Foto: EPA/ PAULO JULIÃO
Tal como lhe competia perante tão perigosos terroristas e seus apoiantes, a polícia do regime de Eduardo dos Santos carregou hoje sob alguns manifestantes que se concentraram à porta do tribunal de Benfica, nos arredores de Luanda, defendendo a libertação dos activistas que hoje começaram a ser meros figurantes nesta farsa.
Por Orlando Castro
Luaty Beirão definiu com extrema precisão
o que se passa ao dizer: “Vai acontecer o que José Eduardo decidir. Tudo aqui é
um teatro, a gente conhece e sabe bem como funciona. Por mais argumentos que se
esgrimam aqui e por mais que fique difícil de provar esta fantochada, se assim
se decidir seremos condenados. E nós estamos mentalizados para a condenação”.
O incidente com a Polícia Nacional do
regime deu-se cerca das 10 horas, à porta do tribunal, quando os manifestantes
gritavam e empunhavam cartazes com apelos de “liberdade, já” para os activistas
acusados de actos preparatórios para uma rebelião e um atentado contra o
Presidente angolano, no poder há 36 anos se nunca ter sido nominalmente eleito.
Um dos manifestantes foi ferido na
intervenção da Polícia a cavalo e teve de ser retirado do local, para ser
assistido.
Em simultâneo, realizava-se no local uma
outra manifestação, com os integrantes do regime a gritarem palavras de ordem
como “justiça sim, sem pressão” e “Portugal tira o pé de Angola”, retomando as
críticas das autoridades do regime à alegada “ingerência externa” neste caso.
Não foi, contudo, detectado nenhum
cartaz a citar o embaixador itinerante do regime, Luvualu de Carvalho, do tipo
“NATO tira o pé do reino de Eduardo dos Santos”. Ou “Angola não é a Tunísia”.
Este processo teatral, mascarado de
julgamento, é visto internacionalmente – mas também pela sociedade angolana que
pensa pela própria cabeça – como um teste à separação de poderes e ao exercício
de direitos como a liberdade de expressão e reunião em Angola.
Separação de poderes? Está-se mesmo a
ver, não está? É vidente que ela existe. Não nos custa reconhecer. No MPLA
manda o seu Presidente (José Eduardo dos Santos), no Governo manda o Titular do
Poder Executivo (José Eduardo dos Santos), e no país manda o Presidente da
República (José Eduardo dos Santos). Querem melhor separação de poderes?
A farsa da separação de poderes foi,
aliás, o argumento utilizado na primeira intervenção no julgamento pelos
advogados de defesa, depois de lida a acusação do Ministério Público do regime,
e o despacho de pronúncia.
Os 17 activistas – dos quais 15 estão em
prisão preventiva – estão todos acusados, entre outros crimes menores, da
co-autoria material de um crime de actos preparatórios para uma rebelião e de
um atentado contra o Presidente de Angola, no âmbito de um curso de formação
semanal que decorria desde Maio.
Na altura das detenções, estes jovens
activistas realizavam já a sexta sessão desta formação, em que analisavam um
livro sobre a forma de derrotar, pacificamente, uma ditadura. Não se sabe se
essas sessões eram acompanhadas por agentes secretos da NATO. Mas tudo indica
que sim. É só perguntar a Luvualu de Carvalho.
A comunidade internacional e várias
organizações de defesa dos direitos humanos têm apelado à libertação dos 15
jovens que se encontram em prisão preventiva, com o Governo a rejeitar o que
diz ser “uma pressão” e “ingerência estrangeira” nos assuntos internos.
De facto o regime tem de se impor. As
“pressões” e “ingerências externas” seriam toleráveis se partissem de países
com autoridade democrática, moral e ética para o fazer. São disso exemplos a
Coreia do Norte, o Zimbabué e a Guiné-Equatorial. Não é o caso.
O caso ganhou proporções internacionais
depois de Luaty Beirão ter realizado uma greve de fome, que se prolongou por 36
dias, obrigando à sua transferência da cadeia para uma clínica privada de
Luanda, denunciando o excesso de prisão preventiva, exigindo aguardar
julgamento em liberdade.
A pretensão acabou por não ser atendida,
apesar dos sistemáticos apelos da comunidade internacional, nomeadamente com
vigílias em várias cidades do mundo, sobretudo em Portugal, o mesmo acontecendo
com os recursos apresentados pela defesa (um indeferido e alvo de recurso para
o Tribunal Constitucional, outro que será decidido quando o regime quiser).
Os 17 arguidos são estudantes,
professores, engenheiros, jornalistas e até um militar da Força Aérea angolana,
e têm idades entre os 18 e os 33 anos.
Os próximos episódios da peça decorrem
todos os dias até sexta-feira. Dado o êxito da primeira sessão, é provável que
a peça seja reposta.
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