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segunda-feira, 15 de maio de 2017

Guiné-Bissau: Ex-Ministro de Economia e Finanças - Geraldo Martins: “CCIAS LEVANTOU MAIS DE DOIS BILHÕES DE FCFA DO FUNPI EM 2013”.

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Geraldo Martins: “CCIAS LEVANTOU MAIS DE DOIS BILHÕES DE FCFA DO FUNPI EM 2013”

Se mentira matasse, muitos já não estariam entre nós.

[GRANDE ENTREVISTA parte 1 sobre 2] O ex-ministro da Economia e Finanças de governo do PAIGC, Geraldo Martins, revelou que a Câmara do Comércio da Indústria, Agricultura e Serviços (CCIAS) fez um “festival” do levantamento do dinheiro do Fundo de Promoção à Industrialização de Produtos Agrícolas (FUNPI) no período de transição. Explicou neste particular que no ano 2013, a CCIAS levantou uma soma estimada em dois bilhões e setecentos milhões de francos CFA [4 115 853 euros], em diferentes ocasiões, para o seu uso e sem apresentar nenhuma justificação, de acordo com as regras que pediam a justificação dos valores requisitados.

O ex-governante e antigo gestor do Banco Mundial falava para a rubrica “Grande Entrevista” do Jornal O Democrata, e fez a retrospectiva da Mesa Redonda de Bruxelas bem como dos projetos de desenvolvimento ambicioso que se pretendia implementar no país, que segundo ele, transformariam o aspecto da capital Bissau. Fez igualmente uma abordagem sobre a gestão das contas públicas nos governos de Domingos Simões Pereira e Carlos Correia, no qual fazia parte como titular da pasta de Economia e Finanças.


“O FUNPI é responsável em parte pela situação em que se encontra a Guiné-Bissau, porque o FUNPI é uma teia de interesses financeiros pessoais obscuros. Quando se olha pela constituição do FUNPI e como era gerido o dinheiro! Há interesses financeiros obscuros que sustentavam o FUNPI. O que justifica que se abra toda esta guerra contra os governos de Domingos Simões Pereira e de Carlos Correia? Porque dissemos que íamos acabar com o FUNPI”, explicou o antigo gestor do Banco Mundial e ministro da Economia e Finanças em dois governos do partido libertador, nesta legislatura.

O Democrata (OD): Quase dois anos depois da queda do governo de que fazia parte, que análise faz da actual situação económica e financeira do país?

Geraldo Martins (GM): Eu costumo dizer que há dois elementos importantes nas análises que podemos fazer. Nós, no programa do governo liderado pelo Eng. Domingos Simões Pereira que iniciou as suas funções em 2014, estabelecemos uma meta de crescimento económico e dissemos que o crescimento económico em 2015 seria de 5 por cento. A ideia é que até ao final da legislatura, em 2018, pudéssemos ter um crescimento económico de pelo menos 7 por cento.

Fomos a Bruxelas. Na verdade, não contávamos com aquilo que obtivemos em Bruxelas. Estávamos a contar com 500 milhões de dólares norte-americanos. Obtivemos três vezes mais. Quando obtivemos 1.5 milhões de dólares, tivemos logo a certeza de que podíamos atingir o fim da legislatura com um crescimento económico superior a 7 por cento porque, como se sabe, o crescimento económico depende de vários factores. Desde o consumo, exportação e investimento, quer público e quer privado.

Não podemos basear o nosso crescimento económico no consumo privado por causa da pobreza, dado que as pessoas não têm muito dinheiro. Estabelecemos regras muito claras em relação à exportação da castanha de caju. Tivemos uma campanha de caju extraordinária, aliás, como sabem em 2015, exportamos 180 mil toneladas. Em 2016 batemos um record de praticamente de 200 mil toneladas de castanha exportada. Quanto mais exportação houver, maior é o crescimento económico.

Quando tivemos a promessa de 1.5 milhões de dólares em Bruxelas, entendemos que podíamos ir além de 7 por cento, porque sabemos que o investimento público seria mais acelerado, ou seja, teríamos dinheiro para fazer mais investimento público. Infelizmente com a situação política, uma boa parte desse dinheiro não entrou e provavelmente não entrará. Quando se analisa a situação política, a conclusão é que a Guiné-Bissau podia chegar ao final desta legislatura com um crescimento económico de praticamente dois dígitos e infelizmente não vamos chegar lá, porque houve essa situação que acabou por cortar a dinâmica.

OD: Para já, por causa da constante crise política e governativa, tudo parece estar agora numa incerteza. Há esperança ainda quanto ao desbloqueamento dos fundos prometidos?

GM: É praticamente impossível desbloquear aqueles fundos que estavam associados aos projectos a realizar. Estes projectos não existem, porque quando o governo caiu não houve estabilidade e condições institucionais para elaboração destes projectos.  É preciso dizer que uma parte desses fundos já tinha alguns projectos.

A parte que já tinha projectos e alguns desses projectos continuaram, talvez. Mas, por exemplo, o projecto do cabo submarino está em ‘banho maria’, mas é um projecto que já estava a ser discutido e parte do projecto seria financiado com fundos provenientes do Banco Mundial no âmbito da Mesa Redonda de Bruxelas. Havia outros fundos que foram prometidos na condição de se elaborar um projectos para absolvê-los.

Um dos exemplos que quero dar é do Banco Árabe de Desenvolvimento (BDEA) que prometeu 20 milhões de dólares, mas que pediu a apresentação de projecto. Um projecto viável que queríamos apresentar era o projecto da construção da rotunda de Chapa de Bissau. Era a construção de um viaduto que permitiria que alguns carros pudessem subir e outros andar por baixo, a fim de evitar o congestionamento naquele lugar. Esse projecto foi apresentado imediatamente depois da mesa redonda e uma missão de BDEA viria a Bissau, para avaliar.

Depois íamos fazer a marginal de Bissau que começaria por aquela estrada que sai do edifício das Nações Unidas e passa pela estrada de ‘Sacor’ e vai até ao bairro de Cuntum Madina. A estrada seria alcatroada e bem qualificada. Esse dinheiro já não vem…!

OD: Foram no total 1.5 milhões de dólares. Para além dos projectos que acabou de mencionar, quais foram os grandes projectos concretos levados à mesa redonda e quais eram os mecanismos delineados para a sua implementação?

GM: Os projectos estão todos no plano estratégico e operacional ‘Terra Ranka’. O plano estratégico e operacional foi apresentado com uma lista de projectos. Alguns desses projectos já existiam, ou seja, já tinham estudos de viabilidade. Outros eram ideias de projectos que iam ser transformados em projectos concretos para poder absolver os fundos. Com a queda dos governos e com a instabilidade política, e sem programa de governo e sem orçamento, e sobretudo com a falta de confiança, obviamente que os parceiros não vão colocar o dinheiro, porque não há projectos.

OD: A sua passagem pelo Ministério de Economia e Finanças foi marcada pela polémica a volta do resgate financeiro – compra de carteiras de dívidas de empresários guineenses junto de dois bancos comerciais – na ordem de 34 bilhões de francos CFA. Como responsável máximo do sector, o senhor sente-se culpado por essa operação que muitos apelidaram de ‘escândalo’?       

GM: Não há escândalo nenhum! Pelo contrário é uma operação que denota o cinismo político da parte de alguns políticos na Guiné-Bissau. Quando eu assumi as funções em julho de 2014, esse dossier de resgate já estava a ser tratado pelo governo de transição, portanto não é um dossier que começou comigo.

Recebi o dossier na passação e vi que dois bancos comercias, nomeadamente BAO e BDU tinham uma carteira mal parada de cerca de 30 bilhões de Francos CFA. O governo de transição já estava a pensar como resolver a questão, porque os bancos estavam numa situação difícil.

Havia uma lista dos empresários que eram devedores do banco e que não conseguiram liquidar as suas contas com os bancos, com o argumento de que os acontecimentos de 12 de abril [golpe de Estado que derrubou o governo de Carlos Gomes Júnior, em 2012] perderam dinheiro e não conseguiram fazer uma boa campanha de caju. Por isso é que eles não conseguiram reembolsar os bancos, que acabaram por ficar numa situação difícil. Há critérios de concessão de créditos e quando um banco tem uma carteira de dívida mal parada elevada, de acordo com as regras da própria Comissão Bancária, este banco fica impedido de continuar a dar crédito.

O que aconteceu foi que nós apenas tomamos a decisão de avançar com esse resgate em junho de 2015, ou seja, um ano depois. Levamos um ano a estudar o dossier, se deveríamos avançar ou não. Durante esse ano houve muita pressão política da parte do Presidente da República e da parte de alguns aliados políticos do Presidente da República. Muitos políticos da praça estão na lista dos famosos empresários que têm dívidas com os bancos. Havia uma pressão política enorme no sentido de se efectuar essa operação de compra de créditos bancários.

Lembro que o próprio Presidente da República andava a dizer que ele, enquanto ministro das finanças, pagou a dívida interna, mas que o governo de Eng. Domingos Simões Pereira e, depois Eng. Carlos Correia não fizeram nada para o sector privado. Chamou os responsáveis dos bancos numa reunião no Palácio, na qual perguntou o porque é que não estavam a dar crédito, etc. Na intervenção pública que fez, quase culpabilizou o governo de não estar apoiar o sector privado.

No fundo tudo isso era parte de uma pressão para nós avançarmos com a compra de créditos bancários. Finalmente decidimos avançar com o resgate, um ano depois de termos recebido o dossier. Nós procuramos encontrar a melhor fórmula de avançar com operações sem pôr em causa as finanças públicas. E fizemos uma coisa muito simples.

Dissemos aos bancos que compraríamos essa dívida dos 30 bilhões de Francos CFA dos créditos mal parados. Faríamos um contrato. Mas que não pagaríamos. Seria uma operação meramente contabilística. Eles dar-nos-iam 30 bilhões de empréstimos, mas o dinheiro não entraria para os cofres do Estado. Serviria para cobrir as dívidas dos empresários que tinham dívidas com os bancos.

Dessa forma eliminaram todas essas dívidas. Quando as dívidas fossem eliminadas, o Estado ficaria a dever aos bancos 30 bilhões, mas o Estado não entrou com nem um franco cfa. Demos os mandatos aos próprios bancos para irem renegociar com os tais empresários. Havia uns que já não podiam pagar as dívidas e os júros estavam a acumular. A partir daquela operação, os júros estancaram.

Havia os que tinham dívidas de, por exemplo, seis bilhões de francos cfa. Se a operação não tivesse sido feita, um ano depois e com os júros, a dívida estaria nos 6.5 milhões de francos CFA, porque os júros estariam a aumentar. A partir daquela operação, os júros pararam e os empresários negociariam com o banco o pagamento dos seis bilhões. Então assinariam um acordo com o banco e na qual comprometer-se-ia a pagar, por exemplo, em cinco anos.

O banco, a partir dali conseguiria respirar e passar novamente a dar novos créditos a outros empresários. Havia empresários que já não podiam receber créditos porque o banco estava no vermelho e a Comissão Bancária não o permitia dar créditos por causa desta situação.

Acontece que, nós tínhamos um programa com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Sabem que um programa com o FMI é um pacote e neste pacote há alguns indicadores que o governo deve respeitar. Tínhamos vários indicadores. E quando o FMI veio fazer uma avaliação e viu que todos os indicadores estavam bem. Apenas um indicador não estava bem que é o crédito líquido do Governo junto a banca.

Porque? Precisamente para fazer essa operação o governo contraiu a tal dívida e aumentou a sua dívida de 3 bilhões. O FMI não concordou. Aliás, entendeu que aquilo aumentaria a dívida do governo por um lado e, por outro lado beneficiaria algumas pessoas, das mais ricas do país e, então isso não é uma operação que o FMI podia aceitar.
Discutimos com os responsáveis do FMI em Bissau e estivemos em Washington para discutir a mesma matéria. No fim o FMI diz que não concordava com a operação e pediu que o governo voltasse atrás.

OD: Mas o governo insistiu com a operação?

GM: Não, o governo voltou atrás. Eu voltei atrás e fiz uma carta aos dois bancos, informando que infelizmente não poderíamos continuar com a operação. Porque estamos num programa com o FMI e ao abrigo do programa, o FMI coloca reservas em relação à operação. Convidamos os bancos a negociar a melhor forma de sairmos da operação. Foi durante o governo de Eng. Carlos Correia e a questão foi politizada.

A questão foi politizada de forma a tirar um proveito político. Lembro que o próprio Presidente da República, quando soube que eu assinei o resgate, ficou satisfeito. A maior parte dos políticos que estão hoje contra o governo de PAIGC e que constam desta lista de devedores ficaram satisfeitos naquela altura.

OD: Exactamente, quais são os empresários que fizeram a parte desta lista de devedores?

GM: Não! Eu não quero chamar os nomes dos fulanos ou beltranos que contraíram a dívida com os bancos…

OD: Então, quais eram os critérios usados para a seleção de empresários que beneficiariam dessa operação?

GM: Foram os bancos que nos deram a lista dos empresários que contraíram as dívidas com os mesmos, mas hão-de ver um dia a lista e ficarão a saber que apenas os empresários políticos é que estavam na lista. Há uma coisa que as pessoas não sabiam é que o governo nem ia pagar a referida dívida, porque os bancos renegociaram com os empresários e há alguns que pedem mais de 5 a 7 anos para pagar.

O contrato que fizemos com os bancos foi de 10 anos, ou seja, o governo só pagaria se no final do contrato que seria em 2025, houvesse ainda alguma coisa para pagar.

OD: O Governo contratou na altura um gabinete de assessoria jurídica para a preparação do dossiê de compras dos créditos bancários. É verdade que executivo pagou mais de três mil milhões de francos CFA ao referido gabinete pelo serviço prestado?

GM: Não! Isto foi uma das inverdades. Primeiro, o governo não contratou gabinete nenhum. O governo não precisava contratar um gabinete, porque temos a nossa equipa de assessores e de advogados que trabalham para nós no ministério, portanto, não precisávamos contratar ninguém.

Quem contratou os gabinetes foram os bancos, os bancos é que contrataram o gabinete para ajudá-los a resolver o problema. O que aconteceu foi que as duas operações com os bancos, o Banco da África Ocidental (BAO) e o Banco da União (BDU), não foram realizadas na mesma altura. Realizamos a operação com o BAO em julho de 2015, logo a seguir em agosto o governo caiu. A operação com BDU ficou suspensa, porque o governo caiu.

Alguns meses depois há um novo governo do Engenheiro Carlos Correia, prosseguimos as negociações com o BDU e, finalmente, assinamos com o BDU em novembro de 2015. O que aconteceu foi que o gabinete que trabalhou com o BAO, e como a operação do BAO foi concluída com sucesso, quando estávamos a negociar com o BDU, o governo recomendou ao BDU se pudesse trabalhar com o mesmo gabinete, porque este já tinha experiência na matéria, sendo uma operação tecnicamente complexa.

Assim poderiam acelerar a operação com BDU. E o BDU aceitou e recrutou o tal gabinete. Todos os pagamentos que foram efetuados ao gabinete foram feitos pelos bancos. O governo não pagou nenhum tostão, os bancos é que pagaram.

OD: O governo, no qual o senhor assumiu a pasta da economia de finanças, assinou com a companhia área lusa “EuroAtlantic” um acordo internamente criticado, com destaque para a cláusula que compromete a parte guineense a reembolsar mensalmente 90 mil Euros por eventuais perdas da parte da companhia. Quer esclarecer esse assunto?

GM: Não é bem assim… lembrem-se que na altura em que assumimos a governação, o país estava isolado, ou melhor, nenhuma transportadora vinha para Bissau. A Transportadora Aérea Portuguesa (TAP) tinha deixado de vir a Bissau, por razões que todos conhecemos. Uma das coisas que o governo fez foi encontrar uma forma de tirar o país do isolamento. Neste sentido encetamos as negociações com a companhia EuroAtlantic. E acontece que acabamos por fazer uma especie de aluguer.

Por exemplo, você aluga um ‘toca-toca’. O dono de ‘toca-toca’ diz que diariamente você tem que lhe dar 50 mil francos cfa. Porém a receita que fizer será sua. No fundo foi o que nós fizemos: alugamos o EuroAtlantic e a companhia disse-nos que mensalmente teríamos que lhes dar 90 mil Euros. Mas todos os bilhetes que são pagos pelos passageiros seria nosso dinheiro. Tínhamos começado com voos semanais, o que faz quatro voos por mês.

Em um avião com mais ou menos 200 lugares é possível perfeitamente recuperar esse dinheiro. Criamos uma comissão para controlar o processo e abrimos uma conta. EuroAtlantic vende o bilhete e coloca o dinheiro na nossa conta e nós no final do mês transferimos para a companhia os seus 90 mil Euros. O dinheiro que transferimos para a companhia é coberto com a venda dos bilhetes. Ao longo da operação, desde o início dos contactos e até ao fim cobrimos tudo. Houve uma altura em que a venda dos bilhetes não conseguia cobrir o valor que devíamos reembolsar a companhia, aliás, como se sabe, as companhias áreas dependem da época, ou seja, a época baixa e época alta. Havia também altura em que a venda dos bilhetes ultrapassava e muito o valor de 90 mil Euros que devíamos reembolsar a EuroAtlantic. São no período de Natal e ano novo, há sempre muita movimentação de passageiros e cargas.

Há um relatório que mostrou claramente que tudo aquilo que o Estado pagou, recebeu-o de volta. Inclusivamente nas contas finais, o Estado até teve sobras, ou seja, o Estado não perdeu nenhum franco nesta operação. Quando o contrato terminou e a companhia mostrou-se disponível a continuar o voo para o país, acabou por multiplicar o número de voos para a Guiné-Bissau.

OD: O FUNPI é um assunto tido como ‘tabu’ por todos os executivos que se sucederam desde 2011, altura da sua criação. O senhor foi quem mandou suprimir o referido fundo durante o governo liderado pelo Eng. Domingos Simões Pereira. O que justificava essa medida? Havia anomalias?   

GM: Foi na altura da apresentação do Orçamento Geral do Estado do ano 2015, no Parlamento. E como sabem o FUNPI é um imposto e sendo um imposto tem que constar na lei do Orçamento Geral do Estado para ser aprovado pela Assembleia Nacional Popular, porque o governo não tem legitimidade para criar ou para abolir um imposto. A única entidade que tem a legitimidade para criar ou abolir um imposto é a Assembleia. Fomos ao Parlamento e dissemos que estamos a propor a abolição de um imposto que é o FUNPI. A Assembleia depois de um debate, acabou por suspender o FUNPI até que uma auditoria às contas do FUNPI fosse realizada.

Porque é que eu quis a abolição do FUNPI? Porque o FUNPI era um imposto muito controverso, costumo dizer que o FUNPI talvez seja o imposto mais controverso do mundo. É um imposto que divide praticamente todos os seguimentos da sociedade e mesmo no governo liderado por Eng. Domingos Simões Pereira, havia divisão. Havia os que defendiam a sua abolição e havia os que pediam a sua continuidade. Mesmo na classe empresarial havia divisão sobre a mesma matéria.  A nível da própria sociedade era a mesma coisa.

A minha proposta naquela altura era acabar com esse imposto, porque estava dividir-nos. Outra razão é que se trata de um imposto que estava a ser utilizado de uma forma que ninguém entendia… ora o Estado utilizava uma parte e o sector privado utilizava outra parte. Apesar do Estado ter utilizado uma boa parte dos fundos do FUNPI, a utilização dos fundos do FUNPI pelo Estado tem rastos.

O FUNPI foi criado em 2011, mas em 2012, depois do golpe de Estado de 12 de abril, o governo na altura foi buscar uma parte do dinheiro nos fundos do FUNPI para pagar salários. Isso está registado nas Tabelas Financeiras de Operação do Estado (TOFE) que são enviados ao Tribunal de Contas.

O Estado em 2011 utilizou o dinheiro do FUNPI para comprar viaturas para os Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça. O Estado utilizou uma parte do dinheiro do FUNPI para pagar os salários dos professores e do pessoal de saúde. Utilizou esse mesmo fundo para o pagamento de quotas da Guiné-Bissau nas organizações internacionais, etc…quando se trata do sector privado é ai que os problemas começam… lembro que foi celebrado um memorando de entendimento entre o governo e o sector privado através da Câmara do Comércio Agricultura, Industria e Serviços (CCIAS).

OD: Há informações que indicam que o ex-ministro de Comércio em 2011, Botche Candé, levantou 600 milhões de francos CFA para a compra de viaturas para os juízes conselheiros. Confirma essas informações…

GM: Confirmo que o caso da compras de viaturas. Aliás, eu não estava, mas isso é o que diferentes relatórios que me foram apresentados dizem. O relatório diz que um dos primeiros levantamentos do dinheiro do FUNPI, foi quando o então ministro do Comércio, Botche Candé levantou 600 milhões de Francos CFA para a compra de viaturas para os juízes conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça.

A informação que eu tive é que foram comprados cinco viaturas, portanto confirmo essa informação que consta nos relatórios da comissão paritária da gestão do FUNPI. Uma coisa que quero esclarecer é que não há registo contabilístico desta operação no ministério da Economia e Finanças.

OD: Será que o ministro de Comércio podia fazer essa operação, uma vez que o ministro das Finanças é o responsável pelas operações do governo?

GM: Evidentemente que há uma responsabilidade aqui que adiamos. Quem era o ministro das finanças é o actual Presidente da República. O Gestor das finanças públicas é o ministro das Finanças. Agora, como é que o ministro das Finanças deixa o ministro do Comércio… porque é que tem que ser o ministro do Comércio a levantar o dinheiro para ir comprar viaturas para os juízes conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça.

Isso realmente não se compreende. Depois, se fizermos as contas e chegamos à conclusão que as cinco viaturas compradas custa cada uma 120 milhões de Francos CFA. Porque foram no total levantados 600 milhões de francos cfa do fundo do FUNPI.

Em 2012, a Câmara do Comércio fez uma pressão e levantou 500 milhões de francos cfa, alegando que ia comprar o antigo o Banco Internacional da Guiné-Bissau (BIGB), mas depois pegaram naquele dinheiro e foram depositá-lo numa conta do tesouro, dizendo que era o pagamento da operação. Portanto a partir daquela altura, o BIGB pertencia-lhes. O ministro das Finanças naltura era o falecido Demba Dhaba. Quando percebeu que havia ‘gato’ naquela operação, então mandou suspendê-la.

Em 2013 começou o festival de levantamentos do dinheiro do FUNPI da parte da Câmara do Comércio. Neste ano levantaram-se 300 milhões de francos cfa. Mas o memorando diz claramente que para o levantamento desse dinheiro tinha que haver um contrato do programa com o Governo, em que a Câmara do Comercio diria claramente o que queria com esse dinheiro. Eles levantavam o dinheiro geralmente sem contrato do programa e apenas faziam uma carta ao governo, dizendo precisamos de dinheiro.

Em 2013, a CCIAS levantou 300 milhões de FCFA e este fundo nunca foi justificado, depois levantaram 500 milhões de FCFA para os fins não justificados. Voltaram a levantar 437 milhões e 500 mil de FCFA e este dinheiro nunca foi justificado. Pediram uma transferência de 215 milhões de FCFA para a conta deles na ORABANK e o mesmo nunca foi justificado, depois pediram 171 milhões de transferências para a conta deles no BDU, este dinheiro não foi justificado. Pediram ainda 130 milhões para a conta deles no EKOBANK e o mesmo dinheiro não foi justificado. Isso tudo são levantamentos feitos em 2013!

Já em 2014, foram transferidos 500 milhões de francos CFA para a conta da Câmara de Comércio no BAO e este dinheiro também nunca foi justificado. Ou seja, só com a Câmara de Comércio Indústria, Agricultura e Serviços são no total dois bilhões e 700 milhões de Francos CFA, que foram transferidos para diferentes contas daquela instituição e que nunca justificaram o seu uso. O princípio de utilização dos fundos públicos por entidades privadas é que estes fundos devem ser justificados. O Estado deixa rastos dos fundos que utiliza, mas os privados são obrigados a justificar a utilização dos fundos recebidos.

O FUNPI é responsável em parte pela situação em que se encontra a Guiné-Bissau, porque o FUNPI é uma teia de interesses financeiros pessoais obscuros. Quando se olha pela constituição do FUNPI e como é que o dinheiro desse fundo era gerido…conclui-se que há interesses pessoais financeiros obscuros que sustentavam o FUNPI. O que é que justifica que se abra toda esta guerra contra os governos de Domingos Simões Pereira e de Carlos Correia? Porque dissemos que íamos acabar com o FUNPI. Nós iriamos acabar com o imposto, mas eu, enquanto ministro das Finanças, se havia quem queria impostos era eu e porque é dos impostos que vou buscar os fundos para fazer as despesas do Estado. Quando digo que não quero é porque há um problema.

OD: Qual é o montante que o governo liderado por Eng. Domingos Simões Pereira encontrou na conta do FUNPI?

GM: Até o ano 2014, ou seja, até o momento que assumimos as rédeas de governação, o FUNPI tinha as contas nos bancos comerciais. Depois de assumirmos o governo, passamos a conta do FUNPI para o tesouro público. O grande debate sobre o FUNPI era o seguinte: FUNPI era dinheiro do sector privado ou era do Estado. Em 2012 depois de golpe de Estado, quando o governo foi buscar os fundos do FUNPI para pagar salários, fê-lo a título de empréstimo.

Mas desde quando é que um imposto é dinheiro dos privados? Isso é um imposto e a única entidade que tem a legitimidade para cobrar um imposto é o Estado. Foi em 2014 que decidimos a transferência de todas as contas do FUNPI para a conta do tesouro público no banco central, foi a partir dessa altura que realmente começou a guerra.

OD: Os Governos de Eng. Domingos Simões Pereira e de Eng. Carlos Correia pagaram salários com o dinheiro do FUNPI?

GM: Não! O que nós fizemos com parte do dinheiro é pagar as dívidas externas do país. Quando mudamos a conta do FUNPI para o tesouro público, entrou uma soma de quatro bilhões de francos cfa e uma parte desse dinheiro foi usado para o pagamento das dívidas externas do país antes da realização da Mesa Redonda de Bruxelas.

OD: Qual é o montante usado nesta operação de pagamento das dívidas externas?

GM: Em 2014, lembro-me que transferimos uma soma de 500 milhões de francos CFA para a Câmara de Comércio, porque ao abrigo de memorando a Câmara reclama sempre a parte deles. Eles reclamam sempre a parte deles e nunca apresentam os justificativos de uso dos fundos levantados. Transferimos 500 milhões de FCFA para o FUNDEI para a compra da castanha de cajú e para trabalhar com pequenos empresários.

Transferimos 137 milhões de FCFA para a ANCA como o apoio institucional, depois gastamos 47 milhões de FCFA para o pagamento de uma agência chamada ACE, no âmbito de projecto do cabo submarino, porque era preciso que a Guiné-Bissau entrasse com algum dinheiro para que pudesse fazer parte e ter o direito ao cabo submarino. Depois gastamos 1.7 milhões de Francos CFA para o pagamento de atrasados das quotas às várias organizações, nomeadamente OMVG, BOAD, BAD, etc… pagamos também 200 milhões de atrasados de serviços de dívida ao Fundo do Kwaite, ao Banco Europeu de Investimento e entre outros.

Pagamos 900 milhões de francos cfa para algumas despesas da Empresa de Electricidade e Água da Guiné-Bissau (EAGB), que incluem garantias de aluguer de grupos. Foi desta forma que nós utilizamos o dinheiro do FUNPI.

Entrevista continua na próxima edição

fonte: bambaramdipadida

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Samuel

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