As receitas do petróleo em Angola vão descer para menos de 50% do total da receita fiscal pela primeira vez devido aos preços das matérias-primas e ao impacto da pandemia de Covid-19, refere o Standard Bank. Será suficiente para o MPLA entender, de uma vez por todas, que é preciso fazer o que deveria ter sido feito há décadas? Talvez não. Como habitualmente a ordem será para pedir aos pobres dos países ricos para dar aos ricos dos países, supostamente, pobres.
“Os preços baixos do petróleo e o impacto da pandemia de Covid-19 baixaram a previsão de receita fiscal e pela primeira vez o Governo espera que o rácio das receitas petrolíferas face ao total caia para menos de metade (48,2%), face aos 60,7% de 2019 e aos 64,7% do orçamento original”, lê-se numa análise do departamento de estudos económicos do Standard Bank.
De acordo com o documento, enviado aos clientes, “a despesa total deverá aumentar 17,9% face ao ano passado, mas ainda assim está 8,6% abaixo do previsto no orçamento inicial, com a despesa com salários públicos a representar 29,5% do total”.
No comentário à apresentação da proposta, feita em Luanda na semana passada, o Standard Bank diz que “o Governo espera que a economia se contraia pelo quinto ano consecutivo, assumindo uma queda de 3,6% do Produto Interno Bruto face a uma expansão de 1,8% prevista anteriormente”.
Nos gráficos que acompanham a nota, o Standard Bank revela que espera que 2021 seja um novo ano de crescimento negativo, com uma recessão de 1,1%.
“O ajustamento nas estimativas nominais do PIB resultou, consequentemente, numa deterioração do rácio da dívida pública face ao PIB, que deverá aumentar para 123% este ano, face aos 113% de 2019 e aos 91% em 2018”, acrescenta-se no documento, que alerta para a pressão nesta área.
“O orçamento revisto coloca o serviço da dívida externa nos 4,5 mil milhões de dólares, quando era de 7 mil milhões inicialmente, o que parece incorporar, pelo menos parcialmente, o resultado da adesão à Iniciativa da Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI) e as negociações sobre este tema com a China”, lê-se na nota assinada pelo economista Fáusio Mussa.
Ainda assim, o rácio do serviço da dívida face às receitas deverá aumentar de 112,4% no orçamento inicial para 128,8% na revisão apresentada na semana passada.
A degradação do cenário económico implica também um desequilíbrio orçamental, com o Governo angolano a esperar agora um défice de 4%, que compara com a previsão de excedente de 1,2% do PIB. A balança de pagamentos também deverá oscilar para terreno negativo, descendo de 6,1% em 2019 para -4,2% este ano.
“A expectativa de défices gémeos é em larga parte atribuível ao panorama sombrio esperado no sector petrolífero, com o orçamento assumir um preço de 33 dólares por barril, que compara com os 55 dólares previstos anteriormente”, acrescenta-se no documento.
A proposta do Orçamento Geral do Estado 2020 revisto, apresentado pela equipa económica chefiada pelo ministro de Estado para a Coordenação Económica, Manuel Nunes Júnior, resulta do conjunto das medidas económicas apresentadas, em Abril passado, pelo Governo para fazer face à actual crise económica e financeira agravada pela pandemia provocada pelo novo coronavírus.
“Tendo em conta que um dos efeitos desta crise foi a redução drástica que se verificou no mercado internacional de petróleo, o preço baixou, de maneira considerável, e por conseguinte as receitas do país também baixaram de forma significativa”, disse o ministro na semana passada.
Ao que parece, petróleo e Covid-19 conluiaram-se para tramar a honorabilidade governativa do MPLA e de João Lourenço. E o chato é (por maior que seja o esforço de algumas sucursais do regime, como a ERCA e a Fundação Agostinho Neto) que o Presidente não pode exonerar os preços baixos do petróleo nem o impacto do Coronavírus.
Recorde-se que já em Março a Comissão Económica das Nações Unidas para África (UNECA, na sigla em inglês), num relatório da UNECA sobre o impacto do novo Coronavírus na actividade económica nos países da África central, previa que Angola iria enfrentar uma recessão e 10,9% na actividade económica, resultante de uma quebra de 20% nas receitas petrolíferas, assumindo um preço médio do petróleo de 30 dólares durante o ano, a que se somam uma redução no turismo e nas actividades não petrolíferas.
“A situação na África Central é ainda pior do que no resto do continente porque infelizmente a percepção sobre a evolução económica, bem como a guerra de preços no petróleo, a que se junta uma queda do preço do petróleo de 60 para 30 dólares por barril, está a acontecer num ambiente em que vários países africanos já estão sob apoio do Fundo Monetário Internacional”, disse o director do departamento da UNECA para a África Central, António Pedro.
“Os nossos Estados-membros não terão o dinheiro de que precisam para reagir à pandemia, já que enfrentam um duplo perigo: por um lado são atacados pelo vírus e pelo abrandamento do crescimento económico, e depois não têm dinheiro para responder a um agravamento da situação da pandemia”, acrescentou o responsável.
O relatório “mostra os impactos estimados nos países da África Central em percentagem do Produto Interno Bruto num cenário do petróleo a 30 dólares”, confirmou o responsável por esta região que, na divisão da ONU, engloba Angola, Burundi, Camarões, República Centro-Africana, Chade, República Democrática do Congo, República do Congo, Guiné Equatorial, Gabão, Ruanda e São Tomé e Príncipe.
A UNECA alertava, num relatório sobre o impacto da Covid-19 em África, que o crescimento económico de 3,2% previsto para o continente este ano pode reduzir-se para 1,8% devido ao abrandamento previsto na procura dos principais países importadores de matérias-primas e à redução do preço do petróleo.
“Dos milhares de casos conhecidos, cerca de 350 são em África, mas o impacto económico é desproporcional”, lê-se numa nota de análise divulgada pela UNECA em Adis Abeba, na qual alerta que “o novo Coronavírus pode fazer com que o crescimento esperado desça de 3,2% para 1,8%”.
Na apresentação do relatório sobre o impacto da pandemia no continente africano, a secretária executiva da UNECA, Vera Swonge, disse que o facto de a China estar a ser severamente afectada iria inevitavelmente impactar também o comércio em África.
“África pode perder metade do crescimento do PIB devido a um conjunto de razões, que incluem as perturbações na cadeia de fornecimento global”, disse a responsável, notando que o continente está fortemente ligado à Europa, China e Estados Unidos da América.
O continente, acrescentou, vai precisar de mais de 10 mil milhões de dólares (9,04 mil milhões de euros) em aumentos nos gastos de saúde para conter a propagação do vírus e, por outro lado, para compensar a quebra de receitas que pode levar a uma situação de dívida insustentável.
No relatório, explicava-se que “assumindo uma exportação de barris de petróleo este ano idêntica em volume à da média entre 2016 e 2018, com o preço médio de 35 dólares, a Covid-19 pode fazer as receitas de exploração caírem para 101 mil milhões de dólares [91,36 mil milhões de euros] este ano”, o que representa uma queda de 65 mil milhões de dólares (58,81 mil milhões de euros).
Entre as recomendações apontadas pela UNECA, os peritos salientavam que “os governos africanos devem rever os orçamentos para dar prioridade às medidas que possam mitigar os efeitos negativos esperados do Covid-19 nas suas economias”.
A organização considerava ainda que os governos deviam “dar incentivos aos importadores de alimentos para comprarem rapidamente quantidades suficientes que possam ser armazenadas, financiar a preparação para o impacto, a prevenção e as medidas curativas, incluindo a parte logística”.
Além disso, apontavam os técnicos, os governos africanos devem “aproveitar a crise para melhorar os sistemas de saúde, preparar pacotes de estímulos orçamentais como a garantia de salários àqueles incapazes de trabalhar devido à crise e favorecer o consumo e o investimento e manter os investimentos em infra-estruturas para proteger os empregos”.
Manter o empenho no acordo de livre comércio africano para “construir resiliência continental a longo prazo e gestão de volatilidade”, por exemplo apostando no comércio farmacêutico e de produtos alimentares básicos intra-regionais são outras das recomendações dos peritos da UNECA.
Folha 8 com Lusa
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Samuel