II
NÓS, AFRICANOS, NÃO LUTAMOS
PELA DEMOCRACIA
“A História está do lado dos bravos africanos -
que lutam pela democracia - não dos que usam golpes ou mudam constituições para
subir ao poder.
Barack Obama
O PODER DAS PALAVRAS
Não idolatro as palavras mas
reverencio o seu valor real quando usadas no momento certo no lugar certo. As
palavras podem matar, podem destruir, como também podem criar vida, mesmo no
deserto mais árido. O poder da palavra é imenso no despoletar da esperança
mesmo nos tempos de maior desespero.
É minha profunda convicção que
nem a idolatria dos textos, nem a das frases é salutar. Mas há aforismos e
pronunciamentos que de facto mudaram o mundo. Podemos interrogar-nos sobre o
porquê de certas frases ou pronunciamentos, imateriais portanto, sem possuírem força
de exércitos, terem o condão de mudar a realidade material de tal forma, que
depois de terem sido pronunciadas, nada ficou como dantes num determinado país
ou quiçá no mundo inteiro.
Não recuarei até a
antiguidade, para lembrar frases famosas que provocaram verdadeiros milagres ou
cataclismos. O famoso pronunciamento de Leónidas “almocem aqui, e jantem no
inferno” que os motivou os Gregos a resistirem aos Persas até ao derradeiro
soldado é um exemplo disso.
Decididamente as frases fazem
milagres quando boas, ditas na hora certa pela pessoa certa. Há frases, ainda
recentes e lembradas por homens (alguns ainda vivos que as escutaram um dia),
até hoje, com admiração e veneração. Por exemplo o “Never Surrender” de Winston
Churchil (se este discurso não foi o que fez a Inglaterra ganhar a Segunda
Guerra Mundial, fez muito para isso). Creio que esta frase, também, fez com que
a Rainha não abandonasse Londres (embora aconselhada por todos) mesmo quando as
bombas caiam em cima do Palácio de Buckingham. Pois quem depois de ter ouvido o
Winston Churchill fazendo o inigualável discurso na Câmara dos Comuns, proclamando
“We shall never surrender”, poderia algum dia deixar de cumprir o seu dever
frente ao inimigo, seja homem, mulher ou criança? Mesmo se para isso tivesse
que dar a vida. Se os Londrinos não fugiram da sua cidade, em chamas, com medo
dos bombardeamentos (como os Parisienses, que em pânico abandonaram Paris, até
em caroças de buros), creio que este discurso, foi uma das coisas que os deteve,
como um dique, para morrerem com honra, se preciso for, debaixo da metralha e
das bombas. Pois entre outras razões não menos nobres, se esse extraordinário homem
ficava em Londres para defender a honra da pátria e suas honras pessoais, eles
também deviam ficar.
Nessa altura os Ingleses,
isolados e sem aliados, depois da queda da Checoslováquia, Polonia, Bélgica e
França, estavam na situação mais desesperada de toda a sua milenar História. O exército
que tinham estacionado em França (A Força Expedicionária) foi derrotada em
Dunquerque, e os sobreviventes fugiram atravessando o canal de Mancha em tal
debandada que utilizaram todos o tipo de embarcações, jangadas, botes de
recreio, coisas inimagináveis (até em banheiras de casa de banho, segundo os
detractores). O “império onde o Sol nunca se põe”, corria o risco de derruir
para sempre. Então Churchill percebeu que tinha que fazer um pronunciamento de
tal magnitude que galvaniza-se o povo, o erguesse do desânimo e o pusesse de
novo em pé. Assim pensou, assim resolveu, assim fez. E o disse mais calmamente
que podia, talvez para não parecer pouco sério, dadas as circunstancias; para
não parecer apenas um arrebatamento, fruto do desespero. Essas palavras durarão
para sempre enquanto Inglaterra existir, com ou sem império:
“ (…) Nós iremos até o fim,
nós lutaremos na França, Nós lutaremos nos mares e oceanos, nós lutaremos com
crescente confiança e crescente força no ar, nós defenderemos nossa ilha, não
importa a que custo, Nós lutaremos nas praias,
Nós lutaremos nas pistas de
pouso, Nós lutaremos nos campos e ruas,
Nós lutaremos nas colinas, nós
nunca vamos nos render!"
Essas palavras imateriais ajudaram
a vencer a Guerra tanto, quanto, os navios, aviões e tanques, feitos de ferro e
aço. Cada povo teve as suas palavras de ouro, no momento de maior desespero, no
momento em que tudo parecia perdido e a própria nação e o povo corriam o risco
de desaparecer. As vezes no momento em que o destino de todo um povo vai ser
decidido, como na batalha de Moscovo, ou quando as incertezas são mais do que
as certezas, quanto aos destinos da nação, como em Gettysburg, quando Lincoln deu
a mais bela definição da democracia que conheço: “Resolvemos solenemente que
estes mortos não caíram em vão; que esta nação, com a graça de Deus, terá nova
aurora de liberdade; e que o governo do povo para o povo, não desaparecerá da Terra.”
O Brasil, nosso país irmão,
teve as suas palavras de libertação que figuram no seu panteão de heroísmo com
com o fortíssimo “independência ou morte” de D. Pedro, que motivou os
Brasileiros para a luta pela Independência. Mas há um lindo momento da sua
História, no episódio de Itororó: durante a Guerra do Paraguai, quando Luís
Alves de Lima na hora de maior desespero gritou: “sigam-me os que forem
Brasileiros”. Ao som dessas palavras ditas no momento certo, quando já nada
havia para recorrer, os soldados transfiguraram-se e venceram o inimigo (perdeu
45 oficiais, ao todo 1864 homens mas venceu a batalha já quase perdida).
Em outro canto da Europa, na
Segunda Guerra Mundial, defronte ao implacável inimigo Nazi, foi pronunciado a
frase que aos nossos ouvidos soa estranho, mas era um cântico para outros: “Moskva
za nami, ni chag nazad” (Moscovo está atrás de nós! Nem um passo
atras!). Esta foi uma das frases famosas que fizeram com que milhões de pessoas,
resistissem e morressem enfrentando o mais poderoso exército alguma vez lançado
num ataque, na história da humanidade. Foi o folego de Deus, que susteve o exército
Hitleriano, de milhares de tanques blindados, aviões e soldados imbuídos de uma
ideologia dos infernos, jamais pensada pelo homem, nos arredores da grande
cidade, quando lhes faltava escassos quilómetros para conquistar o Kremlin. “Moscovo
está atrás de nós!” Foi o último grito, decisivo, que mudou a sorte de “um quarto
da Humanidade”.
Esse grito veio no momento
certo mais do que nunca; Os comunistas, no poder, já estavam desacreditados com
todos os massacres cometidos, milhões de mortos nos “Gulags”, terror instituído
em regime politico, e poucos estavam dispostos a lutar por esse regime que
aprisionava toda uma nação, mas pela Pátria, pela sua Capital eterna, pela
cidade com mil anos que os seus antepassados ergueram do nada para lhes legar,
sim. Milhões morreram, mas essa certeza, de que “Moscovo está atrás de nós! Nem
um passo atras!” e ninguém tem o direito de ficar vivo, sendo ela conquistada. Outros
morreram a frente de Napoleão, eles morreriam a frente de Hitler, mas Moscovo,
essa, viveria para sempre. A magia dessa frase providencial, saído da
imaginação de alguém, mudou o curso da história.
II
FOMOS ESCRAVIZADOS,
COLONIZADOS E ULTRAJADOS
Este passeio pela História foi
para voltar ao presente com mais argumentos, para “enfrentar” a frase do
Presidente Obama, naquele sentido que frisei: mesmo as verdades inegáveis não
são indiscutíveis. A frase do Presidente Americano também foi dito no momento
certo, no sítio certo e pelo homem certo. As frases emblemáticas, fortes, com
magnitude suficiente para mudar a dura e desesperadora realidade, devem reunir
estas três condições sine qua non. Basta uma não estar reunida para que o
efeito, esperado ou não, não se realize.
Desta frase e suas
repercussões possíveis, farei dois tipos de análise (ou uma única, em duas
diferentes dimensões), a primeira lerá logo a seguir, e a segunda, no terceiro
capítulo destas “Redundâncias”, assim esperando não ser redundante.
E esta frase do Obama, que quero
analisar, sem emoção, mas com profundidade suficiente, tem a particularidade
(como as outras de outros de que falei atrás) de nos apontar o caminho do
heroísmo, do perigo para la chegar, e do dever que temos na sua realização.
Além de implicitamente conter a nossa condenação moral se não agirmos em
conformidade; mas uma condenação profundamente nossa, íntima, emitida pelo
Tribunal da nossa consciência individual. Por isso muitos preferem morrer a
vergonha de se olharem ao espelho, sabendo que não foram homens o suficiente,
como a moral manda. É daqui que parto para dizer que contem certas noções que
importa interpretar e esclarecer, para só depois falar de “realizações” a que
nos impele.
No capítulo anterior (Redundâncias
I) - dizia que “esta frase tem o seu quê de profundo e necessário (…) no seu
sentido filosófico mais profundo” - teci algumas considerações e varias
interrogações sobre como preservar a liberdade conquistada, lutar pela
democracia e ao mesmo tempo construir instituições fortes em Africa.
A primeira parte da mesma, “A
História está do lado dos bravos africanos (que lutam pela democracia), não dos
que usam golpes ou mudam constituições para subir ao poder”, é algo de que vai
a buscar legitimação para actos actuais na própria “História”; a História surge
como alentadora e legitimadora de acções que se crêem necessárias. Diz-se
muitas vezes que esta é uma noção marxista que advém da compreensão
materialista (marxista) da História. Mas Obama, que nem de longe é Marxista,
usa-o, creio, a partir da interpretação de Hegel feita por A. Kojève, como F. Fukuyama,
no seu tempo, no seu famosíssimo “Fim da História e o Último Homem”.
Quando diz, de forma
metafórica, que a “História” esta do lado dos que lutam pela democracia, disso
depreende-se que a justeza do acto é inatacável, (pois até a “Historia”
legitima a democracia, por isso está do lado dos que a realizam. Aliás é uma
legitimação dupla: aos Lutadores e ao objecto da sua luta). E a condenação dos
outros (dos que a “História” desconsidera), que contrariamente, que em vez de lutarem
para serem eleitos democraticamente, usam golpes (baixos?) para chegar ao poder.
A condenação é implícita, mas de forma muito explícita. Pois, para quem leu
Hegel, Marx, Fukuyama (a partir de Kojève) se a História não está do nosso
lado, pressupõem-se que estamos errados a longo prazo, mesmo que
momentaneamente estejamos certos.
Mas com a História do nosso
lado ou não, é necessário dizer ao mundo (e ao Presidente Obama) que nós, os Africanos,
não lutamos pela Democracia. Não lutamos pela democracia simplesmente porque
qualquer Luta tem o seu momento histórico, e condições reais para o seu
desencadeamento; nunca é antes ou depois, pois estaria condenado ao fracasso; seja
a Luta libertação dos povos africanos, seja a Revolução Francesa ou de Outubro,
sejam as actuais Revoluções Árabes. Se há algum determinismo na História, a
única luta que escapa a ela, é a Luta pela Sobrevivência. É a única luta que
não tem momento histórico; é de todos os dias, de toda a hora.
Infelizmente, nós, os
Africanos, ainda não chegamos a fase de lutar “por” coisas, mas de lutar
“contra” coisas. Contra a ditadura, contra a corrupção, contra as matanças,
contra os golpes, contra o analfabetismo, contra o tribalismo, contra tudo que
faz a vida do homem ser um inferno neste continente. E se no fim desta luta
chegarmos a Democracia seria interessante. Depois de lutarmos “contra”, e
vencermos, passaremos a lutar “pela”. Pela democracia, pelo desenvolvimento,
hospitais, estradas, emprego, electricidade, saneamento básico… e por ai. Para
já, a luta pela sobrevivência, pelo desenvolvimento,
construção das nossas nações e futuro melhor para os nossos filhos. Primeiro o “programa
mínimo”, depois o “maior”, fazendo analogia a doutrina filosófica do nosso
Amílcar Cabral.
Mas se a “democracia” é a
única estrada que nos leva para lá, obviamente vamos construi-la, para esse
efeito. Mas nunca será uma estrada que percorreremos numa só via, e só depois
de terminada. Será construída, ao mesmo tempo que a percorremos, mesmo que os
engenheiros da democracia nos digam que tal é impossível. Mas nunca devemos
tomar a causa pelo efeito; pois a “democracia” não significa fazer eleições de
vez em quando. Estas são um dos pressupostos da outra; eu diria que as eleições
são a “prova” de que a democracia existe num país, mas longe de serem a única
prova. Mas que ninguém se engane, não são a realização periódica de eleições
que fazem um país ser democrático. É o contrário, a democracia é que faz com
que se realizem eleições nuns pais. Portanto antes de fazermos eleições, e para
os fazermos, primeiro temos que ser democratas. Aquelas são consequências desta
e não o contrario. Pois só em Democracias Constitucionais (países democráticas)
que existem eleições. Mas não são as eleições que os fazem Democracias
Constitucionais.
Infelizmente, a luta maior do
Africano, ainda é esta da sobrevivência; que lhe deixa pouco tempo para as
outras honrosas lutas. Esperemos que a História nos compreenda e que esteja do
nosso lado. Marx (ainda Hegeliano?) já pressentia este momento Africano quando
dizia na sua obra conjunta com Engels, a “Sagrada Família” que “ (…) Pela
primeira vez erigia-se a história sobre sua verdadeira base; o fato palpável,
mas totalmente despercebido até então, de que o homem precisa em primeiro lugar
comer, beber, ter um tecto e vestir-se e, portanto, trabalhar antes de poder
lutar pelo poder, de fazer política, religião, filosofia, etc.; esse fato
palpável passava a ocupar, enfim, o lugar histórico que naturalmente lhe cabia.
(…) ” Ele assim, por fim, compreendeu o mundo, do qual, ainda “Jovem Hegeliano
de Esquerda”, nos dizia (na sua décima-primeira tese sobre Feuerbach), que “os
filósofos limitaram-se até agora a interpretar o mundo de diferentes modos; do
que se trata é de o transformar.”
Gosto mais da última frase,
pois nos motiva para a luta, mas primeiro devemos compreender o mundo verdadeiramente,
como Fukuyama, e não “limitar-se a interpretar o mundo de diferentes modos”
como os filósofos nos tempos antes de Marx. Por isso quando o “último homem” de
Fukuyama chegar ao fim da História, será da “sua História”; pois nós estamos
apenas iniciando a nossa. E contrariamente a Marx, começamos com o seu
pensamento adulto, e só depois realizaremos o que na juventude disse. Marx
dizia que a dialéctica de Hegel estava “de cabeça para baixo e pés no ar” e ele
teve o mérito de o assentar com os pés no chão. Nós achamos que o que ele disse
na velhice devia ter dito na juventude, por isso na velhice, era mais jovem do
que na juventude. Mas voltando ao Fukuyama, que conhece Marx mais do que eu
algum dia conhecerei, o nosso primeiro homem, aquele que realizará a nossa
História (não apenas escreve-la), estará nascendo das cinzas daquele último. O
último homem de Fukuyama, o real, de carne e osso, fruto do “triunfo definitivo
do liberalismo ocidental” em todo o Planeta, é o próprio Barack Hussein Obama
II. Não há e não haverá, jamais, alguém que personifica o “último homem” da
História de Fukuyama como ele. Mas paradoxalmente, o nosso primeiro homem, que
nascerá das usas cinzas, - fruto de todas as nossas inquietações, divagações,
guerras e lutas, escravidão e libertação, democracias e ditaduras, de tudo que
ainda não somos, mas de que somos promessa - é Barack Hussein Obama II.
É esta a verdadeira quadratura
do círculo. Por isso se ainda não lutamos pela democracia, não é porque isso
não está na nossa génese, caracter ou formação, pois também amamos a liberdade
como todos os outros povos do mundo; até mais, pois quinhentos anos fomos
escravos, e só quem conheceu a escravatura pode dar justo valor a liberdade.
Conheço a ditadura toda a nossa existência, antes e depois da escravatura; e só
quem conhece a ditadura verdadeira pode dar verdadeiro valor a democracia.
Depois da escravatura conhecemos o colonialismo, e depois da noite colonial que
se estendeu por seculos, conhecemos a ditadura e o ultraje, depois da
Independência, que durou meio seculo, e ainda hoje continua em muitos sítios da
Africa. Por isso, se há gente, que potencialmente, tem condições anímicas e
todas outras, para prezar a liberdade e adorar a democracia somos nós. Por
termos razões acrescidas para dar mais valor a liberdade e a democracia, do que
todos os bons samaritanos que há dezena de anos, periodicamente, vêm para este
nosso Continente nos ensinar a ser democratas e amantes da liberdade. Não sabem
o que sofremos e ainda sofremos física e intelectualmente, impotentes, sempre
em perigo de morte, sendo governados pelos piores desgraçados que o Céu lembrou
de trazer a este planeta.
III
MOHAMED BOUAZIZI
É necessário dizer que
eleições livres e justas só podem ter lugar em sociedades democráticas. E estas
não se constroem por força daquelas. Só assim não cairemos na contradição do
Santo Anselmo de Cantuária, e nunca aceitar que “a essência é algo que precede
a existência” ou por outro, como ele, aferir a existência de Deus pelo Seu
necessitarismo. Deus é necessário portanto existe. E entender que a democracia
é necessária por isso deve existir; mesmo que imperfeita, mesmo tribalizada, brutalizada,
fundamentalizada ou mesmo fundamentalista, ou pura e simplesmente roubada.
Mesmo sendo a forma perfeita de perpetuar dinossauros no poder, como Robert
Mugabe e campainha. Pois todo o ditador que consegue manter o seu povo no
obscurantismo, analfabetismo, apartado de toda a civilização e desenvolvimento,
de todo o conhecimento científico, pode dormir tranquilo, pois a “democracia”
será sempre o melhor instrumento que tem nas suas mãos. Será sempre eleito por
esses mesmo brutalizado povo.
Sobre este particular, no caso
particular da Guiné, há um teólogo Italiano que me escreveu (na sequência do
meu texto “Aos Políticos Guineenses com todo o meu respeito e toda a minha
indignação”) a dizer o seguinte: “Caro Fernando, como Guineense você tem
direito de protestar, porque a Guiné é acusada de ser um Estado-traficante de
drogas, porque os cidadãos não têm nada a ver com isso directamente. Mas, pelo
menos indirectamente, eles tem, porque eles escolheram a classe dominante do
povo.”
Mas como poderiam ter
escolhido melhor? Se lhes mantêm na ignorância há quarenta anos? Que
discernimentos poderão ter nas escolhas que fazem? A iniquidade das Governações
pós Independências, originou nos nossos países uma espécie de “síndrome de
Estocolmo” (aquele que faz a vítima gostar do seu raptor depois de muito tempo
a viverem em conjunto) e assim caminhamos nesta nova fase de “democracia”.
Há uns anos atrás, houve um
escritor que conseguiu demonstrar, de maneira irrefutável, que todos os países
que tinham a palavra “democracia” no nome eram ditaduras; como na altura
Republica Democrática do Congo, de São Tomé e Príncipe, de Laos, da Argélia, do
Nepal, da Correia, (não havia ainda a República Democrática do Timor Leste ou
República Árabe Saaráui Democrática Árabe não era reconhecido
pelas N. U.) e outros que aqui não cabem ou que mudaram de denominação. Mas o
que fazia os dirigentes desses estados porem a palavra “democracia” no nome
desses países? Penso que era a ideia errada de que por ter esse nome
transformar-se-iam automaticamente países democráticos; é a mesma preocupação
que hoje move os dirigentes de muitos países africanos, que entendem que por
realizarem eleições tornam-se por obra e graça de Deus, democráticos, de um dia
para o outro.
Mas o mais caricato é que
muitos países ocidentais (analistas e políticos) parecem acreditar nesse
milagre também. E por força de seu acreditar, estes que faziam eleições apenas
para cumprir uma “das modas actuais” (como um politico Africano disse) para se
conseguir ajudas externas, acabam acreditando também que agora (depois do acto
eleitoral) passaram a ser países democráticos.
Mas quando a realidade vem ao
de cimo - como nos últimos tempos nos países árabes -, percebe-se que nunca
houve democracias nesses países. Apenas “demonstrações” formais de democracia
que eram elogiados pelo Ocidente nos seus relatórios que invariavelmente
consideram as eleições “livres e justas”.
Estavam invariavelmente
erradas, pois observavam e analisavam o fenómeno e não a essência das coisas;
tomavam a forma pelo conteúdo, a causa pelo efeito, Por isso a explosão popular
foi tão violenta que surpreendeu tudo e todos.
Os dirigentes nacionais desses países, os Governos
ocidentais, as elites corruptas penduradas num poder que julgavam eternos, e o
próprio povo, votante imperturbável, durante anos, de democracia “faz de conta”.
Digo que o próprio povo ficou surpreendido, porque ele não planeou nenhuma
revolução e nem tinha um “Partido revolucionário” de massas a coordena-lo; o
que aconteceu foi, em cada um desses países diferentemente, uma catarse
colectiva em que o povo sofredor em revolta cega, sem método, direcção ou uma
ideologia clara que sustasse o descontrolo, de modo a não prejudicar-se a si
próprio enquanto povo e herdeiro da sua revolução e pátria, destruiu tudo. As
instituições, os partidos, os governos, as montras, os carros (nas revoluções o
difícil é salvar a porcelana, não é Georges Clemenceau?). No fim foi o povo, em
cada um desses países, lutando por si finalmente, quem mais prejudicou a si próprio,
e mais perdeu com a sua revolução.
Pergunto a Clemenceau porque
assim também foi o Maio de 1968 em França; até porque muitos desses países
árabes em revolta falavam francês. E não raro, quando os manifestantes eram
entrevistados por mídias ocidentais, falavam em francês para explicar o
inexplicável. O único que nunca falou foi aquele jovem Tunisino que despoletou
tudo, ao morrer imolando-se pelo fogo, quando percebeu que não tinha o direito
nem de ganhar a vida trabalhando honestamente na sua pátria. Escrevi algures,
sobre ele o seguinte: As revoluções (e revoltas) que estamos a
assistir um pouco por todo o lado, com maior incidência no mundo árabe (por
agora), começaram quando um simples cidadão tunisino, vendedor ambulante,
resolveu imolar-se pelo fogo, a 17 de Dezembro último. Este acto foi um
desesperado protesto isolado, a catar-se, de um homem digno e corajoso, que ao
perceber que o seu governo lhe negava o elementar direito a subsistência, que resolveu
perpetrar. Morreu, infelizmente, sem assistir a queda desse governo (uma coisa
excluía a outra - são assim as revoluções -, tinha que morrer para mudar o seu
país. mas não a melhor morte que esta: morrer para o bem do povo), mas pode-se
dizer com justiça, que este corajoso Mohamed Bouazizi, de apenas 26 anos,
simples cidadão, um “Zé-ninguém” (…) , quase mudou o mundo sozinho. Pois a sua
decisão foi tão forte que fez (o presidente fugir do país) despoletar a
revolução Tunisina que por sua vez contagiou o Egipto.
Portanto a culpa não é só dos
dirigentes corruptos desses países, como as médias internacionais nos dizem. O
Ocidente, ao se embalar no canto de sereia, de actos eleitorais fictícios
quase, ao sancionar, credibilizar e homologar essas eleições com todos os
observadores da OCDC, União Europeia, e todas as ONGs internacionais que
“observam” (as vezes fiscalizam) as eleições, acabam sendo também, de uma
maneira ou de outra, causadores de problemas que acabam destruindo a vida de
milhões de inocentes seres humanos inocentes, nesse gigantesco faz de conta
mundial.
Quanto ao “canto de sereia”
que permitiu este logro planetário, não sei bem quem é o flautista e quem é
encantado. Se o Ocidente ou os N.P.D. (Novos Países Democráticos) como lhes
chamo. Pois numa interacção de causa e efeito, tomando um pelo outro, creio que
a flauta de Hamelin trocou de mãos várias vezes.
Já escrevi sobre os riscos
enormes que pesam sobre as democracias africanas (vide o texto “Miseráveis mas
Democratas”) e não quero repeti-las aqui. Mas o que faz Obama dizer que “A
história está do lado dos bravos africanos - que lutam pela democracia (…) ” é
uma certa compreensão anglo-saxónica da democracia. Quase platónica do mesmo,
alicerçados em máximas e frases que vêm dos Gregos. Uma das mais badaladas é a
famosa frase do incomparável Winston Churchill “:"A democracia é a pior
forma de governo imaginável, à excepção de todas as outras que foram
experimentadas."
Termino aqui estas segundas
“Redundâncias” dizendo que há ainda um ponto interessante na frase do
presidente Obama que trataremos no nosso terceiro texto. Pois se atentarem na
parte final da frase verão a questão constitucional, ou a questão da “mudança
de constituições” para acesso ao poder: “A história está do lado dos bravos
africanos - que lutam pela democracia - não dos que usam golpes ou mudam
constituições para subir ao poder.
Aqui era necessário saber em
que caso isso é condenável. Ou por outro, que tipo de Constituição que não deve
ser mudado. Por exemplo, numa determinada altura, a constituição Guineense,
feita ou aprovada por indivíduos, imbuídos de certos complexos, proibiam certos
cidadãos de participarem na vida política do país. De serem elegíveis para
certos cargos. Essa constituição proibia inclusive, se fosse vivo, a Amílcar
Cabral, pai da nacionalidade, de ser Presidente da República por não ser
“puro-sangue” (como certos cavalos). Mas não creio que constituições deste tipo
que o Presidente Obama referia. Entendo que se a Americana permite uma pessoa,
como ele, ser Presidente, todas as outras deveriam permitir o mesmo. Mas
continuaremos para semana, esperando que a História esteja do nosso lado.
Fernando Teixeira
Bissau, 15 de Setembro de 2013
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