Cinco anos depois a Guiné-Bissau retoma a reconciliação nacional. O pároco de Buba já faz os primeiros contactos na qualidade de presidente da comissão preparatória da Conferência Nacional de Reconciliação.
Militares guineenses e o ex-chefe do exército da Guiné-Bissau, António Indjai
A comissão foi empossada na última segunda-feira (18.05) pelo presidente do Parlamento da Guiné-Bissau, Cipriano Cassamá, com a tarefa de fazer um verdadeiro esforço de reconciliação com o passado de maneira a transformar o presente do país.
A DW África falou sobre o tema com Domingos da Fonseca, pároco de Buba, no sul do país, e também vigário geral da diocese de Bafatá, no centro.
DW África: Esta Conferência Nacional de Reconciliação entre os Guineenses é algo desejável agora que o país está num processo de paz?
Domingos da Fonseca (DF): Mais que desejável, eu diria até urgente porque o país tem vivido momentos de crises profundas que deixou mágoas e feridas nos corações dos guineenses. Essa situação não pode continuar no tempo e no espaço, porque não ajuda no processo de desenvolvimento.
DW África: Portanto, é necessário um verdadeiro esforço de reconciliação na Guiné-Bissau?
DF: É fundamental, é mesmo indispensável.
DW África: Isso significará esquecer o passado de maneira a transformar o presente do país?
DF: Não se trata de esquecer o passado, trata-se de reconciliar-se com o passado. Todos nós temos de assumir o nosso passado, ninguém pode ficar escondido. E assumir o nosso passado significa refletir profundamente sobre o nosso passado, tomar consciência do nosso passado e sermos capazes de nos reconciliar com o nosso passado. Só assim é que poderemos começar a escrever a nova página da nossa história.
DW África: Perdoar significa esquecer?
DF: Perdoar não significa esquecer. Até uma ferida escondida pode sarar, mas fica sempre a cicatriz. Perdoar significa compreender o outro e libertar-se da prisão interior e psicológica e ser capaz, também, de libertar o outro da sua situação. E quando o outro é chamado a libertar-se, dá-se um processo de reconciliação com o nosso passado. E torna-se possível o prosseguimento da nossa história.
DW África: A comissão que foi empossada e presidida pelo senhor já tinha sido criada em 2010.
DF: Fez o trabalho e foi interrompido a partir do golpe de 12 de abril de 2012, mas já tinha feito um bom trabalho. Trata-se agora de ver o que foi feito e quais serão os próximos passos.
DW África: E já tem ideia de quando será realizada essa Conferência Nacional sobre a Reconciliação?
DF: Ainda é muito cedo para me pronunciar sobre o assunto. Não me quero precipitar, dar falsos passos.
DW África: Como cidadão guineense, o que acha que essa Comissão de Reconciliação Guineense deverá fazer?
DF: Continuar o trabalho inciado pela outra comissão, dando um novo impulso, uma nova dinâmica. É sobretudo de auscultação. Para começarmos temos de ter a capacidade, sobretudo, de escutar, de ouvir, uma escuta imparcial. Ouvir e deixar as pessoas exprimirem os seus sentimentos recalcados há anos, porque sofreram injustiças, foram humilhadas, etc. É permitir que as pessoas falem. A comissão tem de criar essa cultura de ouvir sem tomar nenhuma posição. A partir dessa escuta é que se poderá fazer uma análise e preparar a conferência nacional.
DW África: Mas a reconciliação não poderá ser uma "caça às bruxas"?
DF: Absolutamente. Uma "caça às bruxas" já não faz parte da reconciliação. É um projeto antagónico. Por isso digo que todos têm de ser implicados, os militares, para-militares, o poder tradicional, o poder jurídico, tudo tem de ser implicado no processo. Para mim é um processo terapeutico, é uma cura, porque quem co-habita com o sentimento de ódio é uma pessoa doente.
DW África: E a sociedade civil guineense está preparada para perdoar?
DF: Está a ser preparada, já começou a ser informada em 2010, o trabalho não é de hoje. As nossas rádios locais, diocesanas e eclesiáticas já estão a trabalhar nesse sentido de mudar a mentalidade guineense e já se sente essa mudança.
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Samuel