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quarta-feira, 17 de julho de 2013

O regime português é corrupto.

NO BALUR I STA NA NO KUNCIMENTI, PA KILA, NO BALURIZA KUNCIMENTI!...



Fala de leis e do processo legislativo com uma facilidade impressionante. Mas não é mais um advogado envolvido na acção cívica e política. É matemático. Docente do ensino superior nas áreas de estatística e matemática encontra-se à frente do Instituto de Estudos Eleitorais da Universidade Lusófona do Porto. Foi vice-presidente da respectiva câmara municipal entre 2002 e 2005 com a responsabilidade pelos pelouros do urbanismo, acção social e habitação. Foi aí que colheu muita da experiência que o levou a denunciar crimes urbanísticos e os meandros da corrupção associados a este domínio. Já desabafou que só o convidaram para se candidatar à Câmara do Porto ‘porque pensavam que íamos perder, se fosse para ganhar tinham convidado outro’. Paulo de Morais, que acaba de lançar um livro intitulado ‘Da corrupção à Crise – Que Fazer?’ faz da sua campanha de denúncias uma profissão de fé. Recusa a cumplicidade do silêncio. Diz que não se conforma com o actual estado de coisas em Portugal. No dia em que concedeu esta entrevista a O PAÍS a comissão de inquérito que o parlamento português encarregou de investigar o processo das parcerias público-privadas defendeu, no seu relatório final, que vários governantes do executivo de José Sócrates e a administração das Estradas de Portugal devem ser chamados à Justiça. O relatório vai ser enviado para o ministério público português. Sinal dos tempos?

Tem referido que a actual crise portuguesa poderia não ser tão grave caso o dinheiro gasto, e que veio a pesar na dívida pública, não tivesse sido utilizado de forma menos transparente. A menor transparência e da corrupção contribuíram para a actual crise portuguesa?

Digo mais do que isso. Digo que as causas da crise portuguesa são de vária ordem mas a maior delas é claramente a corrupção. Se dividirmos a crise que actualmente se vive em Portugal em duas componentes, dívida pública e dívida privada, temos que a dívida pública, que representa hoje 130 por cento do produto interno bruto, se deve a diversíssimas causas. Mas, em termos de fluxos do Orçamento de Estado para grupos económicos privados ou para privados por via da corrupção, os exemplos são inúmeros: a corrupção que houve na Expo 98, a exposição universal, a corrupção no Euro 2004, a corrupção na compra de submarinos, a corrupção no caso BPP (Banco Privado Português), a corrupção no caso BPN (Banco Português de Negócios), a corrupção nas parcerias público-privadas. Poderia dar-lhe muitos exemplos, sendo que estes exemplos têm uma grande gravidade. Tornaram-se banais, ou seja, a corrupção banalizou-se na administração pública portuguesa. Além disso, são exemplos que têm um peso económico relevantíssimo. Quando falamos do custo económico para a dívida pública do escândalo de corrupção do BPN estamos a falar de sete mil milhões de euros. É o que dá para pagar os salários a toda a função pública portuguesa durante um ano. É o que se gasta no sistema nacional de saúde em Portugal. É corrupção que, além de ser muita, é muito cara. Se, de forma reiterada, ao longo de 20 anos, há um conjunto de autores na política e na administração pública cuja função devia ser defender o interesse da população mas que afinal andam entretidos a canalizar recursos para os grupos económicos a que estão ligados é evidente que isso só tem um nome e chama-se corrupção. Quando falamos de todos esses casos estamos a falar de muitos milhares de milhões de euros que foram drenados dos cofres públicos para os bolsos de privados. Essa dívida vai ser paga pelo povo, que tem de cobrir todos estes buracos. Depois há que referir que esta dívida é uma dívida viciosa, ela própria origina mais dívida. O Orçamento de Estado de 2013 está em execução e quando chegarmos ao dia 31 de Dezembro a maior despesa é juros da dívida pública. Para pagar o quê? Dívida pública. Que foi contraída como? Com mais juros de dívida pública e com corrupção. A forma como foi tratada a dívida somada à corrupção trouxe as contas públicas até este estado.

E no que respeita à dívida privada?

Quando entrámos em crise, no final de 2008 início de 2009, 70 por cento da dívida privada portuguesa era imobiliária. E a dívida imobiliária portuguesa resulta de quê? Resulta essencialmente de especulação imobiliária, que foi feita num conluio permanente entre promotores imobiliários e autarcas. Invariavelmente a operação consistiu na aquisição por parte dos promotores imobiliários, que dominam a vida política (ou pela via do financiamento partidário ou por via do controlo dos sindicatos de voto nos partidos), de terrenos agrícolas ou de terrenos na reserva ecológica, que conseguiam valorizar e transformar em terrenos urbanizáveis com grandes coeficientes de ocupação do solo e, desta forma, obtinham valorizações de 600, 700 ou 800 por cento. Do ponto de vista de valorização do terreno três operações podiam acontecer. Uma era a construção de habitação colectiva, o que se designa habitualmente por propriedade horizontal e que deu origem à venda de habitações que se desvalorizaram nestes 20 anos cerca de 30 a 40 por cento. O que significa que quem comprou uma casa em propriedade horizontal há 18 ou 20 anos tem hoje um património que vale menos 35 a 40 por cento.

E porquê?

Porque as casas estavam de facto muito inflacionadas no seu preço, dado que os terrenos tinham sido muito caros por terem sido valorizados por influência política e naturalmente em esquemas de corrupção. Daqui resulta património desvalorizado e dois milhões de casas vazias em Portugal, das quais, neste momento, cerca de meio milhão será de ocupação sazonal. Mas há um milhão e meio de casas vazias, estando, ainda por cima, a grande maioria tituladas em fundos imobiliários fechados que estão isentos de IMI e IMT (impostos sobre o imobiliário. Não só foi isto que provocou a crise como os detentores deste património são poupados ao pagamento das consequências da crise.

Passemos às outras duas operações de valorização dos terrenos…

Houve uma segunda operação que também decorreu de forma sistemática: houve terrenos que foram valorizados artificialmente tendo em vista uma futura expropriação pública. Porque se sabia, ou porque se encontrava forma de saber, que num determinado local iria passar o canal de atravessamento do TGV (comboio de alta velocidade) ou uma SCUT, uma daquelas autoestradas sem custos para o utilizador, enfim, um qualquer equipamento público, um conjunto de promotores imobiliários comprava terrenos, valorizavam-nos com a conivência das autarquias para depois o preço de expropriação ser já não o preço original mas o preço do terreno valorizado. Isto custou muitos milhares de milhões ao erário público. Ainda houve um terceiro tipo de operações que consistiu em valorizar terrenos, simular construções de empreendimentos imobiliários que nunca foram feitos. Qual era o objectivo? Era ir junto de um banqueiro ou mafioso, é assim que se lhe chama, conseguir o financiamento de todo o projecto e deixar como garantia algo que valia 50 ou 60 vezes menos. Isto criou a bolha imobiliária que neste momento existe em Portugal. Com estas operações de especulação imobiliária, assentes, uma grande parte delas, em corrupção chegámos a uma situação em que 70 por cento da dívida privada era resultante do imobiliário.

Os outros 30 por cento resultaram de quê?

Em Janeiro de 2009 quinze por cento era dívida a bens de consumo (telemóveis, viagens, automóveis etc.), o que por lá se diz muitas vezes que os portugueses andaram a gastar acima das suas possibilidades. Os outros quinze por cento correspondiam, em Janeiro de 2009, a todo o crédito bancário disponível para a actividade comercial, industrial, agrícola do país. Toda a actividade produtiva do país sustentava-se num crédito que representa apenas quinze por cento da dívida privada portuguesa. O que é suicida, até em termos económicos.

Voltando à questão da corrupção…

Face ao que lhe disse a principal razão da dívida pública é a corrupção, a principal razão de 70 por cento da dívida privada é a corrupção…quem nos trouxe à crise foi a corrupção. É evidente que não foi só a corrupção, nem é resolvendo o problema da corrupção que se resolvem todos os problemas de Portugal mas a solução da crise passa por atacar a corrupção. Não sendo médico percebo que a melhor forma de resolver uma doença é atacar a sua causa. Enquanto não se combater a corrupção a sério não saímos da crise.

Mas como é possível que a impunidade prevaleça, porque é que a justiça não funciona? Há um vício do próprio sistema jurídico português ou à falta de vontade do ministério público em accionar os processos? O ministério público não dispõe de meios suficientes?

Houve uma alteração profunda do ministério público tendo sido nomeada uma nova procuradora-geral há muito pouco tempo. Não há tempo útil para me poder pronunciar sobre a nova gestão.

Mas até aqui?

Esta corrupção alicerça-se em dois aspectos. O primeiro é o que refere, a justiça não funciona e tal acontece porque a legislação que tem maior incidência económica é muito confusa, tem muitas regras, muitas excepções, dá azo a muitas intervenções discricionárias por parte das entidades que regulamentam os sectores. Isso gera corrupção. Depois os tribunais portugueses são estruturas que carecem de muita organização. E, para além disso, não houve de facto uma vontade sistemática por parte do ministério público de intervir nos crimes de chamado ‘colarinho branco’. Aliás, a esse nível a justiça portuguesa está a precisar de tribunais especializados como existem, por exemplo, na área da família. Acho que era uma boa solução haver tribunais especializados para o fenómeno da corrupção e dos crimes conexos. Há um outro aspecto que antecede este. Em Portugal tem havido uma grande promiscuidade entre os negócios e a política. Dos vários exemplos de que falamos há um que envolveu, com alguma proximidade, o actual ministro dos Negócios Estrangeiros, que foi a questão dos submarinos, ainda um caso intacto em que houve corrupção comprovada pelos tribunais alemães. Houve pessoas condenadas na Alemanha por causa desse processo.

Mas a informação que aparentemente não terá chegado aos tribunais portugueses…

O que acontece é que os tribunais portugueses perante a informação de que há corrupção comprovada na compra de submarinos por parte do Estado português a uma empresa alemã não conseguem, mesmo assim, ser consequentes. Não sendo consequentes, e como estamos a falar da compra de submarinos, as pessoas que estão sob suspeição são obviamente os mais responsáveis: os ex-ministros da Defesa dos governos que estiveram envolvidos nisso, neste caso o actual ministro dos Estrangeiros Paulo Portas, o anterior ministro da Defesa Rui Pena, os próprios ex-primeiro-ministros António Guterres e Durão Barroso, todos eles não ficam, digamos, bem na fotografia enquanto este caso não for esclarecido. Aliás, eu se estivesse na posição deles exigiria um esclarecimento imediato de um caso de corrupção comprovada que lhes toca tão de perto.

Fale-nos do caso das parcerias público-privadas…

A primeira parceria público-privada em Portugal foi a Ponte Vasco da Gama, que pertence à Lusoponte. Este projecto foi pensado com o Eng. Joaquim Ferreira do Amaral como ministro das Obras Públicas. Passado todo este tempo a Lusoponte é um negócio ruinoso para o Estado português. Os privados nem sequer entraram com muito dinheiro no negócio, entraram apenas com 20 por cento de capital no valor de construção da ponte, e conseguem esta coisa fantástica: a receita das portagens da ponte Vasco da Gama, da ponte 25 de Abril, o exclusivo das travessias sobre o Tejo durante toda uma geração. Foi um péssimo negócio para o Estado português. Quem é hoje o presidente da Lusoponte? Ferreira do Amaral. Mas depois de Cavaco Silva houve um primeiro-ministro, António Guterres, que teve como ministro das Obras Públicas Jorge Coelho. Onde foi parar mais tarde? À Mota-Engil que é precisamente a maior detentora de parcerias público-privadas rodoviárias. A seguir a Guterres vem Durão Barroso. Quem era o ministro das Obras Públicas de Durão Barroso? Luís Valente de Oliveira, que também trabalha como administrador da Mota-Engil. Dá ideia que todos os que andaram nos governos a pensar em parcerias público-privadas são os que mais tarde aparecem nas empresas que são as detentoras das parcerias público-privadas, os maiores beneficiários dos negócios que eles próprios haviam semeado a favor dos privados quando estavam nos governos. Mas a promiscuidade acaba aqui? Não, e só para nos focarmos na promiscuidade em termos de parcerias público-privadas, no mesmo momento em que eram celebrados os mais ruinosos contratos de parcerias público-privadas na comissão parlamentar de Obras públicas um pouco menos de metade dos parlamentares eram simultaneamente deputados e administradores de empresas de obras públicas. Deu-se até o absurdo de à época existir uma comissão de luta contra a corrupção cujo presidente era o deputado Vera Jardim, deputado e advogado, que é membro de um escritório que elaborou juridicamente todo o articulado das parcerias público-privadas. Enquanto presidia à comissão de luta contra a corrupção toda a corrupção das PPP era urdida e montada numa sociedade de advogados a que ele próprio pertence, que se anuncia como a sociedade que mais percebe de parcerias público-privadas em Portugal, que esteve associada à maioria das parcerias público-privadas construídas e formatadas em Portugal e que se orgulha de ter sido ela a formatar a estrutura rodoviária e ferroviária portuguesa.

Como é que essa promiscuidade continua a existir sem ser denunciada por qualquer dos partidos que integram o parlamento português, da esquerda à direita?

Essa é a minha perplexidade. Não compreendo como é que partidos que nunca estiveram sequer no governo, como é o caso do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda, não sejam mais veementes no combate à corrupção, e não percebo como é que um partido como o PCP não denuncia nem é claramente contra as parcerias público-privadas.

Essa complacência não poderá estar associada ao facto de esses partidos estarem ligados a áreas da sociedade portuguesa que também tiveram a sua parte na ‘captura do Estado?

Percebo o que diz. Mas o que está mais associado a esses partidos ditos de esquerda é um Estado que, para além de ter alguma dimensão, fornece um serviço nacional de saúde, fornece um serviço de educação. Ora, o Estado a que nos estamos a referir é um Estado grande mas é um Estado do capitalismo de Estado, da transposição de recursos do Orçamento de Estado para os grandes grupos económicos.

Mas é o mesmo Estado que faz as duas coisas…

Isso tem a ver com uma questão doutrinária. E porquê? Antes da queda do Muro de Berlim tínhamos duas realidades distintas na Europa. Havia o predomínio do colectivo no lado leste, enquanto do lado ocidental tínhamos o predomínio do livre arbítrio, da liberdade individual, mais a valorização das empresas privadas das quais saia uma componente que servia para pagar o Estado Social. Com a queda do Muro de Berlim dá-se um fenómeno que é, para mim, até hoje, inexplicável. Uma determinada esquerda começa a absorver a defesa dos valores individuais, nomeadamente no que tem a ver com a sexualidade, os comportamentos, os comportamentos ambientais. A defesa das liberdades individuais, a defesa do liberalismo, passa a ser um património da extrema-esquerda, o que é algo de estranho em termos europeus. E a esquerda tradicional (os sociais-democratas e os democratas-cristãos) caiu na asneira de começar a assumir o benefício colectivo, a componente colectiva da sociedade. Houve uma troca doutrinária. Com a agravante de, em vez de pensarem no interesse colectivo, passaram a pensar na utilização de bens colectivos por interesses privados. Conseguiram fazer nalguns países da Europa Ocidental, entre os quais Portugal, o pior de dois mundos, que é o capitalismo de Estado, a utilização de todos os recursos para beneficiar um determinado tipo de capitalismo selvagem, dos grandes grupos económicos. E quem é que ficou de defender o individuo, as PME, etc? A esquerda que do lado de leste jamais tinha defendido estes valores. Onde isto foi acelerado foi com a ‘terceira via’ em Inglaterra, até como contraposição ao thatcherismo, aparecendo como uma forma de tentar compensar os dois mundos: por um lado, continuar a beneficiar a iniciativa privada, tal como Thatcher o havia feito, mas criando grandes equipamentos públicos, tal como a esquerda pretendia. Só que criaram grandes equipamentos públicos não para benefício público mas para benefício dos interesses privados.

Voltando a Portugal…

… Não compreendo que o Partido Comunista não seja veementemente contra a corrupção e as parcerias público-privadas. Tal como o Bloco de Esquerda. E estou a falar destes porque são aqueles que não têm estado na alternância de poder. Não compreendo que no parlamento, mesmo nos partidos que estão no arco do poder, não haja um punhado de homens bons que se insurja contra esta situação. Quando a promiscuidade atinge este nível é um problema de regime. Deixe-me dar-lhe um exemplo. Em Portugal a legislação de maior relevância económica nem é feita pelo parlamento. No início de cada legislatura, através de um mecanismo que se chama ‘autorização legislativa’, o parlamento cede ao governo a possibilidade de legislar um conjunto de áreas. E o governo subcontrata essa função às grandes sociedades de advogados de Lisboa. Estas produzem legislação na área do urbanismo, na área da recuperação urbana, na contratação pública, enfim, nas áreas de maior relevância económica. Essas sociedades conseguem fazer em Lisboa aquilo que não acontece em mais lado nenhum da Europa, onde houve problemas graves como estes, como foi o caso da Bélgica, mas que já estão resolvidos. As sociedades produzem legislação, de seguida dão pareceres, e ganham milhões, sobre a legislação que tenham produzido e depois vão aos privados vender os alçapões que elas próprias introduziram na lei. Estas sociedades dominam toda a arquitectura destes negócios, e naturalmente trabalham para os grandes grupos económicos. Através destas sociedades de advogados os grandes grupos económicos dominam completamente a produção legislativa em Portugal. Há aqui um problema gravíssimo em termos de regime dado que essas sociedades de advogados produzem legislação, ou seja, intervêm no processo legislativo mas, simultaneamente, andam nos tribunais a litigar com as leis que eles próprios fizeram. Estão a intervir na área legislativa e na judicial ao mesmo tempo, pervertendo até o princípio da separação de poderes. Quando se chega a este nível de violação dos princípios constitucionais de separação de poderes fica claro que o problema não é só de justiça, não é só de polícia, é um problema de regime. Em última análise é um problema do Presidente da República…

É um problema de regime ou mesmo um problema de sociedade? Publica livros, aparece na televisão e nos jornais mas, aparentemente, na sociedade portuguesa o que denuncia não causa muito incómodo…

Incomodam-se, não se incomodam na política. Não é um problema de sociedade, é um problema da classe política. A grande maioria da classe política, da extrema-direita à extrema-esquerda, havendo honrosas excepções é certo, parece não querer incomodar-se com esta matéria. A sociedade incomoda-se. E a prova é que nos barómetros de medição da corrupção na opinião pública interna 83 por cento dos portugueses dizem que a corrupção piorou nos últimos três anos. E mais: indicam como entidades mais corruptas os partidos e o parlamento.

Pois, mas porque é que isso não tem tradução nas intenções de voto, que revelam que a sociedade continua a preferir os mesmos partidos?

Mas eu acho que isso vai mudar. A última década foi desastrosa.

A sociedade portuguesa está num beco sem saída?

A política portuguesa está num aparente beco sem saída, mas a sociedade encontrará uma saída.

Entende que este regime é reformável ou é um regime corrupto?

O regime é corrupto tal como está. Há aqui um drama histórico que tem de ser resolvido. Quando em 25 de Abril de 1974 se deu a revolução não se conquistou de imediato a liberdade e a democracia. Os primeiros anos da democracia portuguesa foram conturbados e inevitavelmente teria de ser assim. Mas, chegados aos anos de 1980, os portugueses achavam que tinham conquistado a liberdade e a democracia. E, de facto, não tinham. Tinham conquistado a liberdade mas a democracia não se conquista, constrói-se. E a partir dos anos de 1980, uma vez conquistada a liberdade, não se construiu a democracia. Tem-se vindo é a destruir a democracia. Portugal é um regime livre (há liberdade de expressão) mas é um regime cada vez menos democrático porque o poder que é exercido em Portugal depende cada vez menos do povo e cada vez mais dos grupos económicos. O que há que fazer agora é utilizar a liberdade de que dispomos para reconstruir a democracia. Não direi que precisemos de uma revolução mas precisamos de uma reviravolta para reconstruir a democracia.

As parcerias público-privadas (PPP) estão condenadas a correr mal para o erário público? Não correm mal apenas porque o conceito é distorcido pela promiscuidade e pela corrupção?

As parcerias público-privadas ou correm mal e o Estado perde ou correm bem e o Estado perde outra vez. São um tipo de negócio em que os resultados são desastrosos, mesmo quando corre bem. Se assumirmos as PPP como investimentos privados em que, numa contratualização com o Estado, este assume uma determinada despesa permanente, coloca-se, desde logo, um problema: haver a garantia de um pagamento permanente por um equipamento que pode não estar até a ser utilizado, que é o que acontece com as PPP rodoviárias em Portugal. Mas, além disso, nas PPP rodoviárias em Portugal há remunerações em função da sinistralidade aumentar ou diminuir. O aumento de sinistralidade obriga a uma multa por parte do concessionário, a diminuição de sinistralidade permite um prémio ao concessionário. Acontece que os prémios, na forma corrupta como foram elaboradas as fórmulas na legislação, são 200 ou 300 vezes maiores que as multas correspondentes ao mesmo valor. Depois há um terceiro aspecto. Havendo renegociação de contratos de reequilíbrio financeiro ao longo dos anos, se o Estado for fraco e se os governos se submeterem ao interesse dos privados, são sempre canalizados mais recursos do orçamento do Estado para os privados. Portanto, com má gestão, com incompetência e com corrupção as parcerias público-privadas são ruinosas. Mas mesmo quando haja da parte do Estado a capacidade para defender o interesse da população, as PPP incidem sempre sobre os grandes equipamentos, não há PPP para fazer um hotel ou um restaurante, estamos a falar de grandes equipamentos com um uso público massificado e, quando se falam de grandes equipamentos de uso público massificado (água, electricidade, rodovia, ferrovia), mesmo que haja uma grande defesa do interesse do Estado no que respeita aos contratos há invariavelmente uma depreciação dos equipamentos. Os concessionários, mesmo que assumam as suas obrigações de curto prazo não assumem as suas obrigações de médio prazo, a manutenção e conservação dos equipamentos, e as de longo prazo, a própria renovação dos equipamentos. Como os concessionários não assumem obrigações de médio e longo prazo e o médio e o longo prazo acabam por chegar invariavelmente quem é que as vai ter de assumir? Ou ninguém, o que não é aceitável pois estamos a falar de equipamentos públicos de utilização massificada, ou então, para defesa das massas, vai ter de ser o Estado a assumir essa responsabilidade, como aconteceu, por exemplo, com os caminhos-de-ferro ingleses, que foram alvo de parcerias público-privadas mas em que, ao fim de alguns anos de contrato, a linha foi-se depreciando. A pressão da opinião pública é de tal ordem que o Estado fica numa posição de ‘chantageado’ e acaba por pagar aquilo que deveria ter sido pago pelos privados. As PPP mesmo quando correm bem só correm bem a curto prazo. Porque equipamentos desta dimensão de uso social massificado têm de ser mantidos, têm de ser renovados e até porque os concessionários visam mais depressa o interesse dos seus accionistas do que o futuro e sabem que o Estado está sempre numa posição de ‘chantagem’. Por isso mesmo, quando o interesse público é defendido no decorrer do contrato, a depreciação dos equipamentos acaba por ser paga pelo Estado.

São preferíveis as figura do concurso público e da concessão?

As únicas PPP que se devem aceitar são as que já existem há muito tempo, são as concessões. Há um bem que é explorado por privados, que devem pagar uma ‘royalty’, um ‘fee’, uma contribuição ao Estado. Acho muito bem que sejam dadas concessões em minas de ouro, exploração de petróleo, construção de autoestradas, desde que os contratos acautelem o interesse público. Mas concessões em que jamais o Estado se comprometa a pagar rendas. A renda foi a pior das invenções da ‘terceira via’ de Tony Blair, a renda é o instrumento do capitalismo de Estado, de negócios privados feitos à custa dos dinheiros públicos. A renda é um conceito a erradicar da economia pública.


Por: Luís Faria

fonte: OPAÍS
 
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Samuel

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