Nos últimos anos alguns ditadores (ainda há muitos por aí) começaram a cair ou a ser… suicidados. O mundo dito (nem sempre é verdade, mas…) democrático começou imediatamente a gerar outros e a aguentar alguns que ainda não passaram de bestiais a bestas.
Por Orlando Castro
No caso de Angola, José
Eduardo dos Santos (no poder há 36 anos sem ter sido nominalmente eleito)
necessita de rever com urgência os seus ideais, princípios e práticas, apesar
de estarem ainda de acordo com o barómetro internacional dos ditadores bons.
De facto, o governo
angolano do MPLA, no poder há 40 anos, não tem tido vontade, embora tenha os
meios, para resolver os problemas de água, luz, lixo, saúde, trabalho e
educação. A juventude não tem casa, não tem educação, emprego e não tem futuro.
Os trabalhadores têm salários em atraso e não conseguem obter crédito bancário.
Esses são, contudo,
problemas internos que não alteram a posição de José Eduardo dos Santos no
ranking dos ditadores amigos do Ocidente. Tão amigo que hoje recebeu
felicitações de todo o lado, da Coreia do Norte aos EUA, do Zimbabué a
Portugal, de Cuba à Guiné-Equatorial.
E não alteram o ranking
porque coisas tão banais como casa, saúde, educação, comida, não são
preocupações essenciais para os que vêm a Angola sacar a única coisa que lhes
interessa e que é regra de ouro para uma boa qualificação entre os ditadores
bestiais, o petróleo.
Estar 36 anos no poder,
com o poder absoluto que tem nas mãos (é além de presidente da República e
também líder MPLA e Titular do Poder Executivo), faz de José Eduardo dos Santos
um dos ditadores (democrata segundo a terminologia do seu amigo Robert Mugabe)
há mais tempo em exercício.
O facto de não ser caso
único, nomeadamente em África, em nada abona a seu favor. Sabe todo o mundo,
mas sobretudo e mais uma vez África, que se o poder corrompe, o poder absoluto
corrompe absolutamente. É o caso em Angola. Mas ninguém se preocupa com isso.
Por enquanto, é óbvio.
Só em ditadura, mesmo
que legitimada pelos votos comprados a um povo que quase sempre pensa com a barriga
(vazia) e não com a cabeça, é possível estar tantos anos no poder. No caso 36.
Em qualquer estado de direito democrático tal não seria possível.
Aliás, e Angola não foge
infelizmente à regra, África é um alfobre constante e habitual de conflitos
armados porque a falta de democraticidade obriga a que a alternância política
seja conquistada pela linguagem das armas. Há obviamente outras razões, mas
quando se julga que eleições são só por si sinónimo de democracia está-se a
caminhar para a ditadura.
Com Eduardo dos Santos
passa-se exactamente isso. A guerra legitimou tudo o que se consegue imaginar
de mau. Permitiu ao actual presidente perpetuar-se no poder, tal como permitiu
que a UNITA dissesse que essa era (e pelo que se vai vendo até parece que teve razão)
a única via para mudar de dono do país.
É claro que, é sempre
assim nas ditaduras, o povo foi sempre e continua a ser (as eleições não
alteraram a génese da ditadura, apenas a maquilharam) carne para canhão.
Por outro lado, a típica
hipocrisia das grandes potências ocidentais, nomeadamente EUA e União Europeia,
ajudou a dotar José Eduardo dos Santos com o rótulo de grande estadista. Rótulo
que não corresponde ao produto. Essa opção estratégica de norte-americanos e
europeus tem, reconheça-se, razão de ser sobretudo no âmbito económico.
É muito mais fácil
negociar com um regime ditatorial do que com um que seja democrático. É muito
mais fácil negociar com alguém que, à partida, se sabe que irá estar na cadeira
do poder durante toda a vida, do que com alguém que pode ao fim de um par de
anos ser substituído pela livre escolha popular.
É, como acontece com
José Eduardo dos Santos, muito mais fácil negociar com o líder de um clã que
representa quase 100 por cento do Produto Interno Bruto, do que com alguém que
não seja dono do país mas apenas, como acontece nas democracias, representante
temporário do povo soberano.
Reconheça-se,
entretanto, a estatura política de José Eduardo dos Santos, visível sobretudo a
partir do momento em que deixou de poder contar com Jonas Savimbi como o bode
expiatório para tudo o que de mal se passava em Angola.
Desde 2002, o presidente
vitalício (ao que parece) de Angola tem conseguido fingir que democratiza o
país e, mais do que isso, conseguiu (embora não por mérito seu mas, isso sim,
por demérito da UNITA) domesticar completamente todos aqueles que lhe poderiam
fazer frente.
A excepção surgiu
recentemente devido à inteligência e coragem de meia dúzia de jovens que, com
risco da própria vida, teimam em pensar pela própria cabeça. Sabem que isso
significa – na linguagem do regime – rebelião e tentativa de golpe de Estado
mas, mesmo assim, arriscam.
Não se crê que, até pelo
facto de o país ter estado em guerra dezenas de anos, José Eduardo dos Santos
tenha as mãos limpas de sangue. Aliás, nenhum ditador com 36 anos de
permanência seguida no poder, tem as mãos limpas.
Mas essa também não é
uma preocupação. Quando se tem milhões, pouco importa como estão as mãos.
Aliás, esses milhões servem também para branquear, para limpar, para transplantar,
para comprar (quase) tudo e (quase) todos.
Tudo isto é possível com
alguma facilidade quando se é dono de um país rico e, dessa forma, se consegue
tudo o que se quer. E quando aparecem pessoas que não estão à venda mas
incomodam e ameaçam o trono, há sempre forma de as fazer chocar com uma bala.
Acresce, e nisso os
angolanos não são diferentes dos portugueses ou de qualquer outro povo, que
continua válida a tese de que “se não consegues vencê-los junta-te a eles”. Não
admira por isso que José Eduardo dos Santos tenha mais alguns fiéis seguidores,
sejam militares, políticos, empresários e até supostos jornalistas.
É claro que, enquanto
isso, o Povo continua a ser gerado com fome, a nascer com fome, e a morrer
pouco depois… com fome. E a fome, a miséria, as doenças, as assimetrias sociais
são chagas imputáveis ao Poder. E quem está no poder há 36 anos é sempre o
mesmo, José Eduardo dos Santos.
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Samuel