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quarta-feira, 25 de abril de 2012

Angola: Sousa Jamba--> Savimbi nunca me perdoou.

NO BALUR I STA NA NO KUNCIMENTI, PA KILA, NO BALURIZA KUNCIMENTI!...


Estamos a comemorar a Paz, para um homem que é angolano e que sente o seu país e também o pode observar a partir de fora, que apreciação faz destes dez anos?
A possibilidade de se criar uma nova nação, a possibilidade de esta nação reflectir a diversidade, a energia de realizar, as possibilidades, que são imensas. As potencialidades do país foram sempre adiadas, por causa da guerra e de outros factores. A paz é um sinal de que agora os talentos e a capacidade dos angolanos pode ser realizada.

O acto central da comemoração foi feito no Luena, viu pela televisão?
Não. Não vi.

Então não viu o seu Luena, também andou por lá…
Devo confessar que quando estou em Angola normalmente não vejo televisão. Sigo as coisas pela Internet, pelo Facebook, pelos vários portais angolanos como o Angonotícias e o Clube K, além de vários outros. Sigo também pela Voz da América, pela Rádio Ecclédia, que sigo pela Internet.
Sigo atentamente os vários debates na Internet. Estes são as minhas fontes de notícias sobre Angola.

E estes debates que se segue pelas redes sociais permitem perceber o quanto o angolano se está a transformar em termos democráticos, em termos de consciência de país?
Absolutamente. É incrível o que tenho visto, a capacidade de argumentação, a capacidade de os angolanos apreciarem a complexidade das coisas.
E também estamos a ver a instalar-se uma cultura de tolerância. A ideia de que podemos não estar de acordo, mas isso não significa que não fazemos parte do mesmo barco, que não temos o mesmo destino. Há uma grande manifestação da diversidade: angolanos interessados no kuduro, angolanos interessados em desporto, os que se interessam pela política… isso vê-se muito bem no Facebook, mais que na televisão angolana, por exemplo.
Há muita matéria sobre Angola no You Tube. Há muita matéria em que a juventude angolana é apresentada como estando obcecada por certos desejos carnais, uma juventude dada a coisas vistosas, vulgares. Mas na realidade é uma juventude mais complexa. No domingo passado fui a uma igreja no Morro Bento, a idade média dos presentes era de trinta anos.
Quando chegou o momento de ler a Bíblia, de repende apareceram vários iPads. Lá estavam jovens a ler a Bíblia no iPad… alguém me disse que estes iPads vieram do Dubai… mas o iPad dá tantas possibilidades, porque pode-se ter muitos livros, pode-se fazer muita coisa. Nós lá fora não vemos esta energia, esta capacidade… Quem pensava que o Facebook teria tantos adeptos angolanos? do Huambo, do Lubango, de vários sítios? Eu tenho tido conversas com um jovem angolano que está no Luena olha, falando do Luena ! e que está a fazer um curso pela Internet numa universidade brasileira. Há jovens que vão seguindo a evolução, o desenvolvimento do mundo, articulados, inteligentes. Infelizmente isso não tem sido reflectido lá fora. O triste é que temos instituições angolanas que vão promovendo estereótipos de angolanos que nada têm a ver com a realidade. A realidade é mais interessante, é mais complexa, mas o que vemos é o kuduro mal explorado e outras vulgaridades.

Para quem tem lido Sousa Jamba nos últimos anos não pode deixar de notar uma certa inversão nesse tipo de apreciação.
Absolutamente

Era mais crítico do jovem, via-o mais frívolo, consumindo exageradamente álcool, a tentar falar como um lisboeta e a pensar em ter um carro grande.
Era esta a imagem que eu tinha, mas evoluiu muito. Sobretudo através do meu intercâmbio no Facebook e também nos contactos do dia-a-dia.
Em Luanda encontro jovens cada vez mais interessantes, jovens que querem aprender, interessados no mundo.
Jovens com muito potencial.

Falou dos iPads na igreja, sabe-se que a própria revolução para a independência teve raízes também nas igrejas, ou em pessoas ligadas às igrejas. Depois houve um tempo de aparente afastamento. Sente que estes jovens novos quando voltam à Igreja revelam uma tomada de consciência e de moral social ou buscam apenas a salvação da alma e passam ao lado a parte cívica e política… a dimensão social?
O processo nacionalista angolano está profundamente ligado à Igreja, esse é um aspecto da história angolana que não está a ser muito bem contado.
Nos três principais eixos temos a Igreja Batista, com missionários americanos e ingleses que se instalaram no Norte; a Igreja Metodista aqui, o bispo Taylor, que depois fundou a Missão do Quéssua, de onde saiu uma faixa da elite do MPLA. O pai do Dr. Agostinho Neto foi pastor da Igreja Metodista. E depois temos a IECA (Igreja Evangélica Congregacional em Angola) com os canadianos da Amarican Boar of Missions que fundaram as missões no Planalto Cental, no Dondi, Chissamba, Galambi, etc. E depois tínhamos a Igreja Católica. No nacionalismo angolano há também uma vertente marxista, os jovens poetas Viriato da Cruz, Ilídio Machado, Agostinho Neto, que fundam ou pertencem à Casa do Império, em Portugal… Mário Pinto de Andrade… Mas há também uma vertente muito ligada à religião. São os velhos Barros Nekaka, ligados à Igreja Baptista, no Norte. No Planalto Central temos figuras como o velho Jesse Chipenda que faleceu em S.
Nicolau (campo de concentração) que também fizeram parte de um certo nacionalismo, de uma certa reivindicação. Eu sei do velho Chipenda porque o reverendo Lawrence Anderson escreveu a biografia de Jesse Chula Chipenda que faleceu em S. Nicolau.
No Namibe o aeroporto tem o nome do astronauta soviético Yuri Gagarin, mas o velho Jesse Chiula Chipenda, primeiro negro secretário-geral da Igreja Evangélica, que chegou a levantar o caso de Angola nos Estados Unidos da América, nos anos 50, e depois morreu humilhado em S. Nicolau, não tem nada em seu nome.
Como professores tivemos o reverendo Mussili. Lembro-me que quando tinha cinco anos um destes dias havia muita comoção em nossa casa, no Bom Pastor, no Huambo. A minha mãe, tias, todos fomos para uma casa, estavam a chorar… o tio pastor Mussili tinha acabado de sair de S. Nicolau. O meu nome, Sousa Jamba, é o nome do irmão do meu pai, que foi catequista na aldeia de Manico, e eu, quando entrei, o tio Mussili que tinha acabado de chegar de S.
Nicolau, estava sentado e a minha mãe apresentou-me – este é o Sousa Jamba –. E ele – hã, o catequista do Manico! E eu vou e sento-me no colo dele.
Nos anos de 1940 fez-se um filme sobre a vida do velho Mussili, que veio a ser pastor, pelos canadianos, que eu vi, depois, claro, no Canadá. Mas ele foi um grande nacionalista que depois foi levado para S. Nicolau. Não se fala dele. Na nossa história não se fala dele.
E mesmo entre os metodistas não se fala do grande valor do pai do senhor Bornito de Sousa e de outros grandes nacionalista que vieram da Igreja Metodista. O nacionalismo angolano está muito ligado à religião.
Havia a noção de que a Igreja católica era a igreja do Estado, mas não é correcto, porque os padres viam também de várias proveniências.
Havia padres suíços, espanhóis... e alguns eram muito progressistas. Eu comecei a escola em 1972 na escola de Fátima (católica), no Huambo, onde havia uma mistura de alunos negros e brancos. Havia uma dimensão muito progressista também na Igreja Católica. Isto é uma outra forma de ver. O nacionalismo é um processo muito importante na história da independência de Angola, onde a religião teve um papel muito importante.
O que aconteceu é que em 1975 dá-se a revolução e os marxistas eram muito bons a propaganda. Já estive na Missão do Dondi, onde, na igreja em que o meu pai e a minha mãe se casaram em 1945, havia inscrições com citações de Marx.
Não sei se já tiraram, mas vi lá as inscrições. Escreveram na igreja.
Isso, para mim, é algo altamente vulgar. Também vivi na Europa, fui ao sítio onde Carl Marx nasceu, conheço a tradição do marxismo.
Só para dizer que a religião teve muita importância no nacionalismo, mas, depois, só porque os marxistas venceram, exagerou-se muito na sua importância. Temos que entender a nossa História, temos que entender as variantes, os factores todos, para isso nos dar a autoconfiança de avançarmos.
Havia duas formas de o colonialismo controlar os africanos: uma era por via do comércio. Colocavam comerciantes nas aldeias e esses formavam um cartel que fixava os preços dos produtos agrícolas. A outra via era a escola: os nativos tinham que aspirar a ser assimilados, mas ao mesmo tempo havia a escola para os nativos e a escola dos brancos. Aquilo era complicadíssimo. Tudo com o objectivo de oprimir as pessoas. A Igreja fez tudo para mudar aquilo, abrindo escolas que depois produziram os líderes que temos. E vejo que esta juventude que hoje vai à igreja só está a continuar com aquela tradição. Houve, num certo momento, uma aberração nos nossos valores, em que a família, o respeito aos mais velhos, o respeito à tradição, a veneração pelo que é alheio, isto tudo passou a ser nada.
Mas agora há uma reacção e estamos a voltar para o velho Jesse Chiula Chipenda. Não sabemos que carro ele conduzia, não sabemos que marca de sapatos usava, mas sabemos dos seus ideais. E quem lê as cartas que ele escrevia de S. Nicolau sabe que era um homem com dignidade, um homem de Cristo, um homem com valor, um homem com quem orgulhosamente me identifico e suspeito que muitos jovens de hoje se identificam também.
‘COM A DERROTA DE CHIVUKUVUKU EM 2007 SURGIRAM DUAS UNITAS’
As energias começaram a ser dispersas, quase uma luta fratricida, com desconfianças. Aí viu-se uma grande falha do mano Abel, porque ele, como líder, deveria ter dado sinais de lealdade ao líder

Sabemos que Sousa Jamba é um intelectual ligado à UNITA, que tem vindo muitas vezes ao país, mas desta vez a sua vinda coincide com o Congresso da CASA, rumou também para esta nova força política?
Não tenho nada a ver com a CASA, desta vez vim porque terminei o meu mestrado em Comunicação, Estratégia e Liderança e, cansado, vim “recarregar as pilhas”. Pela primeira vez em dez anos quero relaxar, andando pelo interior, quero ir à Missão do Dondi, vou ao Huambo e quero conhecer um pouco mais o Norte. Não tenho nada a ver com a CASA.

Mas tem uma apreciação sobre a CASA?
Tenho. Eu admiro muito o mano Abel, ele conhece-me desde quando eu gatinhava, as nossas vidas estão ligadas. As pessoas falaram-me das insuficiências da liderança do presidente Samakuva e não me convenceram. Eu acho que neste momento o mais importante é apoia-lo, foi eleito em congresso e deve ser apoiado até ao próximo congresso. Tem que haver exacta disciplina. Acho que depois da derrota de Abel Chivukuvuku no congresso de 2007 as coisas não foram bem geridas e a partir daquele momento surgiram duas unitas. Falava-se até de “abelistas”. As energias começaram a ser dispersas, quase uma luta fratricida, com desconfianças. Aí viu-se uma grande falha do mano Abel, porque ele, como líder, deveria ter dado sinais de lealdade ao líder máximo até ao congresso seguinte. Mas tenho a impressão que se deixou andar, a facção permaneceu, enfraqueceu o partido e sei que vai enfraquecer o partido, eventualmente.

Não estará a UNITA num processo quase de desagregação como está a FNLA, por exemplo?
Não…

As cisões têm sido contínuas…
A FNLA não tem cisões …

Mas a UNITA tem. As saídas vêm de há algum tempo, NZau Puna, Tony Fernandes, depois veio a UNITA renovada que desapareceu, mas saíram figuras como Dinho Chingunji, Jorge Valentim … agora saiu Abel Chivukuvuku e com ele vários quadros. Isto é um processo de descasque.
São indivíduos que saem…

Que representam forças, ideias, pessoas
Para isso há uma linda palavra: fulanização. Temos de olhar para as instituições, não aos indivíduos.
Abel Chivukuvuku disse não ter mais opções na UNITA e teve de sair. Eu penso que talvez haveria mais opções, se houvesse um esforço para as buscar.
Por outro lado, a UNITA não é um projecto do senhor Samakuva e se esta for a sua ideia não irá a lado algum, porque o próprio Dr. Savimbi, que a um certo momento, suspeito, via aquilo como um projecto pessoal, não conseguiu. Foi por isso que surgiram essas divisões. Eu pertenço ao primeiro grupo de dissidentes, com aspas, da UNITA. Eu, o Dinho, o Candjungo, o Yamba Yamba, o Tchikoti e vários outros, nos anos 1980, não estávamos de acordo com certas práticas dentro da UNITA e manifestamo-nos. Mas a UNITA não acabou.

O que depois resultou no livro “os Patriotas?”
Sim. Foi isso.
Vai ser reeditado? Não tenho nada marcado. Mas um partido tem um líder, com uma visão, mas há vezes em que esta visão ou certas práticas as pessoas não se revêem nelas e reagem. Isto é o que foi acontecendo. Mas quando as coisas estão bem as pessoas aproximamse. Fiz parte dessa dissidência mas quando as coisas ficaram bem eu voltei. Neste momento ninguém me convence que estamos numa situação semelhante à de 1988, da Jamba. Há quem diga que o Samakuva não é dinâmico, não é um Savimbi…

Essa gente pensa que precisa ainda de um Savimbi?
Estamos num ouro contexto. Dizem que o Samakuva não tem fulgor, não é agressivo. Temos que entender que o Savimbi via o seu papel como sendo de libertação nacional, que vem dos anos 1960. Agora estamos numa democracia. E como teria Samakuva protagonismo, já que dizem que ele não aparece, se em seis anos como líder o canal principal de televisão não o entrevista? Eu vivo nos Estados Unidos e lá o que o Mitt Romney faz toda a gente fica a saber, pela CNN, NBC… é o homem da oposição. Samakuva não tem acesso aos grandes meios de difusão e as pessoas dizem que é pacato. O Dr. Savimbi tinha a VORGAN, tinha acesso à imprensa internacional.
E estávamos num momento de guerra em que cada pronunciamento seu tinha um impacto profundo na vida das pessoas. Estamos em paz e o Samakuva não pode ser como Savimbi.
Agora dizem também que ele tem uma casa em Talatona, mas ele vai ver aonde? E ele que me desculpe mas tenho de dize-lo, eu já jantei em casa dele. Não é grande coisa. Ele não vive num palácio. Nem vou longe, a minha casa nos Estados Unidos é melhor que a casa dele. Mas as pessoas fazem disso um problema, está a viver numa casa em Talatona …

Isso não estará ligado ao facto de as pessoas terem vivido em condições menos boas nas matas e a dependência de muitos quadros ao partido para sobreviverem?
Tem a ver com isso, mas temos de entender os novos tempos. Estamos num novo contexto…

Bem, voltando à sua dissidência, a pergunta é: se Savimbi continuasse vivo, Sousa Jamba continuaria dissidente? Sim.
Eram irreconciliáveis?
Houve uma certa reconciliaçãozinha… havia os interesses do partido.
Mas eu estava muito consciente de que o Dr. Savimbi não perdoa e nunca iria me perdoar. Poderia haver uma certa reconciliação, mas seria uma reconciliação em que um certo dia ele iria punir-me para também servir de lição para os outros. Ele disse num certo momento que o que eu fiz foi um desafio a ele.

Há quem julgue que a UNITA deveria assumir uma ruptura com o passado, deixando de evocar a figura de Savimbi… talvez venha daí a posição de Chivukuvuku… alguns analistas vêm na evocação do nome de Savimbi um dos problemas na integração social da UNITA, é um fardo muito pesado.

Esta análise não é justa e não é correcta. O que irá acontecer, eventualmente, é que com o andar do tempo as aspirações das pessoas e o que irá preocupar a juventude … os que nasceram em 1992 têm agora 20 anos, esses praticamente não conhecem a guerra, as cisões e as divisões da UNITA, o que eles querem é escola, saúde, acesso às oportunidades. É isto que vai contar mais. Estive recentemente nas eleições da Zâmbia, esta questão da transparência, com uma geração Facebook, altamente consciente… isto é que vai contar mais para estes jovens. Quem á a pessoa mais íntegra? Quem promete certos programas e consegue realizá-los? Isto é o que vai contar. Mas é preciso sempre estar conscientes da nossa História. Há quem sugira que se mude a bandeira, que se deixe de fazer referências a isto e àquilo, eu não concordo. O partido vai evoluindo por si mesmo. E veja que os apoiantes do Dr. Savimbi dizem que a UNITA demarcou-se muito do passado, ou que admitiu muita gente nova, que não é conhecida. Estes têm a noção de um partido como uma historical society. O partido não é um museu para mostrar fotos e coisas do passado, embora isso seja importante, mas o que se quer é o poder para realizar certos programas, uma certa visão. E isso significa que há que crescer, incorporar novas pessoas, gerar novas culturas no partido.
Isso é orgânico, queira-se ou não.

Por outro lado, as grande dissidências ou cisões na UNITA fracassaram. A Renovada voltou a integrar-se, a Tendência de Reflexão Democrática quase não existe. A CASA tem mais habilidade para manter-se à tona? Normalmente as cisões nos partidos angolanos fracassam
A CASA é algo que está a surgir em torno de uma figura. Figura esta que diz-se ser carismática e diz-se ser altamente inteligente, altamente capaz e o único para desafiar o Presidente José Eduardo dos Santos. Dizem ser o contraste com a figura de Samakuva que, alegadamente, não tem essas qualidades. Temos algo em torno de uma figura. Há pessoas que pensam que indo a reboque desta figura podem chegar ao Parlamento. Se alguns lá chegarem não sei como será o futuro, mas tudo gira em torno de uma pessoa, com carisma e qualidades oratórias. A CASA é o Abel Chivukuvuku.
‘ELE (CHIVUKUVUKU) É A CASA’
“Há pessoas que pensam que indo a reboque desta figura podem chegar ao Parlamento. Se alguns lá chegarem não sei como será o futuro, mas tudo gira em torno de uma pessoa, com carisma e qualidades oratórias”

Reparei que falou de uma figura que diz-se ser carismática, inteligente, etc. diz-se. Não acredita que o seja?
Não há dúvidas que ele tem essas qualidades, eu conheço-o muito bem.
Mas essas qualidades outras pessoas as têm. Na UNITA e fora dela. O que me inquieta são os cultos de personalidade, uma dimensão que foi muito marcada no Dr. Savimbi. É uma coisa que espero não se repita.

O Abel Chivukuvuko cederá à tentação de personificar e procurar o controlo absoluto da CASA?
Ele é a CASA. Todos os outros vão à volta dele. Teoricamente ninguém o desafia….

Portanto, há mais Abel que CASA?
Não vi qualquer projecto, não vi qual é a visão, mas o que toda a gente diz é que ele é uma pessoa bem parecida, carismática, e que pode levar gente que não está de acordo com a UNITA e que pode atrair gente do MPLA e que pode ter um impacto com significado no Parlamento. Mas neste momento o que existe é uma figura, uma pessoa.

Sabe, de certeza, do governosombra da UNITA, que parece existir num estado-sombra. A iniciativa legislativa é quase toda do Executivo, o Parlamento avança pouco neste particular. E o governo-sombra da UNITA também não se lhe ouviu propor nem reagir a propostas de lei.
Ficou demasiado na sombra, ou era um exercício desnecessário?
Era um exercício útil, mas … estão lá figuras que já fizeram parte do Governo, no tempo do GURN, e que fizeram parte da direcção da UNITA. O modus operandi também é previsível.
O que falta é inspiração, imaginação, inovação e criar uma coisa nova, criar factos, criar situações que levem as pessoas a reflectir. Um governosombra, em relação, por exemplo à energia, um problema que me marcou muito, os geradores, os problemas da EDEL… um governo sombra teria de ter uma situação em que aparecesse com alternativas cativantes. Uma inovação, propondo que se olhasse para o problema a partir de um prisma novo, um outro contexto, propondo, às vezes, uma forma revolucionária.
Poder-se-ia, por exemplo, propor que mudemos para a energia solar, ou eólica, ou outra forma de gerar energia. Há que ter imaginação. Eu acho que isso é possível, mas sabemos que nas organizações há conformismo, que a inovação pode ser vista como busca de protagonismo. Eu espero que se incluam pessoas com ideias mais inovadoras nesse governo-sombra.

Com este ralenti do governosombra, resulta para a sociedade ou a UNITA não gera ideias ou, se fosse governo, faria o mesmo que o MPLA?
O problema é a cultura organizacional. Cada ideia tem que ser filtrada pelo sistema. E o sistema não facilita muito a produção de ideias. Quanto a mim, haveria o secretariado-geral do partido, liderado por alguém e com uma equipa, e depois haveria o candidato do partido para as eleições, o cabeça de lista. Eu até defendo que o cabeça de lista da UNITA deveria ser escolhido por todos os angolanos.
Quem tenha cartão de eleitor pode votar na escolha, tem direito. Embora haja quem me julgue maluco. Imagine uma disputa entre Samakuva e Chivukuvuku e que todos os angolanos pudessem ter uma palavra a dizer.
As pessoas passavam a identificar-se com os candidatos e isso abriria mais o debate.

Está a propor o que acontece nos Estados Unidos?
Sim. Lá, em certos estados, para a eleição de um candidato presidencial por um dos partidos, todo o cidadão pode participar. Se está a concorrer um republicano tu vais lá, embora sendo democrata e podes dizer quem escolhes. Imagina debates desses em Angola, com debates em Luanda, no Lubango, etc., com debates em que seria necessária muita argumentação e boas ideias. Quando em Novembro propus isso disseram que estava a falar de uma sociedade muito avançada e que os angolanos não estão preparados para isso. Não é verdade. Aliás, o nosso actual sistema partidário e político são coisas que herdámos, importámos do Ocidente. Também me inquieta a questão das listas de candidatos por partidos. Na Zâmbia, como se vota por distritos, há deputados independentes que foram eleitos num determinado distrito. Uma pessoa competente, íntegra, conhecida pelas pessoas da sua área em que as pessoas votam.

Da Zâmbia vamos para as suas experiências em África. Escreve muito sobre as suas viagens pelo continente. Nos últimos vinte anos a noção de Estado e a gestão do que é público mudou ou as coisas continuam como a primeira-dama do Quénia que andava à estalada a toda a gente?
Falando do Quénia, quando o Mwai Kibaki chegou ao poder, uma das discussões foi sobre a esfinge do presidente no dinheiro. Outra questão foi do procedimento das caravanas presidenciais que anulam tudo e fazem parar a vida em Nairobi. As pessoas queriam diluir certos poderes do Presidente e dar ao primeiro-ministro.
Temos uma nova geração em África.
Temos pela primeira vez uma diáspora africana em toda a parte do mundo.
Há intelectuais africanos em toda a parte do mundo, pessoas que de fora seguem os acontecimentos do seu país…

E os intelectuais estarem fora não é uma das fraquezas do continente?
É uma mais-valia. Eu vejo isso como uma mais-valia. Porque o que influencia o mundo, hoje, são os centros financeiros, no Ocidente. Temos de ter lá gente, quem entenda bem aquilo. Se ficarmos todos no continente africano, o resto do mundo vai enrolando os africanos sem os africanos terem a perícia e a visão do que é possível.
Temos que ter africanos no Google, em Silicon Valley, no Facebook. Temos que ter africanos no Banco Mundial, temos que ter africanos nos centros que decidem. O importante é que haja um diálogo permanente entre os da diáspora e os africanos no continente. Parte do segredo do êxito da China reside na sua vasta diáspora.
Os intelectuais chineses foram para as grandes universidades ocidentais, uns voltaram e outros ficaram, mas o diálogo manteve-se. África tem de fazer isso.

E isso pode mudar o comportamento dos africanos perante o Estado e as coisas?
O comportamento e o que é possível. Hoje, o Zimbabue sobrevive muito do dinheiro que vem da diáspora, mas também das ideias do que é possível.
Dou-lhe um exemplo: eu vivo numa rua em que se uma lâmpada se parte (iluminação pública) trinta minutos depois aquilo é reparado. Se há um buraco, em 24 horas aquilo é reparado.
Temos um vizinho da Libéria que vive aí há muito tempo. Certo dia ele vai à Libéria e vê uma lâmpada apagada e irá à administração dizer que quer aquilo reparado já. Eles vão dizer: “isto aqui não é Suíça”. Ele dirá “mas porquê que isso aqui não pode ser a Suíça? Porquê?” São estas coisas… veja que a África tem um por cento das descolagens de aviões, mas tem quase noventa por cento das quedas de aviões. Grande problema. O problema está nos pilotos? Na cultura de segurança? Nas infra-estruturas? Temos que ver porquê que as nossas coisas não funcionam. Temos a capacidade de comprar grandes e caríssimos aviões, porquê que não temos a capacidade de os manter? Porquê que para se criar um restaurantezito viável tem de ser um português, um francês, um belga. Porquê? Nós que estamos lá podemos estar a trabalhar nas suas cozinhas mas estamos a aprender muita coisa e temos de implementar isso no continente. Tem que haver esse intercâmbio, esta possibilidade.
O facto de o Presidente americano ser meio africano é interessante. Isto está a levar as pessoas a questionar: se um indivíduo de origem africana está a gerir uma super-potência porquê que nós estamos a gerir mal o nosso continente? O que me dói é que a África é vista sempre como o continente onde os outros realizam os seus sonhos. O chinês vem realizar o seu sonho aqui. O brasileiro vem realizar o seu sonho aqui, o europeu vem realizar o seu sonho aqui. Menos o africano. Porquê? A juventude já começa a fazer estas perguntas. Eu vi isso na Zâmbia. Eles perguntam porquê que nós os zambianos temos o salário inferior ao de um estrangeiro? Se eu sou formado nos Estados Unidos, MIT, oi Califórnia Tech, volto para a Zâmbia, ganho um terço do salário de um outro formado na mesma universidade?
‘TEMOS QUE TER UMA ESTRATÉGIA, PARA ONDE VAMOS, QUAIS SÃO OS NOSSOS INTERESSES’
Um dos nossos problemas é a falta de visão. Também temos uma profunda ingenuidade. Um africano vai a mesa com outras pessoas, essas pessoas dizem que gostam dele e ele é incapaz de identificar que o outro tem interesses e que ele tem interesses

Estamos no limiar de uma nova revolução africana? Na mentalidade e auto-estima?
A minha geração já vê os erros do passado. Já podemos ver um Gabão que teve bons recursos petrolíferos e aquilo não foi muito bem gerido e agora tem o petróleo quase a acabar e eles estão a optar pelo ecoturismo e outras alternativas. Temos a Nigéria onde se esbanjou muito dinheiro… nós os africanos não temo estratégia. Os chineses têm estratégias de 20 anos, 5 anos, dois anos. Fazem isso. Nos africanos, o processo governamental até agora tem sido baseado em como manterse no poder e excluir a oposição. Um dos nossos problemas é a falta de visão. Também temos uma profunda ingenuidade. Um africano vai à mesa com outras pessoas, essas pessoas dizem que gostam dele e ele é incapaz de identificar que o outro tem interesses e que ele tem interesses. Veja que hoje Angola é o país mais querido do mundo, toda a gente está apaixonada por Angola. Li há bocado na revista The Economist um artigo a dizer que a empresa do whisky Johnny Walker, na sua próxima estratégia está a vir para Angola. Hoje de manhã vi um Ferrari, já há Ferrari em Angola. E virá gente a dizer-nos “vocês são os maiores” e os angolanos vão acreditar nisso. Eles não dizem isso do Malawi, não o dizem da República Centro Africana. E o angolano, nos cocktails, nos whiskies, nas vénias … estão a fazer-te uma vénia, dão-te um chouriço, mas você deu cem porcos. Estão a levar o teu país, o tipo está a ficar milionário e você muito feliz porque está a tirar fotografia com ele. São coisas absurdas.
Um academicozito vindo de Portugal faz um pronunciamento sobre a Constituição angolana e os angolanos quase que não dormem, bla bla blá porque o professor tal disse isso.
E os próprios intelectuais angolanos que estão por detrás da Constituição? O que têm a dizer? Esperam de uma afirmação que vem de Portugal ou de um brasileiro, quais são os seus interesses? Eu aprendi isso só por ter vivido na Europa. Esta autoconfiança que tenho é de ter vivido entre eles e saber que eles operam à base de interesses. Um americano quando chega a Angola muitas vezes nunca ouviu falar em Angola, nem lhe interessa minimamente, ele está interessado é no petróleo, no diamante, na possibilidade de o Kuando Kubango ter riquezas.
Ele chega a Menongue, vai ter de cumprimentar o governador, não porque ama o governador, ele veio com interesses, embora o governador possa ficar feliz com a fotografia.
O importante é o governador saber quais são os seus interesses. Isso só é possível quando há uma estratégia.
Temos que ter uma estratégia, para onde vamos, quais são os nossos interesses.

DAMBISA MOYO, QUANDO APELA AO FIM DAS AJUDAS À ÁFRICA, PODE AJUDAR OS AFRICANOS A PENSAR ESTRATEGICAMENTE?
O argumento dela é que a ajuda faz com que os políticos africanos se desresponsabilizam do apoio aos povos. Eu concordo, mas há coisas mais profundas, que têm, a ver com a própria dignidade dos africanos. Já fui a uma igreja onde as senhoras oravam porque a igreja prometia que Deus lhes iria dar um marido branco, foi em Chambavale, na Zâmbia. O pastor prometia um marido branco americano a quem orasse bem. Fui lá, fiquei triste, muito triste. Lá estavam meninas com muito potencial que estavam a perder a sua dignidade. Lembrome de ter viajado em Angola com a jornalista da BBC Zoe Eisenstein, que estava a fazer um filme e via a forma tão servil com que as pessoas ficavam perante ela. Já tive situações em que viajei com um jovem fotógrafo, branco, estivemos a viajar por África, eu era quem pagava, ele estava ao meu serviço, estava a darlhe uma oportunidade e ele estavame muito grato, mas no hotel a conta era-lhe entregue, se houvesse algum problema era nele que iam buscar a solução. No hotel as meninas faziamlhe chegar os números de telefone … ele sentiu-se pouco confortável. Nós perdemos a dignidade, não sabemos do nosso potencial, da nossa cultura, da nossa força perante o mundo. A diáspora vai ajudar a recuperar essa autoconfiança e a identificar quais são os nossos interesses. A Dambiza Moyo é uma intelectual que trabalhou para o Goldman Sach, trabalhou para vários bancos e vai comentando, em circuitos mais elevados, sobre África.
Temos de acabar com a pobreza e ajudar o africano a retomar a sua dignidade. Valorizando as nossas instituições. Um ministro da Educação que tenha os filhos a estudar no exterior, na Europa, o que nos está a dizer? O Presidente do Uganda uma vez disse que teve de enviar a sua filha para ir dar à luz na Alemanha porque ele não confiava nos médicos formados pela Universidade de Makarere. Ele é líder do país há 25 anos. Isso leva-me mais uma vez ao velho Jesse Chiula Chipenda. Ele foi aos Estados Unidos e toda a gente reconheceu-lhe grande dignidade.
Temos que recuperar, temos que ir a eles e não as pessoas que veneram os aspectos mais vistosos da cultura ocidental e não vai ao fundo mais requintado daquelas culturas.
E a mulher africana, entre a cultura e o novo mundo?
Ela agora tem vida nocturna, bebe, namora… Há evolução. Mas o que me inquieta é o desmembramento da família. Há as que querem ter filhos e manter a sua independência, mas isso depois tem consequências nos filhos. Qual será a socialização desses filhos? E que tipo de sociedade estamos a construir? Há a evolução da mulher, que é positivo. Estão no mundo académico, etc. o que me inquieta é a obsessão pelo frívolo, pelo material… temos de olhar para as mães que sofreram. Vejamos a história dos nacionalistas angolanos que passaram muito tempo nas prisões, quem sustentou e educou as famílias foram as mulheres, mas eram mulheres com outras preocupações, não a busca pelo cabelo brasileiro … a imagem. Somos muito o produto da educação e relação com as nossas mães, mas se ela não está contente com o que é, tem que ter um determinado aspecto, tem de ir ao Brasil arranjar o nariz e a barriga … naqueles tempos o importante era a solidez da mulher.
E o jornalismo depois do Spectator, do Independente de Portugal, do Semanário Angolense… ou vai ficar-se pelas redes sociais? 
O jornalismo impõe mais rigor, as redes sociais são boas mas precisam de alguns cuidados, quando caiu o helicóptero com os jornalistas da TPA, viu-se como vieram as especulações no Facebook. Há gente sem educação, que não respeita nada. As pessoas pensam que podem fazer todo o tipo de comentários, insultam, acham que estão no seu direito.
Embora haja a vantagem do tempo real. Acompanhamos as manifestações pelos telefones, por exemplo, mas há sempre a necessidade de que alguém ponha as coisas no contexto, que explique o que se está a passar. Aí está o valor do jornalismo. E aqui a credibilidade vai fazer a diferença entre os órgãos de comunicação social. Eu vejo que no jornalismo angolano já temos órgãos com credibilidade.

fonte: OPAIS.NET
José kaliengue

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