tinha decidido uma viagem a Libreville, Gabão, para uma reunião, alguém ligado à Casa Militar disse-nos a nós sociedade civil que ‘vocês queriam ir fazer uma reunião no Gabão com o Bento Bembe, mas ele falou-nos que vocês lhe deram X para a sua logística, e nós dissemos-lhe que não fosse e ele não foi”. Agora a minha pergunta é: essa pessoa de que lado é que está? Numa negociação tem que haver dois lados, não se pode estar nos dois lados ao mesmo tempo. Mesmo em relação ao Memorando ou proposta que o MPLA tinha dado ao senhor Bento Bembe para se poder discutir, esse memorando, quando fui a Ponta Negra, para uma reunião que devíamos ter, eu, o padre Congo, o Raul Taty, o Agostinho Chicaia, o Marcos Mavungo, etc., e os homens da FLEC, eu era suposto sair de Luanda, ir a Cabinda de manhã cedo de avião, e depois de carro até Ponta Negra, porque, para se atravessar a fronteira quer do Massabi (para o Congo Brazzaville), quer do Yema (para a RDC), basta um salvoconduto. Mas qualquer coisa me disse que deveria ir de avião fazendo Luanda-Ponta Negra. E, sem dizer nada aos meus companheiros em Cabinda, fui um dia antes a uma loja da Taag, perguntei se havia voo para Ponta Negra e disseram-me que sim.
Comprei o bilhete e fui. Só quando cheguei a Ponta Negra é que liguei para os meus colegas e lhes disse que podiam sair mais cedo de Cabinda pois eu já em encontrava em Ponta Negra.

Tinha receio de alguma coisa?
Foi uma intuição porque qualquer coisa dizia-me para ir de avião de Luanda a Ponta Negra e assim fiz. A verdade, porem, é que os meus colegas que iriam por terra a Ponta Negra foram todos travados na fronteira do Massabi por banalidades. Diziam que era preciso ter um visto porque as pessoas que iam da cidade de Cabinda não podiam tratar um salvo-conduto, segundo “novas ordens”. Curiosamente, os meus colegas estavam aí e viam pessoas a passarem com o salvo-conduto e a entrarem. E os homens da Migração diziam simplesmente que tinham recebido ordens e que isso não tinha nada a ver com eles. Fez-se recurso ao então director da DEFA em Cabinda e ele dizia que naquele momento não podia fazer nada, e que os meus colegas fossem ao seu gabinete na segunda-feira para resolver o caso e seguirem em “paz” para Ponta Negra. Parecia um daqueles filmes em que o “artista” morre no princípio. Tudo não passava de um truque. Isso acontecia num sábado, em que os serviços estão fechados e o regime estava informado, pelo senhor Bento Bembe, que a reunião estava prevista para aquele sábado. Então iria se fazer a reunião sem a sociedade civil, sob a alegação de que o regime tinha impedido a passagem dos outros pela fronteira terrestre, quando, afinal, estava tudo combinado. Cheguei lá e foi uma surpresa para o senhor Bento Bembe e os seus pares verem-me no local da reunião, no Hotel La Cotière de Ponta Negra. O Sr. Bento Bembe andava com a “proposta” que lhe tinha sido dada pelo Governo de Angola debaixo do braço e dizia-me que aquilo era a “nossa salvação”. Quando lhe pedi cópia do documento para levar aos outros que não tinham conseguido atravessar a fronteira, a resposta que recebi da boca do agora Secretário de Estado para os Direitos Humanos é que quem lhe tinha entregue o documento tinha-lhe recomendado não fazer nem dar cópias a quem quer que fosse. Aqui chegados, sem comentários....

Apesar destes argumentos que avança assinou-se um Memorando de Entendimento e existe um estatuto especial para a província de Cabinda. Porque razão avança constantemente em fóruns que o acordo não existe?
Se for a Cabinda verá que o Estatuto Especial não existe. A única coisa que faz diferença, do ponto de vista administrativo, é que os directores provinciais, nas outras províncias, são chamados secretários em Cabinda.
É só isso e nada mais. Vai para o hospital e verá a desgraça que ali grassa, não tem medicamentos, não tem nada. Tive oportunidade de, em sede do Parlamento, informar isso ao senhor Ministro da Saúde, que ele tem sido sistematicamente aldrabado pelo Executivo de Cabinda. As mulheres grávidas vão para o hospital e é-lhes dito que devem comprar e levar luvas, álcool, algodão, etc., para o dia do seu parto. Hoje o Estatuto Especial para Cabinda é as pessoas, por dá cá aquela palha, serem acusadas e intimidadas.
Devo dizer aqui que tive uma informação fidedigna de que muito recentemente realizou-se uma reunião do MPLA em que o senhor primeiro secretário Mawete João Baptista terá dito que eu, Raul Danda, tenho estado a incomodá-lo muito (tudo por causa da minha intervenção face à total desgovernação que hoje se verifica em Cabinda, por causa dos desvios, do clientelismo, do tráfico de influências, etc.). O Sr. Mawete, o General, anunciou, nessa reunião que tinha dado “orientações” aos militares para que estes “tomassem medidas”. Que medidas? O senhor Mawete João Baptista quer me matar a mim? É assim que o MPLA pratica a reconciliação nacional e desenvolve a democracia? Não pode ser assim! E o Governo Provincial de Cabinda muito infelizmente notabilizou-se por estes tipos de coisas. Quando o general esteve no Congo Democrático também havia estas coisas de raptos de pessoas. Aqui mesmo em Luanda fui informado por um amigo que os Serviços Secretos do regime andam a seguir-me, aconselhando-me cuidado. Andam a seguir-me porquê e para quê? Não será, certamente, porque alguém lhes disse que estava no encalço de um tesouro perdido e que eles também queriam saber onde esse tesouro se encontra para os devidos dividendos. Este “disismo” estou a criar um neologismo referindo-me ao comportamento do tipo DISA devia acabar. Estamos numa fase em que devia imperar o debate de ideias e não procurar a eliminação física das pessoas por pensarem de forma contrária. O general Mawete João Baptista devia preocupar-se em dar luz às pessoas de Cabinda em vez de dizer que quem quiser luz 24/24 horas que compre gerador. Devia preocupar-se para que haja comida, os empresários consigam subsistir, não apenas os empresários ligados a si mas os de Cabinda também.

Mas fala-se em melhorias em vários sectores em Cabinda, sobretudo na educação, saúde e na construção de infra-estruturas?
Isso é uma brincadeira. Uma vez disse, em sede da Assembleia Nacional, que gostaria de ter aquela”Cabinda” que a TPA tem estado a mostrar no programa que faz, antes do tempo, a campanha eleitoral do MPLA. Porque um indivíduo que vê Cabinda na TPA, vê coisas que na realidade não existem. No tempo em que o deputado Aníbal Rocha era governador de Cabinda as pessoas reclamavam porque as coisas não estavam muito boas. Mas hoje estão indubitavelmente piores. Basta ver que quando não há luz ou se corta a electricidade as pessoas gritam ‘Mawete’, e se depois a luz acende gritam ‘Aníbal’. Quando as pessoas têm conjuntivite dizem que “fulano tem mawete”. E o próprio governador sabe disso. Ele tem estado a ser vaiado constantemente em Cabinda, como aconteceu recentemente no jogo entre Angola e os Camarões, no estádio do Chiazi. Foi vaiado ao ponto de alguém atirar uma lata de Coca-Cola na direcção em que ele se encontrava. Ninguém quer o general Mawete em Cabinda, ele não é querido nem pouco mais ou menos, inclusive pelas próprias estruturas provinciais do MPLA. E quando alguém não é querido até pelos seus próprios pares isso é grave. Eu por acaso sou professor mas nunca lhe dei a disciplina de “Como fazer mal as coisas”. Logo, não venha atrás do Raul Danda a pensar que se o mata resolve o problema. Quem quiser fazer guerra que vá para sítios como o Afeganistão, a Líbia, o Iraque ou lá para onde quiser. Aqui não. Isto é local para termos debates de ideias, e quem não as tem que assista os outros a debaterem.

Neste momento qual é o papel reservado à sociedade civil em Cabinda?
Deixaram de intervir depois da extinção da Mpalabanda e da saída em cena dos padres Congo e Raul Taty? Não, de modo nenhum. Aliás, nos pronunciamentos que fazem todos os cabindas querem uma solução para o problema. Curiosamente, todos os cabindas falam em auto-determinação. O que é mau é que no dicionário de alguns dirigentes do MPLA a auto-determinação é sinónimo de independência. Mas não. Uma autonomia também é uma manifestação de auto-determinação, é a capacidade de um povo poder decidir por si mesmo sobre o seu destino.

O que é que o deputado deseja para Cabinda?
Aquilo que for desejo do povo de Cabinda para mim será sempre bom.

Não é a favor da independência?
Não digo que seja a favor ou contra a independência. Não é nenhum pecado um indivíduo querer ser independente e nada me pode condenar por exprimir que gostaria que um dia Cabinda fosse independente.
Portanto, é um desejo que exprimo e a Constituição dá-me latitude para exprimir este desejo. Se for a pegar numa catana, uma kalashinikov, um kanhangulo para reclamar esta independência, isso já seria condenável, à luz da Constituição de Angola. Mas tenho direito de exprimir as minhas ideias. Isso não é nenhum pecado mortal. Há muita gente que não sabe como e quando é que Cabinda passou a fazer parte de Angola. É preciso dizer isso porque a História não se faz de mentiras e sonegações de verdade.
Se for a ver a Constituição Portuguesa de 1933, que foi depois alterada na sequência do 25 de Abril, com a necessidade de conceder independência às antigas colónias, está lá claro no seu título I (da Nação Portuguesa), Artigo 1º (sobre o território pertença de Portugal), a existência de um território que é Cabinda e de um outro que é Angola. Isso não é invenção minha.
Toda a gente (pelo menos aquela que gosta de ler) sabe disso. Cabinda tornou-se “definitivamente” parte integrante de Angola por força do Acordo de Alvor de 1975. Como sabe, o Acordo de Alvor ficou letra morta.
A única parte desse acordo que se manteve “viva” é aquela onde se diz que Cabinda é parte integrante e inalienável de Angola.
‘EXECUTIVO NÃO SABE QUANTOS POBRES EXISTEM NO PAÍS’

Quando está na Assembleia Nacional levanta estas questões com a mesma frontalidade, assim como outras de âmbito social?
Absolutamente. Na intervenção que fiz hoje disse que há uma necessidade de começarmos a abordar as grandes questões nacionais. E dei um mote, falei da Comunicação Social.
Como é que vai ser o comportamento da Comunicação Social, sobretudo a do Estado, em ano de eleições? Vai finalmente deixar de ser partidarizada, instrumentalizada, e passar a dar oportunidades iguais a todos os partidos políticos conforme obriga a Constituição da República? Além do tempo de antena, a comunicação social do Estado (refiro-me à Rádio Nacional, a Televisão Pública e o Jornal de Angola) será que vai começar a cobrir os eventos com a mesma imparcialidade? Será que não vamos continuar a assistir casos como o daquele jovem que foi assassinado no Simione, em que estes órgãos mencionados foram convidados para estarem presentes naquela cerimónia, onde a mãe da OMA manda matar o filho por ser da JURA, organização juvenil da UNITA, e a TPA não apareceu. Para depois fazer aquele carnaval, que não é jornalismo, porque ninguém se senta numa banca para aprender aquele tipo de jornalismo, onde falta até o contraditório. Você não pode ouvir a declaração da senhora da OMA que diz que não fez nada sem ouvir quem disse que se teria feito isto ou aquilo. Que tipo de informação é que nós fazemos? E a TPA, bem como a Rádio Nacional de Angola, são useiras e vezeiras neste tipo de informação. O Jornal de Angola já nem se fala porque aquilo anda pior que o Jornal Ême. É preciso que, de facto, se transmita esta imagem, porque nós queremos que a comunicação social do Estado, sobretudo essa que vive das contribuições de todos os angolanos, assuma uma posição responsável no sentido de não levar a situações incendiárias relativamente a este período eleitoral e pós-eleitoral.

Não tiveram o cuidado de acautelar tudo isso no pacote eleitoral, que todos os partidos aprovaram por unanimidade na Assembleia Nacional?
Não é um pacote eleitoral. Gostaria de corrigir que dentro do pacote eleitoral aprovámos apenas a Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais.
E, como viu, tivemos de abandonar o Parlamento porque esta lei está a ser violentamente violada. E violada pelo MPLA, inclusive instrumentalizando o poder judicial. Abandonámos a sala porque não estávamos na disposição de conceder posse à Dra Suzana Inglês. Enquanto pessoa, não temos absolutamente nada contra a senhora. Mas temos sim em relação aos procedimentos que a guindaram para o cargo de Presidente da CNE.
Não se cumpriu a lei.

Então porque acham que deveriam conferir posse à senhora se diz que não se cumpriu a lei?
Justamente porque os nossos colegas do MPLA em obediência ao chefe acham que todas as coisas têm que ser feitas, mesmo aquelas que atropelam. Têm a maioria que provém da engenharia das eleições de 2008, então vai-se utilizando esta maioria para atropelar tudo e todos.
Não é preciso sequer ser jurista para se ver que estamos perante uma aberração. Vou-lhe dar um exemplo: no encontro que tivemos terça-feira, justamente por causa daquela alegação de que havia problemas técnicos que teriam levado ao adiamento da plenária, não se chegou a um consenso porque a Oposição tinha feito finca-pé de que não iríamos aceitar participar neste tipo de coisas, por isso é que a reunião plenária não teve lugar no dia 24, como previsto. Tivemos uma reunião com o Conselho Superior da Magistratura Judicial, na pessoa do seu próprio presidente, o Dr. Cristiano André, que também é presidente do Tribunal Supremo.
Esteve também o presidente do Tribunal Constitucional e o juizconselheiro Silva Neto que assegurou a presidência do júri que indicou a Dra Suzana Inglês para Presidente da CNE. É possível que a este Conselho tenha escapado, durante 19 anos, a irregularidade em que incorre a Dra Suzana Inglês, sobretudo por causa da responsabilidade fiscalizadora que este órgão tem, constitucionalmente? A Dra Suzana Inglês, na altura em que está a tomar posse como presidente da Comissão Nacional Eleitoral, fá-lo de forma muito irregular e inconstitucional, por isso merecedora da desconfiança de todos os angolanos. Ela é magistrada judicial, juíza portanto, e advogada.
E a função de advogada é incompatível com a de magistrada judicial.
É presidente da Comissão Nacional Eleitoral, é membro da direcção do MPLA, por via do Comité Nacional da OMA. Como é que é possível entregar-se a presidência da CNE nas mãos desta senhora com estas funções? É um contra-senso. O próprio Conselho Superior da Magistratura avança como elemento que ditou a escolha o facto de ela ter experiência, etc. E que como estamos a sete meses do processo eleitoral e "como manda a prudência e o bom-senso", que a Dra Suzana Inglês seja mantida como presidente da Comissão Nacional Eleitoral.

Tratou-se apenas de bom-senso?
É o que está lá no documento que nos entregaram e é isso que eles depois vieram argumentar pessoalmente. Caso a Dra Suzana Inglês tivesse sido acometida de uma trombose ou de uma doença qualquer que provocasse a sua incapacidade física ou mental, o país vai parar? Já não temos mais eleições porque a única pessoa que tem experiência não pode fazê-lo? Isso é uma aberração. E é grave porque o exemplo que devia vir da autoridade moral em termos judiciais do país é esse. E havia um "forcing" com reuniões de pessoas vindas de todas as instâncias para que de facto a Dra Suzana Inglês assumisse a presidência. Há alguma coisa a esconder? Essa insistência só pode insinuar que há alguma coisa a esconder. A Dra Suzana terá sido preparada ou estará a ser utilizada para mais uma falcatrua em termos eleitorais. Repare numa coisa: o artigo 107º da Constituição é claro, e atribuiu as funções de organização das eleições à CNE. A Lei Orgânica sobre as eleições gerais, que foi aprovada em Dezembro último, diz claramente, no nº 2 do seu artigo 139º, que compete à CNE a organização de toda a logística eleitoral. Mas há dias ouvimos que o Ministério da Administração do Território estava a construir um armazém no Uíge destinado à logística eleitoral. Essa já não é sua responsabilidade. Até hoje não temos um despacho de sua excelência o Presidente da República a extinguir a Comissão Inter-Ministerial para o Processo Eleitoral (CIPE), que deixa de ter valor porque a Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais e a própria Constituição proíbem a participação do Executivo neste tipo de acções. Foi esse justamente o motivo que nos levou, nós UNITA, PRS e FNLA, a suspendermos a participação na comissão que está a negociar os outros documentos que compõem o pacote eleitoral. Estamos a falar da Lei do Registo Eleitoral, da Lei da Observação Eleitoral, entre outras.

Acredita que essa política da cadeira vazia seja benéfica para os anseios da Oposição quando estamos a poucos meses das eleições?
Não se trata de ser benéfico ou não, é de ser coerente. E os nossos colegas do MPLA não nos deixam outra alternativa, em função da sua obstinação de defender coisas indefensáveis. Nós queremos, todos, eleições neste país, este ano. Mas queremos eleições credíveis, livres e justas, não aquela eleição que tivemos em 2008, em que alguém me diz que vocês tiveram cinco deputados, mas o MPLA acha que as coisas não podem ficar assim. E tudo é trocado porque o MPLA é que decide com quantos deputados deve ficar este ou aquele partido político. Passam-se mais alguns dias e dizem-me que Cabinda é uma questão de honra, pelo que a UNITA vai ficar apenas com dois deputados e eles (MPLA) com três. Para, no final, quem ganhou de facto as eleições em Cabinda ficar com um deputado e quem perdeu redondamente ficar com quatro. Também não queremos eleições que vão descambar em conflito, à moda da RDC ou da Costa do Marfim de Laurent Gbagbo.
Queremos eleições livres, justas, transparentes, credíveis e que façam transparecer tanto ao povo angolano como à comunidade internacional a maturidade dos angolanos em realizar pleitos eleitorais e aceitar a diferença. Quem ganha que ganhe bem; quem perde, que perca com justiça e clareza, e não perder de qualquer maneira, com trapaças.
Queremos pleitos eleitorais que reforcem a democracia no país e não aqueles que depois fazem com que as coisas extravasem, dilacerem o tecido humano, social e levem à destruição das estruturas físicas do país. Queremos um país que saia de eleições cada vez mais unido e nunca dividido.

Disse em tempos na Assembleia Nacional, quando se dirigia ao deputado Loló Kitumba, que gostaria de apalpar os indicadores sociais em Angola. O que queria dizer com isso?
Não acredita nos indicadores avançados regularmente, incluindo sobre a obra que foi feita no país? Relativamente ao carácter duvidoso das obras isso está à mão de semear. É fácil ver. Se sair daqui e for ao Caxito ver a estrada que os portugueses deixaram, está lá de pedra e cal. Mas quando vamos ver as estradas que estão a ser feitas agora, são um verdadeiro desastre. Vá até ao projecto Nova Vida ou a estas urbanizações que estão a ser feitas e vai ver o tipo de construção que lá está, com paredes e tectos a racharem.
Isso são obras do faz-de-contas.
Voltando aos indicadores, eles são demonstrativos de qualquer coisa, mas não transmitem tudo. Quando estamos a falar de crescimento económico dizemos que o país vai crescer, por exemplo, 8%, mas a partir de onde? É que se a Alemanha tiver um crescimento de 0,8% está a sair do 14º para o 15º andar. Nós estamos a sair de uma cave qualquer e subimos quatro, seis ou oito andares para chegarmos ao rés-dochão. Isso não é um crescimento de se vangloriar porque no fundo ainda não começamos a crescer do ponto de vista real ou aquilo que representa qualquer coisa de palpável.

O Instituto Nacional de Estatísticas, do Ministério do Plano, apresentou recentemente os resultados do Inquérito sobre o Bem-Estar da População que indicava que apenas 37 por cento dos angolanos vive abaixo da pobreza. Não acredita nestes resultados?
Só lhe posso dizer o seguinte, meu caro amigo: para você dizer que isso representa 37 por cento, tem que conhecer o valor global. Porque 37 por cento tem de ser de um valor qualquer. Em Angola, o censo vai ser feito apenas em 2013, portanto nem sequer sabemos quantos somos. O Executivo que avança estes dados nem sequer sabe quantos pobres este país tem. Saberá quantos ricos são, porque são tão poucos e eles sabem como é que se tornam ricos.
Como é que sabe que diminuíram X por cento se não sabe qual é o valor global? É a mesma coisa que chegar perto de si, dizer que preciso da sua ajuda, tenho algum dinheiro e faltame metade. Como é que você me vai dar metade de um valor que não conhece? Isso é um show off. Por exemplo, na altura da apresentação do relatório trimestral sobre a execução orçamental, falava-se numa arrecadação de receitas na ordem dos 27 por cento, para mostrar que se tinha conseguido ultrapassar a meta óptima de 25% (correspondente a um quarto, que seria o normal, já que o ano tem 4 trimestres). Mas aquilo era um indicador enganador já que resulta do facto de o petróleo que estava orçamentado em 65 dólares, o barril ter-se situado entre os 90 e os cento dólares, o barril. Há esse diferencial que se vai repercutir nas receitas que o Estado está a arrecadar. Mesmo em relação ao crescimento do sector não petrolífero isso tem surgido muito mais em função do maior ou menor abrandamento ou crescimento do sector petrolífero que determina o outro.
Onde é que está o real crescimento da indústria neste país? Onde é que está o crescimento da agricultura? Da pecuária? Das pescas? Hoje, por exemplo, estivemos a falar dos incentivos relativamente às empresas angolanas que estão na exploração petrolífera. Estas empresas são de quem, sabendo que a indústria petrolífera movimenta muito dinheiro? Primeiro é que, no quadro da tão propalada diversificação da economia, não se criam esses incentivos para se estimular a indústria, a agricultura, a pesca, etc. Aí sim iríamos procurar atingir a auto-suficiência alimentar, necessária, desejável e recomendável.
Dani Costa
fonte: O País

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