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sábado, 8 de fevereiro de 2014

Xanana Gusmão: “Fui Presidente para assegurar boas relações com a Indonésia, só e unicamente”.

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A poucos meses de deixar a chefia do Governo, Xanana Gusmão considera que Timor-Leste está no início de um processo de desenvolvimento. E revela que só foi Presidente porque foi “obrigado a isso”.


Xanana acredita que Timor está no início de um processo de desenvolvimento DANIEL ROCHA

O líder histórico da resistência à ocupação indonésia de Timor-Leste e primeiro Presidente do país, Xanana Gusmão, só aceitou o cargo para “assegurar nos primeiros cinco anos de independência as boas relações com a Indonésia”. Numa entrevista ao PÚBLICO, o actual primeiro-ministro afirma mesmo que foi “obrigado a isso” pelas instituições internacionais. Numa visita a Portugal, que termina este sábado, e durante a qual mantevecontactos com o Governo e discutiu o reforço da cooperação técnico-militar, o Presidente eleito entre 2002 e 2007 e chefe do executivo desde então, confirma a intenção de deixar de ser primeiro-ministro este ano. Xanana acredita que, até 2030, Timor passará da situação de “rendimento baixo para rendimento médio-alto, com uma população saudável, instruída e produtiva”. 

Veio de Londres, onde se reuniu com advogados por causa de uma queixa contra a Austrália, no Tribunal de Haia, por espionagem durante as negociações dos acordos de exploração do petróleo e gás do mar de Timor. Acredita que poderão conseguir a anulação dos acordos? 
O que está em causa é um tratado que assinámos em 2006, mais orientado para a exploração do [campo de gás] Greater Sunrise. Devo esclarecer que, desde Dezembro de 2012, abordei o assunto com a ex-primeira ministra australiana [Julia Gillard]. Disse-lhe: nós descobrimos factos que põem em causa as conversações e acordos assinados, vamos falar. Houve várias tentativas, sempre com recusa da Austrália em acreditar que éramos capazes de promover o assunto. Disse-lhes que se não aceitassem não teríamos outro caminho que não ir para uma instância superior para decidir. Não quiseram ouvir. Eu até disse a um enviado: não gostaríamos de ver a vossa imagem em causa. Não quiseram. O acto mais irracional que fizeram foi assaltar a casa do nosso advogado e levarem tudo. Aí apresentámos a queixa para a devolução da nossa documentação.

Pensa que a queixa dará frutos?
Penso que sim. Este mundo precisa de moralidade nos seus actos. Não se aceita uma total falta de ética, uma total falta de moral quando se lida com um país pequeno e pobre. O acto de espiar, de tentar perceber a nossa fraqueza usando os serviços de informação em negociações... 

O actual Presidente, Taur Matan Ruak, manifestou-se preocupação pela excessiva dependência que Timor tem das receitas do petróleo. É também a sua opinião? O que está ser feito para reduzir essa dependência? 
É um debate quase diário no Parlamento. Como vamos pensar a sustentabilidade? Em nove anos temos 14,9 mil milhões de dólares [quase 11 mil milhões de euros] num fundo e estamos a diversificar o investimento desse fundo. A Constituição definiu os objectivos centrais do Estado. Não disse: se tiverem dinheiro, guardem o dinheiro, adorem o dinheiro. Ficamos ricos como país e o povo anda a sofrer, ou aproveitamos sagazmente esse dinheiro para imprimir desenvolvimento? É neste pensamento que definimos um plano estratégico de desenvolvimento, com a visão de que até 2030 teremos mudado o país de rendimento baixo para rendimento médio-alto, com uma população saudável, instruída e produtiva. Tem que haver é uma visão em etapas daquilo que vamos fazer com esse dinheiro. Não vale pena ter o dinheiro ali e a população passar fome. 

Mas há uma excessiva dependência do petróleo?
Nós temos 12 anos. Já estudei dezenas de países com 70, 80, 90 anos de independência e não produziram melhor do que nós. O dilema é: se conhecemos a nossas necessidades onde é que vamos apostar? Quando fui para o Governo em 2007, em 2008, começaram a chegar alguns investidores e eu, que já tinha feito um estudo, não lhes prometi coisas, só lhes disse: dêem uma volta e antes de regressarem digam alguma coisa. Sabe o que me deram? Um cartão. [Perguntei-lhes]: porque não dizem nada? Disseram: “O cartão é para nos chamar quando tiver electricidade, quando tiver água, quando tiver estradas, quando tiver isso tudo”. 

Nesta sua visita a Lisboa lança o livro “Xanana Gusmão e os 10 primeiros anos da construção do Estado timorense”. Que balanço faz desses dez anos? 
É uma colecção de discursos. Eu diria que conseguimos ultrapassar os desafios pós-conflito, agora já não somos país pós-conflito. Estamos numa fase de transição que busca a consolidação das instituições e o início do desenvolvimento. Em termos políticos podemos falar de muita coisa mas não há democracia se não há paz, mas também não há paz se não há desenvolvimento. 

São apenas 12 anos, mas há problemas muito sérios de pobreza, desemprego jovem, de falta de infra-estruturas… 
Estamos a tentar produzir pólos de desenvolvimento, que criem emprego. Nós temos mais de 50% da população abaixo dos 25 anos. É um grande desafio. Há estratégias aprovadas pelo Parlamento Nacional. Agora é o momento de acção, não é já o momento de lamúrias. Em 2008 começámos e estamos agora a finalizar uma rede de electricidade que cobre todo o país. São as infra-estruturas básicas que permitem incrementar o desenvolvimento. 

O senhor é uma lenda da resistência mas a sua imagem tornou-se menos consensual do que na fase da libertação. Teria voltado a fazer tudo o que fez, a ser Presidente e, no que foi mais polémico, a ser primeiro-ministro? Daria os mesmos passos? 
As imagens são formuladas por pessoas. O que nos compete, o que nos competia, em casos muito concretos, era dar o que podemos. Sabemos também o que é que podemos e o que é que não podemos fazer. Em que é que podemos contribuir ou não. Todos sabem que não escolhi ser Presidente. Fui obrigado a isso por várias entidades internacionais, para assegurar nos primeiros cinco anos de independência boas relações com a Indonésia, só, só e unicamente. Se me sacrifiquei foi para assegurar à comunidade internacional que naqueles cinco anos faríamos tudo para criarmos um ambiente que deu resultados, já que na vizinhança o nosso melhor amigo é hoje a Indonésia.   

Tem a percepção de que com o envolvimento político se tornou uma figura mais criticada? 
É a diferença entre gerir um Estado independente e conduzir uma guerra. É uma diferença brutal. 

Mas daria os mesmos passos? Tomaria as mesmas decisões? Depois da presidência voltaria a envolver-se na política? 
Não dá para especularmos. 

Um dos problemas de Timor, uma das críticas que frequentemente lhe é feita, é a da corrupção. Como olha para isso? 
Ainda agora em Londres vi na televisão que a corrupção [custa] aqui na Europa por ano 120 mil milhões de euros. Em Timor, uma ex-ministra [da Justiça, Lúcia Lobato], por quatro mil dólares [cerca de 3,6 mil euros, ao câmbio actual] tem cinco anos na prisão. Embora possamos ter as nossas opiniões sobre esse assunto ela está lá [na prisão]. Imagine só a dimensão da corrupção. Tem três, quatro membros do governo que passaram pelos tribunais. Falar por 1200 dólares, 3400 dólares, veja só! Com 12 anos de idade temos um quadro legal, temos a comissão anti-corrupção, uma séria de instituições que se esforçaram. Eu próprio fui chamado por duas vezes à comissão. Se eu quisesse estaria envolvido não em três mil dólares, cinco mil dólares, mas em centenas de milhões de dólares. Falam muito de corrupção mas se fôssemos fazer uma comparação! Se quatro mil dólares dão cinco anos na prisão não há ninguém que pegue nesses criminosos [na Europa]? 

Os últimos Orçamentos de Estado foram aprovados por unanimidade. Timor é um país pacificado? Problemas como os de 2006/2007, de conflito armado, estão ultrapassados? 
Absolutamente. 

Anunciou que vai deixar o cargo de primeiro-ministro. Está definida a data? Pode confirmar se é em Setembro. 
Demorei um bocado por causa da CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, que este ano realiza a sua cimeira em Díli, prevista para Julho]. Depois da cimeira da CPLP arrumo as malas.

# publico.pt

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Samuel

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