Foto de arquivo (2015)
A diáspora guineense espalhada por vários países europeus manifesta-se esta tarde na capital portuguesa para condenar, "de forma veemente", os atropelos à Constituição, nomeadamente os "fortes ataques às liberdades fundamentais", engendrados pela governação do autoproclamado Presidente da República da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, apadrinhado pela Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO).
Mariano Quade, um dos coordenadores desta mobilização, aponta o dedo à postura do atual Chefe de Estado, a quem os guineenses descontentes atribuem a responsabilidade pelo "retrocesso democrático" no país, limitando, entre outros, valores como a liberdade de expressão e o direito à informação. Prova disso, acrescenta em entrevista à DW África, é que, neste momento, "não há direito à oposição".
Declaradamente, considera que o país vive num ambiente de ditadura, uma vez que o autoproclamado Presidente diz ser ele o único chefe. "Isso só por si diz que ele é um absolutista, uma pessoa que quer concentrar todos os poderes e que não sabe conviver com as regras democráticas", acusa.
"Neste sentido, nós condenamos veementemente este tipo de postura porque consideramos que este é um retrocesso democrático [para a Guiné-Bissau]", afirma Quade, pouco antes do comício que, esta tarde, conta com a presença pessoal de Domingos Simões Pereira, líder do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC).
Corrente de protestos alarga-se cada vez mais
Lina Banora Ramos tem a vida organizada em Portugal. Mãe de dois filhos, ela é o retrato evidente de um elemento da comunidade preocupado com a situação no país natal, de onde saiu forçosamente há 25 anos por causa da crise político-militar de 1998. A imigrante faz parte dos muitos guineenses indignados, desiludidos e revoltados que, em países como Portugal, Alemanha, França, Espanha, Bélgica, Luxemburgo, Reino Unido e Estados Unidos, têm aderido a esta corrente de protesto face ao estado de degradação da vida política e da crise económica e social na Guiné-Bissau.
Lina Ramos reafirma, em declarações à DW África, que veio à manifestação expressar o seu descontentamento, tal é o estado de espírito de muitos guineenses presentes aqui na Alameda. "Incomoda-me a situação que lá se vive e que tende a piorar", lamenta, reafirmando que "muita gente está descontente" não só com a situação política.
A cidadã guineense recua no tempo, revendo os acontecimentos que mancharam a imagem da Guiné-Bissau, para afirmar que o país chegou a este ponto também por culpa dos próprios guineenses que, na sua opinião, votaram erradamente. "Hoje em dia, não há liberdade de expressão, as leis são inoperantes, só estão no papel, não funcionam; não há punições e, em consequência disso, há violação da Constituição, como se estivéssemos a viver numa anarquia", enumera insatisfeita.
A propósito de direitos e de liberdade, Lina Ramos considera "uma tamanha barbaridade" a decisão de Umaro Sissoco Embaló de monitorizar o acesso dos cidadãos guineenses às novas tecnologias de informação e de comunicação. "Acho que as redes sociais são tão importantes, tal como a nossa respiração, para sabermos o que se passa no mundo e ao nosso redor", enaltece, para depois criticar a polémica decisão presidencial que prevê o controlo das comunicações na Guiné-Bissau.
Por estas e outras razões, a imigrante guineense não tem dúvidas que está a crescer o movimento de cidadãos descontentes, não só em Portugal. "Atualmente, há um crescendo da revolta das pessoas. De pessoas que não têm medo de falar ou dizer o que sentem", confirma.
Apelo à comunidade Internacional
A organização critica a CEDEAO que, não condenando as ilegalidades cometidas pelo Presidente Umaro Sissoco Embaló, procura legitimá-las, apadrinhando uma situação de golpe de Estado. "Isso tem sido uma grande afronta e bastante negativo para a imagem da CEDEAO", reforça Mariano Quade. "A própria CEDEAO", recorda, "tinha declarado tolerância zero a golpes de Estado e não compreendemos como é que no caso da Guiné-Bissau se procura legitimar essa situação, legitimando o atual autoproclamado Presidente".
Os guineenses saíram uma vez mais à rua, em Portugal, porque dizem não ser coniventes com a atual situação. Por isso, renovam o apelo à comunidade internacional para que esta reaja e tome uma posição, de modo a se repor a legalidade na Guiné-Bissau. Acreditam que, tarde ou cedo, será assim possível, em defesa da Constituição e das regras da convivência democrática.
"A nossa luta não tem um prazo. Ela é contínua enquanto se mantiver esta situação de ilegalidade", afirma Quade, que invoca o golpe de Estado ocorrido esta semana no Mali. Para este quadro guineense, abriu-se um precedente na Guiné-Bissau.
"Quando a CEDEAO fecha os olhos a uma situação de golpe de Estado na Guiné-Bissau, naturalmente que abre as portas para que outros países também se sintam à vontade para atropelar aquilo que são as regras democráticas e a Constituição», exemplifica. Acrescenta ser esta uma prova clara de que o precedente aberto pela CEDEAO "vai trazer uma imagem bastante prejudicial e uma instabilidade bem maior para toda a região".
Enquanto se mantiver este clima de instabilidade, Lina Ramos assegura que vai continuar a protestar, porque o país precisa de uma "mudança". Garante que os guineenses não vão "baixar os braços" até "que as coisas mudem". Insiste, com olhar de determinação: "temos que fazer alguma coisa, temos que lutar".
PAIGC também critica CEDEAO
Numa nota divulgada esta sexta-feira (21.08), um dia após a CEDEAO se ter congratulado com a aprovação do programa de Governo pelo parlamento da Guiné-Bissau, o PAIGC condenou a posição da organização regional por "insistir" em tentar "legitimar" o executivo de Nuno Nabiam.
O PAIGC "condena com firmeza a posição da CEDEAO ao caucionar um golpe de Estado e reconhecer um Governo imposto pelo uso da força, minando dessa forma as condições de diálogo com vista à resolução definitiva da crise pós-eleitoral na Guiné-Bissau", referiu, em comunicado.
O partido denunciou também a "tentativa de alguns chefes de Estado de alguns países membros da CEDEAO em impor a sua agenda na Guiné-Bissau contra os interesses do povo guineense" e alertou para os "perigos de reconhecimento de um poder conquistado pela força e baseado na repressão e violência e que não oferece nenhuma perspetiva de consolidação da paz e de estabilidade política".
No mesmo documento, o PAIGC denuncia igualmente violações "sistemáticas" dos direitos humanos, "repressão e violência contra cidadãos indefesos" e perseguição a membros do Governo liderado por Aristides Gomes e volta a apelar à comunidade internacional para "promover esforços concertados" para assegurar o "restabelecimento da ordem constitucional e a garantir a estabilidade política na Guiné-Bissau".
fonte: DW África
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Samuel