Ao abrir o seu livro damos imediatamente com a fotografia de Hoji Ya Henda. Quer transmitir que ele foi uma figura central no EPLA?
O Henda é uma figura central do EPLA, é uma figura central da nossa história militar. E a principal razão desta homenagem, vem daí.
Há uma outra figura, que esteve ligada ao EPLA e de que se fala pouco, talvez por ter tido uma ligação que durou pouco tempo, Manuel dos Santos Lima…
Manuel dos Santos Lima foi o primeiro comandante do EPLA, participou na sua formação, mas, de facto, o período em quea ele esteve ligado foi curto, cerca de um ano. Veio aquele 63 e Manuel Lima, como outros quadros, não foi só ele, abandonou. Mas tem este lugar, ele foi o primeiro chefe do departamento de guerra do MPLA.
Naquela altura, como é que se formavam os militares deste departamento de guerra?
É como tento explicar no livro, que as nossas forças armadas foram feitas, como se diz na gíria militar, na marcha. Nós não tivemos um período prévio de preparação antes de desencadeamento da luta armada, para depois formar o embrião ou o núcleo principal das forças armadas e depois desencadear a luta armada, como aconteceu em Moçambique, na Guiné Bissau e na própria Argélia. No nosso caso, nós começámos porque houve a insurreição… os acontecimentos do 4 de Fevereiro, seguidos dos de 15 de Março. Houve uma insurreição sem uma preparação prévia de quadros. Houve muita espontaneidade nestes dois actos, de modo que só depois disso é que se começa a preparação das forças armadas. Intervêm nelas muitos dos elementos que actuaram no 15 de Março, como no 4 de Fevereiro.
A principal forja dos combatentes, podemos dizer que foi o próprio combate e quando há o desencadeamento da luta armada o MPLA ainda tem a sua sede em Conacri. Só já no fim do ano 1961 é que o MPLA se instala em Kinshasa para estar mais próximo dos acontecimentos. E, a partir daí, começou-se de imediato, utilizando o apoio de certos países, a formar os quadros militares. É assim que se formam quadros militares na Argélia, que ainda não era independente, mas nos campos de treino da Argélia, e sobretudo em Marrocos, e no Ghana, que, esse sim, já era país independente. Aí é que se formam os primeiros quadros, muito jovens… Henda intervém nesse processo, esteve a fazer os seus treinos no Ghana, e depois juntou-se ao pessoal que estava nas bases argelinas em Marrocos. E é a partir daí que se formam pequenos grupos que vão constituir o embrião com que se inicia a formação do EPLA.
Tudo isto requer um processo de organização e disciplina muito grande, no momento em que o movimento ainda se está a estruturar… homens formados a uma distância muito grande, depois introduzi-los no interior do país…
Foi um esforço muito grande e foi uma grande abnegação de muitos quadros… muitos deles pagaram essa abnegação com a própria vida, como é o caso do Tomás Ferreira, e outros. Mas não havia outra solução.
Então desenha-se o EPLA e começam as acções…
As acções do EPLA… o exército é mais simbólico, porque nos primeiros anos as acções são muito pequenas, são de pequeno vulto. Algumas acções em Cabinda… depois, o início… há várias tentativas de integrar os esquadrões na Primeira Região, que praticamente já é o EPLA, e há, sobretudo, um trabalho de estruturação das futuras forças armadas. Só que as nossas possibilidades de actuar no interior… já havia o bloqueio da UPA, e depois da FNLA, e do próprio Zaire que nos impedia de fazer como nós gostaríamos, entrar com mais força, com o pessoal mais organizado.
Depois, o EPLA sofre, como toda a estrutura do MPLA, a grande quebra que foi a crise de 1963, quando a UPA- FNLA é reconhecida como o único movimento válido (Pela OUA – Organização de Unidade Africana), muitos quadros abandonam a organização e o MPLA é obrigado a deslocar a sua sede de Kinshasa para Brazzaville…
Isso coincide com o isolamento da Primeira Região?
O isolamento da Primeira Região é desde sempre. Desde sempre que nós estivemos praticamente impossibilitados de ter acesso a ela. De modo que a transladação da sede do MPLA para Brazzaville permitia continuar a ter uma fronteira que era a de Cabinda… nós sabíamos que não era em Cabinda, uma parte pequena do território que se iria resolver e conquistar a independência, mas estávamos mais próximos da Angola grande, como nós dizíamos. Por isso é que desde o início, e ao mesmo tempo que organizávamos as forças armadas, o combate em Cabinda, parafraseando o Dilólwa que disse que Cabinda foi o laboratório das forças armadas, e foi de facto, aí que nós começámos a formar quadros, a aprender a combater, a inspirar-nos nas experiências de outros países que tinham combatido, como era o caso da Argélia, sobretudo, que era o caso mais próximo de nós… A influência da Argélia naquele tempo em África era muito grande, era o primeiro país que tinha forçado, pela força das armas, o colonizador a sentar-se à mesa e a conseguir a independência, se bem que não houve derrota militar.
Mas inspirávamo-nos também no caso da derrota dos franceses em Dien Bien Phu (Vietname), etc. Íamos aprendendo as coisas todas, a própria guerrilha de Mao Tse Tung, os princípios de cercar as cidades a partir do mato, as teorias de Che Guevara, da guerrilha cubana, isso tudo era estudado por nós e tentávamos aplicar adaptando às nossas condições concretas. Logo, Cabinda foi uma escola de quadros enorme. E a verdade é que guerrilheiros de base na Segunda Região vão depois aparecer como responsáveis militares e alguns deles atingindo a hierarquia tanto na Primeira Região, como na Frente Leste. É bom dizer que desde 1964 começou-se a trabalhar na Frente Leste. Para a abertura da Frente Leste, sobretudo a partir da Zâmbia, só que a Zâmbia ainda não era independente. Então tivemos o caso de um grupo de camaradas em que estavam incluídos o Chipenda, o Dilólwa e o Gato que foram presos na Zâmbia por estarem a actuar a favor do MPLA. Mais tarde acabaram por ser libertados, mas começámos a trabalhar, era uma fronteira vasta. Procurávamos o acesso também pela fronteira Leste.
O EPLA era um exército, nasceu assim, com a influência da Argélia também… mas tinha já o desenho de um verdadeiro exército para merecer esta denominação?
A nossa ideia foi sempre a de fazer uma guerra de guerrilha, mas se formos olhar, como disse, a influência da Argélia era muito grande, sobretudo a luta de libertação na Argélia. Eles criaram, no princípio a FLN (Frente de Libertação Nacional) e, paralelamente, o ALN (Armée de Libération Nationale – em português: Exército de Libertação Nacional). Essa ideia aparecia como a ideia central, para nós a inspiração parte daí. Claro que a ideia não era criar um exército regular, mas fazer uma guerra de guerrilhas e ter um estado-maior organizado para dirigir, etc. Foi mais nome do que outra coisa.
E o que é que determina a transformação de EPLA em Corpo de Guerrilheiros do MPLA?
Isso opera-se quando o MPLA recua para Brazzaville. Aí revê-se tudo, de uma ponta a outra, não só a estrutura, como os métodos de trabalho… tudo. A utilização dos quadros, sobretudo. Então deixou de ser EPLA e passou a ser um corpo que no início nem tinha nome e depois acabou por se chamar Corpo de Guerrilheiros do MPLA. E adoptado um princípio básico e fundamental: os quadros do MPLA são todos políticos e militares. Qualquer quadro pode, a qualquer momento ser retirado de uma tarefa administrativa, política ou diplomática e ir combater, acabando com aquela divisão que havia no início, os políticos, os combatentes, os diplomatas… não, passou a ser uma estrutura única. Isso vai perdurar durante vários anos, até praticamente 1974, quando se tinham que criar as condições para se criar as FAPLA.
Esta mudança de EPLA para Corpo de Guerrilheiros e a mudança de Kinshasa para Brazzaville coincide também com casos como o de Viriato da Cruz, isso tudo determina também a mudança de postura militar?
Sim, claro, tudo acaba por estar interligado. Porque com a crise de 1963 perderam-se muitos quadros, muitos quadros abandonaram a organização… muitos que não acreditavam que era possível continuar… porque tudo parecia indicar que a Independência iria ser conseguida pela FNLA… mas aí intervém o génio, a teimosia de Agostinho Neto, que diz que não. Recusa terminantemente integrar-se na FNLA, como exigia a OUA, e diz que nós vamos continuar o combate. Porque Neto pensava que a Independência que se iria obter pela FNLA não era aquela, a verdadeira, a Independência que nós almejávamos. E aí o Neto insiste.
Quando vamos para Brazzaville vamos com um número muito pequenos de quadros, os mais velhos, aqueles quadros que eram, na altura, homens de trinta e poucos anos, ainda jovens na verdade, mas para nós eram os mais velhos, abandonam. Muitos, mas não todos, houve alguns deles que ficaram, conhecemos os seus nomes, falamos do secretário Lúcio Lara, o Iko Carreira, o Luís de Azevedo Júnior, o Dilólwa, o João Vieira Lopes, o Eduardo Macedo dos Santos, entre outros, esses são quadros que se mantêm, mas o núcleo principal são jovens, que são chamados logo do princípio a assumirem funções elevadas…
Militares e Políticas …
Militares e políticas, como é o caso do Aníbal de Melo, que era deste grupo que ficou. Um camarada que foi fundamental. É o caso do Henda. O Henda, em 1964, aquando da Conferência de quadros, tem 23 anos. E assume já, nessa altura, funções importantes, aparece já como comandante em Cabinda. Ele já tinha participado em acções combativas ainda quando estávamos em Kinshasa. Ele participou no Esquadrão Vermelho, que foi comandado pelo Monstro Imortal… de modo que o nível de idade para certas tarefas baixa sensivelmente.
Pode-se dizer que se tratou de um período de algum perigo para a organização, com quadros tão jovens?
Não havia outra hipótese, era o que havia. Tinha-se que combater. Acontecia, por exemplo, que o Henda era nosso chefe e era da nossa idade. Não havia diferença de idade, não havia. Alguns até eram mais velhos que o Henda. Mas ele já trazia uma experiência… o Henda começa a sua senda ainda aqui em Luanda, ainda muito jovem ele já tinha uma actuação política… ele foge para o Congo muito cedo e tem uma actuação desde o início. Depois era o carisma da própria pessoa, que era o caso dele…
Então teve-se o fim do EPLA, Kinshasa bloqueada, a fronteira Leste, com a Zâmbia, distante, e a Primeira Região isolada, como é que se fazia a gestão política disto tudo e a logística militar?
Era muito difícil, e isso nós sentimos ao longo de toda a guerra. Porque as comunicação eram o que eram, não havia Internet, as comunicações via rádio eram difíceis, as telefónicas eram praticamente inexistentes em África… ainda conseguia-se falar para a Europa, com muitas dificuldades, mas de África para África não se falava, de modo que era muito difícil. E isso, talvez, é a minha interpretação pessoal, vai causar o problema de 1973 que foi o surgimento da Revolta Activa, que acusava Agostinho Neto de presidencialismo, de querer ocupar o poder todo. No meu entender, uma luta de libertação nacional tem sempre uma bandeira, um estandarte, um símbolo, uma pessoa. E nós vimos isso em todas as lutas de libertação nacional, em Cuba foi Fidel, no Vietname foi Ho Chi Min, por aí fora. Mesmo a própria revolução soviética tinha o seu Lénine. Esse homem é bandeira e, de um certo modo, acaba por ter concentrado nas suas mãos o poder, mas não há outro modo. Como é que vai reunir um Comité Central quando tem uns que estão na Primeira Região, outros na Segunda e outros na Terceira. Quando, por vezes, há a necessidade de tomada de decisões imediatas? Nem mesmo o Bureau Político dá para reunir. Por isso é que o Neto, ao longo da guerra, foi formando diferentes tipos de organismos que faziam o acompanhamento e a direcção da luta. Primeiro foi a Presidência, que aparece já nos anos 1968 / 69, que era constituída por Agostinho Neto, Aníbal de Melo, Monimambo e Chipenda. Essa presidência existiu durante um tempo e fazia a direcção da luta. Em 1970 o Neto achou por bem, talvez porque havia más interpretações … são todos presidentes… e formou o que chamou de CCPM (Comité de Coordenação Político Militar). Nessa altura Neto presidia o CCPM e dele faziam parte o Lúcio Lara, continua a fazer parte o Monimambo, continua o Chipenda… entrou o Lúcio Lara e o Iko. O Aníbal de Melo estava incapacitado por um acidente e por esta razão não entrou. O CCPM vai perdurar até ao Reajustamento…
Mas não consegue sarar de uma vez por todas as fracturas que vão até depois da Independência…
Não, claro que não sarou, mas essas fracturas não podiam impedir o desenvolvimento da luta. Não podíamos dizer olha, vamos ainda parar, vamos sarar as estruturas, vamos dizer aos portugueses… não. Nós tínhamos de continuar a combater. Logo, era preferível ir resolvendo estes problemas continuando a combater. Depois, no movimento de Reajustamento, o CCPL é substituído. O Chipenda não entra, houve a defecção de Chipenda e o CCPM é substituído pelas CPR (Comissões Provisórias de Reajustamento), tanto na Frente Norte como na Frente Leste. Foi este organismo que passou a dirigir a luta. Depois houve houve a conferência do Ludoji, em 1974, que elegeu um novo Comité Central, etc., mas já as condições eram diferentes, já havia a possibilidade de …
Quer dizer que na passagem de EPLA para Corpo de Guerrilha há uma crise que afecta até politicamente o movimento, depois, para a passagem para as FAPLA há outra crise, ou elas é que forçam as alterações…
Eu diria que são mais crises de crescimento, porque nós sentíamos que as estruturas já não estavam adaptadas para o desenvolvimento da luta, aumentou demasiado…vamos ver: em Cabinda, no ano de 1965, que foi a altura em que eu lá cheguei, quando juntamos os guerrilheiros da zona A e da Zona B, não chegamos a cem. Eram as forças armadas do MPLA. Era uma coisa ínfima. Mas isso era um laboratório, como disse o Dilólwa. E é daí que as pessoas vão ser espalhadas. À medida que íamos trabalhando, mesmo em Cabinda, sentíamos que a FNLA cada vez se afundava mais. E havia gente, angolanos que saíam de Angola para o Zaire e que arranjavam um modo de saltar o rio para virem juntar-se ao MPLA. Quando começámos a combater em Cabinda, a maior parte era pessoal que vinha do Norte. Foi a partir dos elementos da Segunda Região que se formou o primeiro esquadrão, o Cienfuegos, e se formou o Esquadrão Camy, e se formou o Esquadrão Bomboco… já não eram os cem. Já tinha aumentado, e aumentado muito. Mas a estrutura, digamos que se iam fazendo remendos para ir colmatando as situações.
Abriu-se a Frente Leste, nas províncias do Moxico e Kuando Kubango, a Terceira Região, e num determinado momento viu-se que o comando da região já não conseguia… então dividiu-se a região em duas sub-regiões, a Norte e a sub-região Sul. A Norte era o Moxico e a Sul o Kuando Kubango. Mas depois abrimos a Quarta Região, foi preciso nomear um comando para a Quarta Região, e tentámos avançar para o Bié, mas formou-se a Quinta Região no Bié, e tivemos um núcleo já a trabalhar para a Sexta Região que englobaria o Cunene e a Huila. Manter esta estrutura toda, sem comunicação, era extremamente difícil, muitas vezes as coisas ficavam a cargo do responsável que lá estava, ele era tudo.
E havia a necessidade de enquadrar, porque nós tínhamos objectivos políticos, os nossos objectivos sempre foram políticos… nós sempre soubemos que não havia a possibilidade de termos uma vitória militar, sabíamos isso… mas tínhamos que pôr Portugal numa situação, contando também com a luta nas outras colónias, Guiné e Moçambique, em que seria obrigado a sentar-se, como chegou. É certo que não foi só a pressão militar, mas foi o degradar da situação interna em Portugal, sobretudo produto das guerras, que motivou o 25 de Abril. Porque se não tivesse havido guerras coloniais não teria havido o 25 de Abril. A evolução poderia ter sido outra, como em Espanha, mas em Portugal foi antes, porque os próprios militares sentiram que a situação estava de tal modo degradada que tiveram de intervir. Mas a nossa estrutura estava cada vez mais difícil de dirigir. Em 1968, Agostinho Neto disse que nós tínhamos de adoptar uma estrutura de partido e executar uma política de frente nacional. Tínhamos de adoptar uma estrutura de partido para melhor enquadrar os militantes, mas não nos devíamos fechar na estrutura rígida de partido e praticar uma política de frente nacional para abarcar todos os sectores da população. Nós não queríamos colocar apenas os operários e os camponeses, queríamos a burguesia nacional, os intelectuais… todos, desde que fossem patriotas e estivessem de acordo com a Independência nacional.
E quando nascem as FAPLA, o desenho é pensado já num exército regular?
Sim. Éramos ainda uma força de guerrilha, mas para fazer a transição para um exército regular. Naquela altura tínhamos os esquadrões… o esquadrão tem mais ou menos a estrutura de uma companhia, cento e poucos homens, as colunas, com três a cinco esquadrões e o batalhão que era a unidade maior prevista na estrutura. Começando de cima tínhamos a coluna, o esquadrão, a secção e o grupo. Era a estrutura básica adoptada desde o princípio, desde o Corpo de Guerrilheiros do MPLA até… quando entrámos ainda formámos vários esquadrões nas várias frentes.
Depois, as FAPLA têm uma evolução rápida, com os CIRs (Centro de Instrução Revolucionária) a formar gente e rapidamente surge a Marinha de Guerra, a Força Aérea…
Isso é já posterior, mas o CIR é a estrutura básica, foi das coisas mais bonitas que tivemos, e que proliferaram. Primeiro foi no Congo Brazzaville, em Dolisie, que agora se chama Lobomo. O “promotor” do CIR foi o Dilólwa. Ele não era o director, o director do primeiro CIR foi um camarada que morreu no Esquadrão Camy, o Fernando Brica, o sub-director era o Jika, o Ingo era o instrutor militar. O Dilólwa era o professor principal. Ele é que redigiu praticamente todas as cartilhas. O CIR, no Congo, fez muitos cursos, depois, quando fomos para outras zonas continuou-se a formar CIRs, nas regiões a primeira coisa a criar era um CIR. Porque o CIR formava tudo, o guerrilheiro, as milícias, alfabetizava… fazia tudo. Era uma estrutura que mesmo depois do 25 de Abril ainda se formaram CIRs em várias regiões. Foi uma estrutura que resultou e foi fundamental para a estruturação do MPLA.
E chegaram às FAPLA ainda sinais do EPLA, ou houve um corte total?
Sinais do EPLA eram os camaradas que tinham vindo do EPLA. E nós tínhamos ainda aquela ideia… não digo saudosismo, mas lembrávamos. Eu não pertenci ao EPLA, quando cheguei já era Corpo de Guerrilheiros. Mas havia, sobretudo os camaradas que tinham vindo do EPLA, porque tivemos vários grupos formados no Ghana, na Argélia e tidos eram do EPLA. Mas tivemos vários camaradas que foram do EPLA e chegaram às FAPLA…
E alguns às FAA
É verdade. Mas se notar, a influência do EPLA não havia, porque os métodos de trabalho foram mudados… ou melhor, aprimorados…
E a componente ideológica, quando aparece?
Aparece mais vincada no Corpo de Guerrilheiro, se bem que no EPLA já tínhamos comissários políticos. Até porque nós eramos todos membros do MPLA, não havia só militar sem ser membro do movimento. Até porque dizia-se que o guerrilheiro é o membro do MPLA em armas. Por isso é que temos muitos camaradas que durante muito tempo trabalharam na estrutura política mas que de repente foram combater. É o caso do Certa, que trabalhou muito tempo na Juventude, o Vunda, que trabalhou na estrutura administrativa e que num determinado momento foi para a Segunda Região e virou comissário político, era natural. Ou o camarada que por questões de saúde saía da guerrilha e ia trabalhar para a estrutura política. Não havia espaços estanques. Quando fosse necessário toda a gente pegava na arma.
Sobre o seu livro, sabemos que temos pouca produção literária sobre este período…
Por isso não digo que o livro é… história, chamo-lhe apontamentos de um percurso. Para mim este livro é mais uma homenagem. Eu cito nele muitos nomes, porque quis mesmo citar nomes. Peço desculpas se me esqueci de alguns, mas tentei lembrar-me ao máximo. Porque é preciso falar desses camaradas. Muitos deles estão esquecidos. São heróis anónimos que deram um contributo fundamental para chegarmos à Independência. São apontamentos que os historiadores poderão usar… eu penso que se um dia houver a oportunidade de fazer uma segunda edição terá de ser revista, corrigida e aumentada.
Porque vão surgindo dados e nomes?
Nós temos falta de arquivos, um dos bons que temos é o do Lúcio Lara, na Fundação Chiueka, de onde bebi muito, mas gostaria de aumentar dados, se vier uma segunda edição, há muita coisa que vai surgindo, ao falar com outras pessoas e consultando outras fontes.
Mas não vai, o livro, até ao fim das FAPLA…
Eu paro em 1975, este ano, só por si, dá matéria para um livro, aconteceu muita coisa em 1975. Desde a chegada da delegação do MPLA até à expulsão dos sul-africanos há matéria para um livro…
Todo este período de evolução, do EPLA às FAPLA, com as experiências de fora, com as transformações políticas, com a penetração em Angola e a criação das regiões, pode-se dizer que se criaram tácticas e movimentos militares angolanos que pudessem servir para ensino nas academias militares?
Há muita coisa por estudar. Há tácticas sim. Tudo está condicionado pelo terrenos, pelas condições. Por exemplo, em Cabinda o terreno é floresta cerrada, nas montanhas e nos planaltos, tal como na Primeira Região, Nanbuangongo, etc., mas chagámos ao Leste e demo-nos com chanas extensas, que se levam horas a percorrer. Aí os portugueses, por exemplo, tiveram a oportunidade de actuar com helicópteros, quando em Cabinda era quase nula a sua utilidade, havia bombardeamentos quase cegos. Na Primeira Região houve o uso de desfolhantes e de herbicidas, para dar cado das plantações de subsistência, as lavras de mandioca, et. Agora, quando ao Leste são as imensidões da chana, que no tempo das chuvas ficam alagadas. Aí foi preciso os guerrilheiros adaptarem-se. O Leste também tem uma densidade populacional muito menor, pode-se andar horas sem ver uma pessoa. Mas com o passar do tempo os quadros foram se adaptando e amadurecendo. Quando começámos em 1962 / 63 a nossa experiência militar era mínima, mesmo as possibilidades de formação eram mínimas. Houve os grupos da Argélia, mas depois as possibilidades fecharam-se. Até que no campo socialista se mandou gente para a Bulgária, Jugoslávia, etc., mas o essencial das nossas forças era feito e aprendido non terreno.
Era um combate desigual, contra comandantes formados em academias… não havia mapas, etc.,
Poucos mapas, não havia, os movimentos eram feitos por reconhecimento, croquis, etc., mas do outro lado também, havia um exército que se adaptou, tinha os caçadores especiais e depois criou os comandos. Os primeiros comandos portugueses nascem em Angola. De uma necessidade que eles viram… apoiaram-se nas ideias e tácticas dos franceses, italianos… quem dá o treino aos primeiros comandos portugueses é um italiano, que era fotógrafo e até tem publicado um livro sobre penteados de Angola, ele vivias aqui, e tinha sido comando no tempo da Guerra na Itália, e que entra em contacto com as Forças Armadas Portuguesas e traz as suas experiências, os portugueses adaptam-nas e criam os primeiros comandos em 1964.
Uma das grandes operações do MPLA em 1965, em Cabinda, foi a Operação Macaco, eu participei e participaram também cubanos… era para um assalto a um quartel, mas fomos interceptados, porque houve fuga de informação, pelos comandos. Há pouco tempo fiquei a saber quem foi que comandou os comandos, o famoso Jaime Neves e o Gilberto Santos e Castro, que estavam no princípio, eram capitães.
Nesta evolução, ao longo do tempo, há deserções, entradas, embates com outros movimentos…
Sim, houve isso tudo, deserções… mas devo dizer que o MPLA, pelo menos a história que eu conheço, não teve muita deserção, não as teve muitas para outros movimentos… tivemos poucas para a FNLA, algumas para a UNITA. Para os portugueses teve poucas, algumas pessoas foram capturadas e apresentadas como desertoras, era o jogo psicológico. Disseram que o Ingo e o Certa se tinham entregado, eles foram capturados, nem o Mabiala, nem o Tetémbua… mas os portugueses diziam que tinham desertado, até publicaram fotografias deles na Marginal a apelar à deserção, mas nós sabíamos que eles estavam presos. Não foram julgados, os portugueses não julgaram nenhum dos nossos camaradas que foram apanhados com arma na mão.
Mas também não é segredo para ninguém que tivemos alguns choques violentos, mortíferos, com a FNLA e com a UNITA ao longo da guerra. No Norte foi desde o princípio, com a FNLA a fazer verdadeiros massacres a tentar impedir a nossa progressão. O Esquadrão Cienfuegos conseguiu entrar em Angola ludibriando a FNLA, o Esquadrão Camy, teve o problema de se terem perdido e a maior parte do pessoal morreu. Mas não os fez parar. O Bomboco foi cercado na fronteira pelo exército zairense e da FNLA, os camaradas combateram, depois houve tréguas e os nossos camaradas foram presos. Foram depois libertados com a pressão da OUA, o MPLA já tinha mostrado o que valia e que nós só queríamos o direito de passagem.
Também houve combates com a UNITA. Nós, tanto na primeira como na quarta região tentámos acordos com a FNLA para combatermos juntos o mesmo inimigo. Isso valeu a morte de camaradas nossos, friamente assassinados.
Com a UNITA houve a história da vinda a Brazzaville, depois de Savimbi ter renunciado à FNLA, faz um acordo, vai ao Leste, para voltar, mas lá posto forma o seu Muangai, apesar de termos ajudados pessoas da FNLA a atravessar o rio para se irem juntar a Savimbi… só que a UNITA funcionou sempre como um travão, no Leste, sobretudo… mas isso é história, os seus acordos com os portugueses, etc.
fonte: OPAÌS
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