por Raul Longo(*)
O ódio ao Lula vai além do Lula. É muito anterior.
O ódio ao Lula é um ódio aos próprios ancestrais dos odientos.
Ódio aos seus próprios avós e bisavós que vieram fugidos de misérias e fome. Vieram na desesperança de Europas e Ásias, fugidos da marginalidade de uma realidade que hoje os netos fantasiam em castelos e nobrezas, reis e rainhas. Imaginam-se valetes ou bobos da corte. Menestréis ou saltimbancos mambembes. Aristocratas de uma Europa que na Europa deixou de existir.
O ódio ao Lula é ódio à própria opção pela servidão de que antepassados fugiram em busca por melhor sorte e dignidade.
Dessa dignidade é a ode ao Lula. Ode à esperança que resiste desde o século passado, retrasado. Ode à ausência do medo de bruxas e dragões. Ode à esperança na oportunidade, na igualdade de condições. Às conquistas pelos esforços de cada um, de quem está e quem chega. De todos os que chegam vindos pelo aumento da produção, do implemento de indústrias retomadas do nada, recursos onde era negação e risco. Ode ao desenvolvimento que ainda hoje ecoa por toda parte, por toda a nação que foi primeira da América Latina entre a economia internacional.
O ódio ao Lula é antigo. Vêm do tempo das senzalas. Dos Negreiros a trazer mistérios em culturas e deuses de vingança em macumbas e quimbandas pelo látego e o pelouro. Sangue e suor. Gente de lágrimas e carnes vivas. Carnes de provocações, tentações em peitos, bundas e coxas. Carnes de estupros. Vergonha da inércia, lassidão e preguiça branca. Ódio à tristeza por si, à melancolia branca realçada na alegria do batuque, na dança, na festa a sobrepor a crueldade questionando falsa civilização e devoção em crença cristã. A dúvida dos infernos na incerteza da reza por perdão de atrocidades de senhores nos eitos e maldades de sinhazinhas na casa grande a brincar de fadas em paraísos do Senhor sem aceitar igualdades perante o Senhor. Arrependimentos por excessos aos quais sempre querem retrocesso.
Também aí a ode ao Lula pelo filho na escola se fazendo doutor. À igualdade de acesso à luz, teto e moradia. À água e alimento, médicos e saúde, oportunidade a talentos e vocações de cada um. Aos versos do poeta, às prosas do escritor. Às descobertas em laboratórios, ao acesso livre às universidades e a todas as ciências e artes, a todas as técnicas profissionalizantes e à tecnologia. Acesso aos saberes e experiências de todos os mestres, até mesmo os do exterior.
O ódio ao Lula tem diversas faces, inclusive regionais. É o ódio à percepção da dependência da espoliação nordestina para construção das maravilhas sulinas. Ódio à mão de obra barata para subir chaminés e descer metrôs. Unir com pontes e viadutos por mão e obra que o ódio separa em favelas e periferias. Prédios e edifícios por mão e obra que o ódio relega ao abandono e amontoa em presídios. Ódio às falas socadas, duras, sem o arrastar itálico, sem a verborragia de neologismos, sem a elegância dos anglicanismos. Ódio contra a cultura e por uma cultura que se mente ter.
Mente-se cultura de uma Europa que europeu não quer e busca no Nordeste o que aqui se menoscaba numa coceira de vira-latas.
A cultura de um Nordeste pelo qual o turista entoa ode ao Lula admirando transformação de cidades e transposição de águas dignificando sobrevivência no sertão, resultando em redução de migração, da superpopulação e violência. Reduzindo ocupação e destruição de meio ambiente. Ode ao Lula por empresários e visitantes de toda parte. Ode às melhorias de infraestrutura, qualidade e confiabilidade em prestação de serviços. Ode às melhores estradas e logradouros, portos para se comerciar, produção para se negociar.
Mas o ódio ao Lula é também o velho ódio de sempre. Aquele sempre ódio ao pobre e ao que trabalha. É o ódio que aponta egoísmos e hipocrisia em falsas crenças, falsa promessas, engodo pelo voto, pelo golpe. A realidade do que trabalha e quem trabalha tem suor. E suor fede. A realidade de quem não tem trabalho e, se não há trabalho, tem fome. E fome fede. A realidade de quem, se não trabalha, é por vício e, se trabalha, que use a entrada de serviço.
Se não trabalha, de nada serve e, se trabalha, reclama e requer direitos. Direitos ao pobre dá ódio, porque trabalho é exclusivo aos privilégios de patrão, não por direitos e compensação. Todos os direitos ao patrão; e ao trabalhador execução da justiça dos donos da reforma trabalhista.
A volta do trabalhar para não lamber a chibata do feitor, mantida na arrogância dos cães de guarda dos privilégios do dono.
O retorno do trabalhar para existir e continuar trabalhando.
Reivindicação de direitos atrapalha o sono do dono e a quem não trabalha: eliminação. Trabalhador com emprego é empregado sem direitos, e em trabalhador sem emprego se emprega bala, cela e polícia para virar notícia e parecer que há segurança para o sono do patrão e do feitor.
Mas a ode ao Lula é pelo direito humano a médicos, ensino e escola. É ode às oportunidades e não à esmola. Ode ao poder de aquisição do mínimo até mesmo - por que não? - viagem de avião. Ode ao Lula é pelo direito a casa e mobília, cerveja com amigos e churrasco em final de semana.
A ode ao Lula é à indústria naval, ao Pré Sal e à ferrovia. Ódio à autonomia nacional, à estabilidade da moeda e do preço do litro de combustível. Diesel e gasolina. E cada um decidindo a própria sina.
A ode ao Lula é pelo resgate da miséria e pobreza, pela redução do abismo social, à ascensão de 40 milhões, à retirada do Mapa Mundial da Fome.
É a ode ao pleno emprego e ao Brasil protagonizando entre nações preconizando participação na superação da crise internacional.
Porém, no fundo, o ódio ao Lula é também existencial. É o ódio de cada um pela decepcionante incompetência daqueles em quem se acreditou.
Não é ódio por mortos e desaparecidos nem pelas tantas torturas, mas pela inutilidade de tudo que se acreditou e não levou o Brasil a nada, além de analfabetismo e violência, pobreza e doença. Levou o Brasil por tortuosos e torturantes caminhos que nunca chegaram a lugar nenhum.
Tanta imposição, tanta impostação e, aos olhos do mundo, resta apenas a decepção de mais uma ditadura de República das Bananas.
O ódio ao Lula é à própria inadvertência em eleger produto da mídia que só fez média e, de tão inútil, se teve de tirar. O ódio ao Lula é à inapetência de empoados que se elegeu só para servirem de capacho e tirar sapato. Ódio ao Lula é ao menoscabo aos aposentados xingados de vagabundos em outras eras, quando se mantinha o congelamento de salários ao nível de insignificantes poderes aquisitivos, obtinham a triplicação da dívida e entregavam o patrimônio público.
Ódio ao Lula é por se ter elegido o que terminou em descrédito mundial e apagão. É o escuro ódio ao próprio fracasso, à frustração por si mesmo.
Quem nunca elegeu um governo ao qual possa entoar ode por algum feito, como poderá entender multidões em ode ao Lula? Como pode entender a ode do mundo e do Brasil de fundo? Como pode querer o Brasil que é, se não aceita o próprio ser o que é querendo ser o que nunca foi? Mentindo-se a própria realidade?
Ódio ao Lula não é por seus feitos, mas ao nada feito antes de Lula. Ao nada a se contar e cantar. Apenas silêncio e constrangimento por um Brasil falido com vergonha perante a comunidade das nações.
Como entender títulos e honrarias, respeito e admiração internacional ao que apenas resta o negar? Como aceitar ode ao Lula quem não tem motivo para compor ode à ninguém.
Ode à quem? Por quê? Sobre o quê? O que há? Que houve para ode ao antes? Ao agora dos que latejam ódio ao Lula por medo e incertezas, nenhuma perspectiva de quando se terá o prometido para o agora o que já se teve antes. Ódio ao Lula é ao não saber o que se terá amanhã. Não saber quando se tornará o que se teve antes. À evidência do que não se terá amanhã. À inexorabilidade do amanhã.
Ódio ao Lula se revela na ausência de argumento, no mero xingamento, na repetição de pobres trocadilhos. E se desvela na irritação ao estribilho internacional apontando o golpe. Se desvela na vergonha da vaia e no ridículo do que afirma pôr o Brasil nos trilhos quando tudo degrada, desaba, desmonta, decai. Tudo descarrilha em carência, violência e encontros escusos, corrupções e despencar de delações, perdoar de sonegações, descredito em previsões que se ajustam, apertam, tiram dos que não têm, para fechar contas que corrigem em bilhões.
Ódio ao Lula é o ódio às próprias deficiências. É transferência do ódio à própria displicência desde a escola, no diploma comprado, na imerecida conquista pelo "quem indicou?", consciência da ausência de qualquer talento e merecimento. Ódio ao Lula é ódio ao reconhecimento de glória roubada pelo feito por outro, da omissão aos feitos de outros.
É o jeitinho dado para se iludir com o próprio sem-jeito.
Transferência da própria incompetência.
Mas não é ódio às fraudulentas falências financiadas pelos PRÓ ERerários públicos desfalcados. Não é ódio às farsas de bolinhas de papel e boladas de negociatas. Às evasões e inversões. Não é ódio aos superfaturamentos, aos flagrantes de tráfico e extorsão, às toneladas de carreiras em helicópteros, às denúncias e impunidades, à corrupção e homicídios. Não é ódio ao tanto do tudo que se comprova e até mesmo se admite em própria voz na revelação de gravações imprevistas, ao tudo do que se cala na ameaça aos alguém "que a gente mate"(1)
Ódio ao Lula já nem mesmo é pelo Brasil não ser Europa ou porque, para Europa, Brasil nem ser mais América Latina. Mas "de outro mundo"(2)
Ódio ao Lula e seus companheiros é pelo se ter de imputá-los sem haver provas. Por se ter de condená-los inventando fantasiosas literaturas sem nenhum realismo. É o fantástico da condenação ao que o juiz reconhece não ser real e assume não ter ocorrido o crime acusado. O fantástico da premiação ao que juiz reconhece ser crime real, efetuado e efetivado, provado e comprovado, assumido e confessado.
O ódio ao Lula é reincidente porque reincide juiz, crime, criminoso e impunidade. O ódio ao Lula é a evidente e escancarada verdade que ecoa e se responde em ode mundial ao Lula.
É o ódio por ter de "estancar a sangria" (3) de tudo o que se comprova a cada prova do que são os que o acusam e condenam Lula.
É ódio enorme e infindo que vai muito além de Lula, muito depois de Lula. Ódio que se levará ao túmulo porque em qualquer tempo futuro se contará a história de quando o Brasil foi deste mundo. Onde for, de toda parte do mundo futuro, ao se contar a história do Brasil se cantará ode ao Lula.
Ódio ao Lula é à ode ao Lula entoada quanto maior o ódio ao Lula. Ódio a correr consciência de quem não tem memória de nada a contar daqueles de que nem mais lembram haver eleito, tentado eleger,apoiado a se impor por golpe à vontade democrática, por golpe ao Estado de Direito.
E quando lembram, preferem fingir haver esquecido.
Mas o ódio ao Lula nunca será esquecido pelos que odeiam, porque que não há como se esquecer de si mesmo por mais que se culpe o que se teve pela perda do que não mais se terá. Por mais que se culpe o que teve e se perdeu, o ódio ao Lula não calará a ode latejando em maior ódio na lembrança por vergonha silenciada.
Sobre Lula nunca haverá silêncio, porque Lula é história. Enquanto houver Brasil e história se ouvirá ode ao Lula e no futuro não se poderá compreender o ódio que germina na ode ao Lula.
Um ódio de matar. Mas se esse ódio matasse o Lula, a ode viraria hino em todo o mundo, ensurdecendo o "outro mundo"
1) "Tem que ser um que a gente mate antes de fazer delação" - Aécio Neves, senador e presidente do PSDB candidato da mídia à presidência em 2014, líder e coo-promotor (com o ex-presidente FHC) dos tumultos de rua dos anos de 2013, 2014 e 2015; ao combinar recebimento de dinheiro de corrupção.
2) "Brasil é outro mundo" - Herta Däubler-Gmelin, Ministra da Justiça da Alemanha em entrevista realizada em julho de 2017 e traduzida para 30 idiomas.
3) "Tem que resolver essa porra. Tem que mudar o governo para estancar essa sangria" - Romero Jucá, senador do PMDB e líder posto no Congresso do governo im; ao propor pacto entre parlamentares para a execução do golpe político de 2016.
(*)Raul Longo, jornalista, poeta, escritor e pousadeiro.
www.sambaqui.com.br/pousodapoesia
Ponta do Sambaqui, 2886
Floripa/SC
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