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quarta-feira, 15 de setembro de 2021

GUINÉ-CONACRI: De golpe em golpe, militar ou não.

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A junta militar que tomou o poder na Guiné-Conacri anunciou hoje a intenção de reabrir esta quarta-feira as fronteiras terrestres com os países vizinhos, algumas das quais estão fechadas desde o golpe de Estado e outras há meses.

A junta começou igualmente por encerrar o espaço aéreo na sequência do golpe que derrubou o Presidente Alpha Condé em 5 de Setembro último, mas reabriu-o rapidamente.

Os militares pediram uma “avaliação de segurança e saúde com vista à abertura gradual das fronteiras terrestres”, começando pela da Serra Leoa até 15 de Setembro, segunda uma declaração lida na televisão estatal, pela primeira vez sem ser por um oficial fardado, mas por uma mulher com um vestido colorido.

A fronteira com a Libéria deverá reabrir no dia 16, Costa do Marfim no dia 17, Mali no dia 18, Guiné-Bissau no dia 20 e Senegal no dia 24.

Alpha Condé tinha fechado as fronteiras terrestres com a Guiné-Bissau, Senegal e Serra Leoa, oficialmente por razões de segurança, antes das eleições presidenciais de 18 de Outubro, que decorreram num contexto de forte contestação à sua candidatura a um terceiro mandato.

Esse encerramento foi causa de tensões diplomáticas, dada a importância dos intercâmbios económicos e humanos na região.

Desde que tomou o poder, a junta militar tem-se desdobrado em gestos de boa vontade dirigidos a parceiros locais e investidores estrangeiros.

Hoje iniciou uma série de reuniões, prevista para se estender por quatro dias, sobre o futuro da nação da África Ocidental, e das quais se espera que resulte a fixação de um calendário para novas eleições.

As preocupações sobre a rapidez com que a junta liderada pelo Coronel Mamady Doumbouya estará disposta a ceder o poder a um governo de transição liderado por civis, tal como solicitado pelos mediadores regionais e pela comunidade internacional, avolumam-se.

O golpe de Estado foi recebido com cautelas por opositores de longa data de Condé, incluindo a figura da oposição mais proeminente da Guiné, Cellou Dalein Diallo, batido pelo líder deposto nas últimas três eleições presidenciais.

A forte contestação a Condé em todo o processo que o levou a disputar um terceiro mandato no ano passado, inicialmente excluído pela Constituição do país, levou a violentas manifestações de rua, e depois a festejos na capital, Conacri, quando os militares tomaram o poder. Esse apoio poderá depender dos acordos que forem alcançados nas reuniões desta semana.

Entre os participantes estão líderes da indústria mineira com interesses da Guiné-Conacri, que o líder da junta procurou tranquilizar, numa tentativa de impedir a desestabilização das exportações críticas de bauxite e ouro, que sustentam a economia do país.

Hoje a junta reuniu-se com o partido de Diallo, da União das Forças Democráticas da Guiné, e com outros opositores de Condé, e recebeu no Palácio do Povo em Conacri os líderes religiosos.

No final de uma visita a Conacri, segunda-feira, o chefe do Gabinete das Nações Unidas para a África Ocidental e o Sahel, Annadif Khatir Mahamat Saleh, afirmou ter “muita esperança” nas reuniões desta semana.

“Porque o que quer que a comunidade internacional diga ou faça, o destino da Guiné é o que os próprios guineenses irão decidir”, acrescentou o diplomata.

O tradicional cenário dos golpes de Estado na África está a cair em desuso. Em vez da reacção dos militares, seguida pela prisão dos governantes, é cada vez mais comum a mudança constitucional que estende o número de mandatos. É uma outra forma de golpe. No entanto, os militares parecem querer regressar aos velhos métodos.

Com um número cada vez mais flexível de períodos no poder, os “golpistas” satisfazem a hipocrisia internacional e até falam de democracia e de eleições. Paralelamente iniciam a sistemática perseguição à oposição, manipulam resultados eleitorais, fazem da fraude o seu novo exército.

A consequência é o enfraquecimento da governança dos países do continente, argumentam pesquisadores como Candace Cook e Joseph Siegle, do Africa Center for Strategic Studies, em Washington (EUA).

Determinar um número de mandatos foi a saída encontrada pela maioria dos países que buscavam aprimoramento institucional, em reformas iniciadas nos anos 1990 que, dessa forma, permitiam às potências internacionais, políticas e económicas (caso dos EUA e Europa, bem como do Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial), dormir descansadas e continuar o seu maquiavélico programa de explorar as riquezas africanas… com o apoio e cobertura de dirigentes africanos.

De uma forma geral todos os líderes africanos aceitam limites de mandatos e a institucionalização da democracia. Apenas impõem uma condição “sine qua non”: Pode haver eleições livres, democráticas e fiscalizadas desde que eles (ou os seus partidos) continuem a ser quem manda.

O especialista John Campbell, do CFR (Council of Foreign Relations) lembra um comentário de Umaro Sissoco Embaló, presidente da lusófona Guiné-Bissau, numa reunião da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental). Embaló disse que a comunidade internacional criticou na altura o golpe no Mali, mas ignorou as manobras constitucionais dos seus colegas da Costa do Marfim, Ouattara, e da Guiné-Conacri, o agora destituído Alpha Condé, para garantir o terceiro mandato.

“Também são golpes de Estado”, afirmou. A asserção foi recebida com silêncio e um sorriso pelo nigeriano Mohammad Buhari, segundo a Jeune Afrique, publicação especializada na cobertura da África francófona.

Os pesquisadores também observaram que há maior adesão às regras no número de mandatos em países do sul e do oeste africanos. Já presidentes no norte, no Corno de África, e na região central do continente respeitaram as normas com menor frequência.

Além das rupturas constitucionais, há casos de nações que convivem por décadas com o mesmo presidente ou seus parentes. É o caso do Gabão e do Togo, sob as “dinastias” Bongo e Gnassingbé, respectivamente. Na Guiné Equatorial ou em Angola.

Nos últimos anos, 13 líderes africanos aumentaram o número de mandatos, removeram limitações quanto ao tempo no cargo ou tentaram passar por cima da regra existente. Num deles, o Benin, um referendo em 2017 manteve a norma anterior de dois mandatos.

Patrice Talon, presidente do Benin, submeteu a referendo uma proposta de apenas um mandato de seis anos, que foi rejeitada em 2017. Conduzido no cargo no ano anterior durante uma transição tranquila, Talon pode em tese concorrer à reeleição em 2021.

Outros três aceitaram a regra do jogo e deixaram o poder. Entre eles estão Hifikepunye Pohamba, que ocupou a Presidência da Namíbia entre 2005 e 2015, Ellen Johnson Sirleaf, presidente da Libéria de 2006 a 2018, e Mohammed Ould Abdelaziz, da Mauritânia, no cargo entre 2009 e 2019.

Nos três casos, foi a primeira vez que a liderança deixou o poder de forma pacífica ao final do período previsto. No total, são 21 os países que têm mantido as garantias de que haverá alternância no comando. Entre eles, também o Senegal e Ilhas Seychelles.

Também há casos de nações que criaram dispositivos de transição presidencial mediante consulta à população, por meio de referendo constitucional. República Centro-Africana e Burkina Faso, dois dos países mais pobres e violentos do mundo.

Folha 8 com “A Referência”

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Samuel

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