fonte: DW África
Propaganda eleitoral em Moçambique
Na madrugada de segunda para terça-feira (08.10), foi morto a facadas o secretário da RENAMO em Vilakulo, na provÃncia de Inhambane. Antes, na segunda-feira (07.10), o observador eleitoral e membro da plataforma Sala da Paz, Anastácio Matavel, foi morto a tiros quando saia de uma formação para observadores eleitorais.
Zenaida Machado, pesquisadora para Moçambique da organização
não governamental norte-americana Human Rights Watch, está indignada. Para ela,
o assassinato de Anastácio Matavel mancha o processo eleitora, intimida e
incentiva a impunidade.
Em entrevista à DW África, Machado apela para que se faça
uma investigação profunda do crime e se apresente respostas concretas à
sociedade moçambicana. ao mesmo tempo em que elogia a rapidez da Polícia na
prisão de dois de seus agentes, suspeitos de terem participado no crime,
critica a corporação como incapaz de conter a violência que se verifica no
país.
A pesquisadora diz ainda que os líderes políticos do país,
entre eles o Presidente Filipe Nyusi, devem se distanciar publicamente da
violência e afirma que será "muito difícil dizer-se que, no final, esse
processo eleitoral foi um processo igual para todas as partes".
Foto de aquivo: Conferência de imprensa da Sala da Paz
DW África: Pediria que comece por comentar o assassinato do
observador eleitoral Anastácio Matavel, na passada segunda-feira (07.10)., na
província de Gaza.
Zenaida Machado (ZM): Esse assassinato é assustador e mancha
bastante o processo eleitoral que está a decorrer em Moçambique neste momento.
Se não for esclarecido, vai aumentar o nível de medo, intimidação e a
impunidade que já temos verificado que está presente na sociedade civil em
Moçambique e no sistema judicial.
O incidente terminou com outro acidente que nos dá a
oportunidade de conhecer quem perpetuou o assassinato. Mas é importante que as
investigações nos levem a descobrir quem ordenou tal prática.
DW África: A polícia confirmou que quatro dos cinco
principais suspeitos de envolvimento no crime são agentes da corporação. Como
avalia essa reação da PRM?
Orlando Mudumane, porta-voz da PRM que anunciou abertura
investigações sobre assassinato de Anastácio Matavel
ZM: O facto de eles terem sido rápidos a esclarecer o que se
terá passado é algo que devemos assumir como sendo um passo positivo em direção
aos resultados finais. Pela primeira vez, estamos a ver um interesse claro – ou
um aparente interesse claro – da Polícia em esclarecer o que se passou na
segunda-feira.
Apesar de não providenciarem muitos detalhes, explicaram que
dos cinco ocupantes do automóvel, quatro são membros da corporação, sendo que
um é membro das Forças Especiais. O que está a faltar agora é dizerem-nos:
essas pessoas estavam a atuar a mando de quem?
Dois generais sêniores, na província de Gaza, terão sido
suspensos neste período da investigação. É importante que, quando as
investigações estiverem terminadas, nos digam qual o relacionamento desses
generais com os jovens que foram detidos ou que morreram no local do acidente e
porque esses jovens se sentem na necessidade de assassinar um membro da
sociedade civil, um observador eleitoral.
Anastácio Matavel foi levado ao hospital, mas não resistiu
DW África: Foi anunciada a criação de uma comissão de
inquérito que tem 15 dias para apresentar um relatório sobre o assassinato. O
que espera desta investigação?
ZM: Há algumas perguntas que devem ser esclarecidas. Quem os
mandou? Porque os mandou fazer aquilo? Qual é o objetivo? Existe em Moçambique
um esquadrão da morte cuja função é eliminar críticos ou pessoas que estejam a
trabalhar para a sociedade civil? Se existe, quem o criou? Com que objetivo?
Todas essas perguntas devem ser esclarecidas.
DW África: Acredita que este homicídio terá consequências no
ambiente em que decorrem tanto a campanha como as próprias eleições gerais?
ZM: Sem sombra de dúvidas. Quando fica claro que agentes da
Polícia são capazes de deixar de fazer o seu trabalho constitucionalmente
permitido, que é defender o território moçambicano e o cidadão, ao invés disso
vão esperar pessoas que estão dentro de uma sala de reuniões a preparar-se para
ter eleições ordeiras para assassiná-las, isso é preocupante.
Qualquer membro da sociedade civil que neste momento esteja
com receio de fazer o seu trabalho, tem o receio legitimado. Portanto, é
preciso que as Forças de Segurança venham a público esclarecer o que se passou
na segunda-feira, punir exemplarmente quem terá ordenado aquela ação ou os que
já estão detidos também e garantir que haja segurança.
Todo esse processo eleitoral tem sido bastante violento, sob
o olhar incompetente e incapaz da Polícia. Claramente, a Polícia não está a ser
capaz de controlar essa violência, não está a ser capaz de controlar as
multidões de apoiantes de todas as partes políticas. Não são só apoiantes do
partido no poder. Os casos de violência, um pouco por todo lado, surgem de
todos os lados.
O mais preocupante é que, essa fase eleitoral é a fase que
deve ser festiva. à medida em que nos aproximamos do dia das eleições, do
processo de anúncio dos resultados das eleições, a tensão tende a subir. se a
Polícia está a ser incapaz de gerir a violência nesta fase, há grandes receios
que, quando cheguemos à altura em que as tensões são mais altas, cheguemos a um
nível de caos.
Presidente Filipe Nyusi em campanha
DW África: como travar essa onda de violência que se
verifica em Moçambique?
ZM: Líderes dos partidos políticos, todos eles, devem
publicamente parar de acusarem-se uns aos outros e apelarem aos seus próprios
apoiantes a se distanciar de quaisquer atos de violência. A Polícia, ao seu
mais alto nível, deve mostrar com ações, com palavras, que está capaz de parar
a violência e garantir que haja um nível de segurança aceitável para todos
aqueles que vão depositar o seu voto no dia 15 de outubro.
O comandante em chefe e chefe de Estado moçambicano deve
deixar um pronunciamento claro de que se distancia de quaisquer ações
relacionadas à violência, mesmo que venham de membros do seu partido, e que, na
sua qualidade de Presidente da República, vai garantir que essas eleições sejam
pacíficas, livres e justas.
Propaganda eleitoral do MDM
DW África: ainda existe a possibilidade que se conclua, no
futuro, que essas eleições foram livres, justas e transparentes?
ZM: O processo em si já está um pouco comprometido, porque
estamos na reta final e, claramente, nem todas as pessoas tiveram a mesma
disponibilidade de fazer campanha.
Aquelas pessoas que foram intimidadas, aquelas pessoas que
tiveram as suas casas queimadas, aquelas pessoas que foram atacadas fisicamente,
alguns candidatos presidenciais - estou a falar do caso concreto do candidato
do MDM que foi várias vezes impedido de fazer os seus comícios eleitorais, o
candidato presidencial da RENAMO que foi apedrejado, a sua caravana foi
apedrejada nesta campanha - nem todas as partes tiveram a mesma possibilidade
de exercer o seu direito de solicitar o voto, o seu direito de fazer campanha,
o seu direito de fazer reuniões e falar do seu projeto político.
Em cima disso, todo um nível de violência, o silêncio assustador
por parte da Comissão Eleitoral. Vai ser muito difícil dizer-se que, no final,
esse processo eleitoral foi um processo igual para todas as partes que
participaram nele.
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Samuel