O Presidente angolano, João Lourenço, apelou, através da sua conta no Twitter, à contínua busca de apoios para os milhares de sinistrados da seca no sul do país. Consta que também o Presidente do MPLA e o Titular do Poder Executivo já manifestaram a sua concordância…
Segundo o chefe de Estado, o momento crítico para o Sul de Angola avizinha-se (Julho, Agosto e Setembro), pelo que os milhões de angolanos devem continuar solidários, para salvar vidas naquelas comunidades. “Seja solidário, doe o que pode”, escreveu João Lourenço.
Que se saiba, pelo menos há 44 anos que Julho, Agosto e Setembro são meses críticos. Também é público que o MPLA governa o país desde essa altura. Mas…
Além do Cunene, a província mais afectada, também as populações do Cuando Cubango, Huíla, Namibe, Benguela e Cuanza Sul estão a sentir os efeitos da seca. E os que sobrevivem já sentem há muitos anos.
Em Abril deste ano, o Governo aprovou um pacote financeiro fixado em 200 milhões de dólares para solucionar problemas estruturantes ligados aos efeitos destrutivos na província do Cunene.
Num despacho, João Lourenço determinou os procedimentos de contratação, por concurso público, dos serviços para a edificação de um conjunto de obras com aquele fim, nomeadamente a construção de um sistema de transferência de água do rio Cunene, que partirá da localidade de Cafu até Shana, nas áreas de Cuamato e Namacunde. A obra está estimada em 80 milhões de dólares (70,8 milhões de euros).
Um segundo projecto será a construção de uma barragem na localidade de Calucuve e o seu canal adutor associado, num custo global de 60 milhões de dólares (53,1 milhões de euros).
Será também construída outra barragem e o respectivo canal adutor, na localidade de Ndue, também no valor de 60 milhões de dólares.
Além do concurso público para encontrar empresas que possam edificar as obras anunciadas, João Lourenço determinou, em despacho, a contratação dos necessários serviços de fiscalização.
Em 26 de Fevereiro último, o vice-governador da província do Cunene, Édio Gentil José, decretou o “estado de calamidade” devido à seca, que continua a afectar mais de 285.000 famílias, pedindo a Luanda mais apoios e a definição de estratégias para mitigar o fenómeno.
“Estamos a falar de um total de 285.000 famílias afectadas em toda a província. Continuamos a somar porque, enquanto não chove, os números têm tendência para aumentar. A província atravessa um dos piores momentos de seca”, disse.
Tal como a seca, tudo se repete
Em Julho de 2017, o governo calculou em 464,5 milhões de dólares (407,8 milhões de euros) as suas necessidades de recuperação sobre os efeitos e impactos causados pela prolongada seca, que afectou, nos últimos cinco anos, mais de um milhão de pessoas.
Os dados constam de um relatório sobre a Seca em Angola entre 2012-2016 e de Avaliação das Necessidades Pós Desastre (PDNA, sigla em inglês), elaborado pela Comissão Nacional de protecção Civil, com apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), União Europeia e Banco Mundial.
Nesse ano foi revelado que a seca afectou sobretudo o sul do país, com mais impacto para as províncias do Cunene, Huíla e Namibe, onde então existiam 1.139.064 pessoas afectadas, segundo os números fornecidos pelo Governo ao PNDA.
O relatório dividia em quatro categorias as necessidades: reconstrução de activos físicos; retoma da produção, funcionamento dos serviços e acesso a bens e serviços; restabelecimento da governação e dos processos de tomada de decisão e resolução das vulnerabilidades e riscos.
O orçamento proposto de 464,5 milhões de dólares elegeu os sectores agrícola e hídrico como os mais necessitados, com 189 milhões de dólares (165,9 milhões de euros) e 97 milhões de dólares (85,1 milhões de euros), respectivamente.
“As necessidades de recuperação incluem medidas a curto prazo (seis meses a um ano), médio prazo (1 a 2 anos) e longo prazo (2 a 4 anos)”, referia o documento.
A curto e médio prazo, o Governo apontava medidas como a reabilitação da produção agrícola e pecuária, das fontes de água para aumentar a sua disponibilidade de consumo humano e animal, apoio aos centros de nutrição para o tratamento da subnutrição, o fomento dos programas de alimentação escolar e a promoção de actividades alternativas de geração de receitas.
Já as necessidades de recuperação a longo prazo incluiam medidas para a redução do risco e impacto da seca no sul de Angola, através de uma melhor gestão dos recursos naturais, como a reflorestação, introdução de técnicas de recolha de água, sistema de irrigação comunitária, ente outras.
O Governo estimou então em perdas e danos para as três províncias mais afectadas pela seca em Angola um total de 749 milhões de dólares (657,6 milhões de euros).
Os sectores da agricultura, pecuária e pesca são “os de longe os mais afectados”, como descreve o relatório, salientando que as perdas nas três províncias foram calculadas com base na quebra da produção de cereais e outras culturas, de leite e de carne, enquanto os danos foram calculados baseados nas mortes reportadas de animais no Namibe (110.000), na Huíla (150.000) e Cunene (240.000), num total de 500.000 animais mortos.
Para o sector da água, saneamento básico e higiene calculou-se que o total de danos se situava nos 52,5 milhões de dólares (46 milhões de euros), que tem em consideração os 80 por cento de poços actualmente inoperantes, a necessitar de parcial ou total reparação.
A nível do sector da agricultura, pecuária e pesca, as maiores perdas registaram-se na área da segurança alimentar, estimada em 82 milhões de dólares (71,9 milhões de euros), representando 18 por cento do total das perdas.
“O sector da nutrição também registou perdas significativas avaliadas em 32,8 milhões de dólares (28,7 milhões de euros)”, referia o relatório, esclarecendo que estas perdas reflectem os custos adicionais nos quais o Governo angolano e a comunidade internacional incorreram para reduzirem a insegurança alimentar e a subnutrição nas populações atingidas pela seca nas três províncias.
À semelhança de grande parte da África Austral, Angola tem vivido uma seca desde a campanha agrícola de 2011/2012, marcada por uma combinação de falta de chuvas, distribuição irregular da precipitação e períodos de seca, que tem afectado sobretudo a zona sul do país.
Apoios europeus para trocar seis por meia dúzia
AUnião Europeia disponibilizou 65 milhões de euros para desenvolver em três províncias do sul de Angola, afectadas pela seca, um projecto para o reforço da segurança alimentar e nutricional, com arranque previsto para 2018.
No país real, o tal dos 20 milhões de pobres, as províncias beneficiárias da ajuda europeia foram (ou deveriam ter sido) o Cunene, Huíla e Namibe, regiões que nos últimos anos e consecutivamente registaram períodos de seca severa, que afectou mais de um milhão de pessoas com prejuízos económicos na ordem dos 656,8 milhões de euros, segundo dados do Governo.
Segundo a gestora do projecto junto da União Europeia em Angola, Susana Martins, o principal objectivo é (era) contribuir para a redução da fome e da pobreza nas camadas mais vulneráveis dessas três regiões, garantir a segurança alimentar e nutricional, com o reforço da agricultura familiar e sustentável.
Susana Martins, citada pela Angop, referiu que o projecto estava dividido em várias componentes, nomeadamente a introdução de metodologias de formação nas diversas comunidades abrangidas, nas escolas de campos agrícolas e agro-pastoris, bem como de equipamentos e práticas de agricultura que vão facilitar o trabalho e aumentar a produção.
Com este projecto pretende-se ainda dinamizar o sistema de reservas alimentar, sensibilizar para a melhoria nutricional através da educação alimentar, reabilitar infra-estruturas para captação e conservação de água para irrigação, consumo humano e animal.
As acções iriam estar igualmente viradas para apoiar a resiliência dos agricultores e produtores familiares, com a divulgação de técnicas de multiplicação e promoção de bancos de sementes, conservação e uso sustentável dos solos e pastos.
A seca tem aumentado o número de casos de subnutrição, nos últimos cinco anos, nas províncias do Cunene, Huíla e Namibe.
O Cunene, a província mais afectada pela seca, entre 2011/2012 passou de um total de 1.357 casos de subnutrição registados, para 9.999, em 2015, segundo dados do relatório de Avaliação das Necessidades Pós-Desastre (PDNA), que analisou a seca em Angola no período entre 2012-2016.
Entre 2014/2015, o relatório indica que a falta de chuvas foi severa e generalizada, sobretudo na primeira fase da estação e prolongou-se até final de Abril de 2015, sendo esta considerada o período mais seco nos últimos 25 anos nas províncias do Cunene e do Namibe e a segunda para a Huíla.
A história (como lhes convém) é sempre a mesma
Em Fevereiro de 2016 as Nações Unidas doaram a Angola 8,2 milhões de dólares para executar um projecto de combate às alterações climáticas na província do… Cunene, que enfrentava há vários anos uma seca severa. Como gestor de um país “pobre”, o Governo do MPLA agradeceu.
A então ministra do Ambiente, Fátima Jardim, e o Coordenador residente das Nações Unidas em Angola, Pier Paolo Balladelli, assinaram o Memorando de execução do Projecto de Resiliência às Alterações Climáticas na Bacia Hidrográfica do Rio Cuvelai.
O projecto, a ser – dizia-se – desenvolvido até 2019, visava ajudar – se as verbas não se perdessem pelo caminho – a reduzir as vulnerabilidades decorrentes de alterações climáticas, que afectam os habitantes naquela zona, através de investimentos direccionados e o desenvolvimento das suas capacidades.
Concretamente, o projecto vai (ou iria) promover a instalação de um sistema de alerta rápido, o reforço da capacidade do serviço de hidro-meteorologia local, que vão (ou iam) monitorizar as condições metrológicas extremas e as alterações climáticas na Bacia do Rio Cuvelai.
Em declarações à imprensa no final da cerimónia, Fátima Jardim disse que o projecto estava (ou está) inserido no Plano de Adaptação de Angola, uma obrigação da Convenção-quadro da ONU para as alterações climáticas.
Fátima Jardim agradeceu às Nações Unidas a rápida resposta ao apelo de Angola, esperando a continuidade de ajudas, sobretudo dos países desenvolvidos, para “contribuições importantes” como esta feita pela ONU para a província do Cunene e o sul de Angola, há vários anos assolados por uma seca severa.
“Apresentamos esse projecto às Nações Unidas, que é um projecto que se enfoca hoje para a província do Cunene, mas que temos a intenção de abrir à parte sul do país, porque é a parte que de uma forma mais adversa e notória sofre riscos climáticos”, referiu a ministra.
A titular da pasta do Ambiente sublinhou a importância de se educar as comunidades no Cunene, onde a desflorestação é “muito agressiva”, para serem corrigidas “algumas práticas incorrectas cometidas até agora”.
Segundo Fátima Jardim, o Plano de Adaptação de Angola está orçado em mais de 10 mil milhões de dólares, e tem inúmeros projectos nas áreas da agricultura, da educação das comunidades, entre outras, que continuarão a ser apresentados à comunidade internacional.
Por sua vez, Pier Paolo Balladelli salientou que o projecto além de trabalhar na mitigação climática vai igualmente diminuir a pobreza.
“Os camponeses que vão ser parte alvo deste projecto sobre a Bacia do Rio Cuvelai vão ter muito mais capacidade de resiliência, porque vão ter mais informações sobre como ele tem que se adequar para ter cultivações mais rentáveis nesse tipo de problemas que temos pela mudança climática”, adiantou.
Pier Paolo Balladelli, igualmente representante em Angola do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), elogiou (não é mentira, elogiou mesmo) a vontade e capacidade de o Governo angolano “trabalhar conjuntamente com os outros países a nível mundial para se adaptar à mudança climática através de projectos-pilotos como este”.
Folha 8 com Lusa
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Samuel