A guerra separatista no antigo Estado nigeriano do Biafra é conhecida como uma das maiores tragédias humanitárias do mundo. As causas do conflito permanecem vivas 50 anos depois do fim da guerra.
A política nigeriana 50 anos após o fim da Guerra do Biafra
Durante a guerra civil na autoproclamada República do Biafra, Uchenna Chikwendu era um adolescente. Hoje, aos 67 anos, o morador de Enugu - cidade que serviu de referência para a crise na época - raramente fala sobre o que testemunhou durante o conflito, que se estendeu de julho de 1967 a janeiro de 1970.
"Tínhamos de correr o tempo todo. Quem tinha um automóvel era obrigado a escondê-lo para que o Exército não o confiscasse. Nós chegávamos no supermercado às três da manhã e ficávamos lá até às cinco. Fazíamos as compras rapidamente, mas tínhamos de ter cuidado e nos proteger no caminho de volta", lembra Chkwendu.
A Nigéria é composta por mais de 250 grupos étnicos. À época, tinha população de mais de 45 milhões de habitantes - composta principalmente pelos povos hauçá e fula no norte, iorubá no sudoeste, e igbo no sudeste. O país tornou-se independente do Reino Unido em 1960, e conflitos internos foram gerados pela supremacia e acesso a recursos naturais.
O país viveu dois golpes de Estado em 1966. Generais leais a Johnson Aguiyi-Ironsi, um líder da etnia igbo, promoveram destituíram o primeiro-ministro Abubakar Tafawa Baleva - um líder do norte do país. Seis meses mais tarde, generais responderam as iniciativas de Aguiyi-Ironsi. Após graves motins étnicos, o governador militar da região sudeste, Chukwuemeka Odumegwu Okukwu declarou o então Estado do Biafra independente em 30 de maio de 1967.
A Nigéria continua dividida
Essa foi a origem de uma guerra cujo número estimado de mortos está entre 500 mil e 3 milhões de pessoas. A professora de Política Comparada da Universidade de Ibadan, Eghosa Osaghae, diz que as questões que levaram ao conflito continuam abertas até hoje. "Como no passado, há o sul e o norte. Os eixos geopolíticos permanecem os mesmos", explica.
Após tantos anos, a identidade e o sentido de pertença são ideias abstratas demais para muitos nigerianos. "Como nigeriano, não sinto que pertenço [ao povo nigeriano] de forma alguma. Não há nada de que se orgulhar. Só estou feliz por ser igbo", explica Chikwendu.
Apesar de não ter um sentimento de unidade, o intercâmbio e a relação entre os grupos étnicos é intensa. Milhões de pessoas no país vivem em áreas diferentes das suas regiões de origem. O intercâmbio entre diferentes grupos étnicos sempre existiu e foi rapidamente retomado após a guerra. A força motriz dessa tendência é o comércio.
Muitos hauçá vivem ao longo da estrada Ogui, em Enugu. O líder (sarki) dessa comunidade é Abubakar Yussuf Sambo, cuja família deslocou-se do estado de Adamawa, no nordeste do país, para Enugu há cem anos. Sambo diz que nunca experimentou ressentimento étnico por ser hauçá. "Eu cresci aqui, andei aqui na escola. Eu tenho mais amigos em Enugu do que em Adamawa."
Luta por recursos
A política nigeriana é sensível. "Uma das razões para a guerra foi a questão do equilíbrio de poder no país. Atualmente, a luta pelo poder se intensificou", explica Osaghae. Segundo a cientista político, a guerra civil continua a moldar as relações dentro da Nigéria, e isso é visível na distribuição dos cargos políticos e nas principais autoridades do país.
No ano passado, o Presidente Muhammadu Buhari foi acusado de favorecer a região norte. Os principais partidos - o Congresso de Todas as Forças Progressistas (APC) e o Partido Democrata Popular (PDP) - preocupam-se ao selecionar seus candidatos presidenciais que representem o norte e o sul, o muçulmanos e cristãos.
Os originários de Biafra criticam o fato de até nunca um presidente igbo ter sido eleito na Nigéria. O sentimento de marginalização fortalece os defensores da independência. O movimento "Povo Independente de Biafra" (Ipob) ainda tem apoiantes, apesar de ter diminuído suas actividades após um tribunal tê-lo declarado "organização terrorista" em setembro de 2017.
A percepção difere da realidade
Segundo o Índice de Desenvolvimento Nacional de 2015, as regiões geopolíticas do sudeste e "sul-sul" [uma nomenclatura oficial de uma região que equivale ao Biafra] têm os índices mais altos de educação, igualdade de género e redução da pobreza. "Muitas pessoas do sudeste não conhecem de todo o norte. Eles pensam que o norte recebe a maior parte dos recursos", destaca Osaghae.
Na política externa nigeriana, a guerra deixou poucos vestígios. A autoproclamada República do Biafra foi reconhecida por poucos países na época – que incluíam Tanzânia, Gabão e Costa do Marfim. O Vaticano também apoiou o movimento, e organizações humanitárias cristãs abasteceram a população atingida.
"O governo americano tentou mediar a diferença do Papa com a Nigéria em janeiro de 1970, mas o antagonismo foi de curta duração", diz Nicholas Omenka, padre católico e professor de história na Universidade Estadual de Abia. Omenka acrescenta que o Vaticano e as organizações católicas tiveram papel importante na reconstrução da Nigéria.
Durante a Guerra Fria, o Reino Unido e a União Soviética apoiaram o lado nigeriano. "A guerra civil possibilitou que a Nigéria pedisse apoio bélico à Rússia e ao Bloco Oriental", lembra Eghosa Osaghae. Essa ligação permanece até hoje.
fonte: DW África
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Samuel