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terça-feira, 27 de novembro de 2012

Lucrécia Paim ‘deu à luz’ a mais de 25 mil crianças no primeiro semestre de 2012.

NO BALUR I STA NA NO KUNCIMENTI, PA KILA, NO BALURIZA KUNCIMENTI!...


O que é que significa gerir a principal maternidade do país, quando a taxa de natalidade e de mortalidade em Angola ainda é alarmante?  
Gostaria de agradecer a oportunidade que me oferecerem para falar da  nossa casa comum, que é a maternidade. Gerir a Maternidade Lucrécia Paim não diria que seja difícil, talvez complexo. O que requer ter uma equipa coesa e que saiba compreender a missão que nos mantém neste lugar, que é o hospital. E com uma equipa dessa as coisas tornam-se mais fáceis e a complexidade maleável.
A Maternidade Lucrécia Paim apresenta hoje um edifício vistoso, essa imagem exterior condiz com o atendimento. Ou o serviço prestado?
O atendimento da Maternidade podemos caracteriza-lo hoje como sendo de ascendente no sentido positivo, porque temos de entender o atendimento como um processo de formação do ser humano. Nós tivemos um passado de guerra, que destruiu também muitos valores.
Mas a sociedade tem de recuperar, ultrapassar esses problemas. Os trabalhadores da Maternidade não estão isentos das dificuldades que a sociedade atravessou. No entanto, para contrapor essa situação temos proporcionado formação selectiva, com vista a melhorar o  comportamento. Só com um comportamento melhorado é que podemos dar um tratamento digno aos nossos pacientes. A Maternidade tem melhorado dia após dia. É claro que não nos sentimos ainda satisfeitos com a qualidade do serviço prestado ou o atendimento. Não nos agrada ainda a maneira como alguns dos nossos colegas atendem os pacientes, mas esperamos que consigamos de uma vez por todas dar o salto que a sociedade espera de nós. E as mudanças que o país está a registar contribuiram igualmente para melhorarmos o nosso trabalho, mas estamos ainda longe, muito longe mesmo de um atendimento ideal.
Recebe muitas queixas no gabinete sobre o atendimento?
Há cinco anos, nós, implementámos um gabinete do utente, um meio de interacção  com a direcção da maternidade. E em função disso, temos tido muitas queixas, algumas delas são resolvidas via verbal, outras por escrito. O gabinete está subordinado ao meu, e temos inclusive feito chamadas para as pessoas que deixam os respectivos contactos.
No entanto, muitos dos terminais telefónicos são falsos, logo não conseguimos responder às preocupações levantadas. Mas temos igualmente abordado os utentes para que compreendam certos procedimentos de funcionamento da maternidade, para que não julguem que se trata apenas da violação dos seus direitos.
Uma das questões que mais recebemos tem a ver com a zona da hemoterápia, onde os utentes acham que não devem dar sangue, mesmo que os seus familiares entram com uma patologia de muito risco e que significa às vezes uma transfusão de sangue. Os utentes consideram uma agressão dos seus direitos quando lhes é solicitado que dêem sangue. E nós tentamos esclarecer que se trata de garantirmos que o hospital não fique sem sangue.
É uma condição sine qua non?
Sim, é uma condição sem a qual não podemos realizar a transfusão de sangue. Faz parte do regulamento interno da maternidade, sempre que há um paciente com risco de sangrar. E outras reclamações são públicas. E sempre que há uma reclamação bem posta, temos a preocupação de dar respostas. Temos tido ainda preocupação de transmitir as situações levantadas pelos nossos utentes em palestras, dirigidas aos nossos colegas, sobre o atendimento.
Portanto, denunciar as irregularidade nós achamos ser a via mais rápida para darmos soluções às  preocupações dos utentes. Nós estamos abertos. Há uma situação que às vezes não é confortável, quando tentamos estabelecer um princípio de acareação entre os que fazem a denúncia e os que são acusados, muitas vezes os queixosos não conseguem sustentar a situação que levantam. Refutam as acusações.
Não será um meio de evitar represália?
O funcionário da maternidade ou da saúde não deve esquecer que a nossa missão é proteger a vida humana. Se pensarmos em represálias não estaríamos a ajudar a sociedade tão pouco a instituição que servimos.
É preciso termos coragem de enfrentar os que não procedem como orientam as normas.
Quando se entra para o hospital, a primeira imagem é de muitas pessoas deitadas ao chão no quintal da maternidade. Significa o quê? Falta de confiança nos serviços da maternidade?
É um assunto que é discutido há muitos anos. E deixe-me dizer-lhe  que o aspecto do material gastável, que era uma das desculpas para a presença das pessoas no quintal, hoje já não se coloca. Fizemos em tempos um estudo interno e encontrámos várias razões. É a demanda da própria maternidade. E outras prendem-se com os fenómenos culturais. Em África, nascer um filho suscita a reunião da família paterna e materna. E por uma criança somos capazes de ter quatro a oito pessoas no quintal. Falei da demanda, a maternidade tem uma média de 80 partos por dia. Além das pessoas que ficam internadas.  Outras das razões prendia-se com a informação das pessoas em relação aos seus pacientes. Temos no hospital uma empresa especializada que vai dando informações, nos três períodos da manhã, à tarde e à noite. E nos intervalos dos períodos. Portanto, as pessoas têm minimamente informações suficientes para não se manterem no quintal da maternidade. Acho no entanto que é um fenómeno que os sociólogos, psicólogos e outros técnicos precisam de estudar de maneira aprofundada. É uma situação transversal a todos os hospitais.
Mas no Hospital Militar ninguém dorme no quintal. Já repararam? E sabem explicar a razão de não existir pessoas a dormir no quintal do Hospital Militar? São perguntas a que não conseguimos dar respostas. Portanto, há aqui fenómenos que precisamos esclarecer. Porque os factores que estariam na base da contínua presença das pessoas como os medicamentos, a desconfiança e outros, já não têm hoje razão de ser.
Precisamos de um estudo profundo para entendermos este fenómeno de maneira correcta.
Tem-se a ideia de que só vem à Maternidade Lucrécia Paim pessoas com poucos recursos financeiros.
Outros preferem as clínicas...
Não afirmaria tanto. Para nós que vivemos o quotidiano da maternidade, temos visto que de facto muitas dessas pessoas a que se referiu fazem consultas nas clínicas, mas na hora do parto buscam os nossos serviços.
Recebemos quase sempre pacientes que querem fazer o parto na nossa maternidade mas não constam das estatísticas do hospital.
Senhor director, quais são as condições à disposição das parturientes? Sei que três partilham quase sempre uma cama.
A explicação é simples. Nós somos um país em desenvolvimento e a taxa de fecundidade é alta. É a razão que faz com que em cada cama haja três a quatro mulheres. Funcionamos com pediatria numa ordem de 216 camas, porque algumas salas estão fechadas para reabilitação, e está disponível somente esse número de camas. Das 216 camas,  53 camas são para adultos, pessoas que ficam internadas. Se eu tiver uma média de oitenta partos por dia, descontando uma sala de pré-parto, veremos que temos uma superlotação.  É difícil nestas situações termos uma paciente por cama. Temos ainda, por exemplo, uma média de 25 cesarianas por dia, uma sala de internamento com capacidade apenas para  52 camas, se atendermos que o tempo mínimo para cesarianas são três dias, então temos por média 75 pacientes em cada três dias. Logo, há uma superlotação que nos impede de termos uma cama para cada paciente. Portanto, a própria demanda nos obriga a termos duas pessoas em cada cama.
A demanda registada na Lucrécia Paim é resultado de um serviço de menos qualidade nas outras cidades de Luanda?
Não digo fraca qualidade ou qualidade inferior nas outras unidades.
Porque há um know-how paralelo com outras maternidades, mesmo a nível de equipamentos. Pelo contrário, há inclusive melhores equipamentos nessas unidades acabadas de inaugurar e que começaram a funcionar agora. Tenho inclusive um certo ciúme sobre as condições de sala de parto que esses hospitais oferecem. São modernos, tecnologicamente estão muito bem equipados. Talvez o problema resida no deficit de recursos humanos. E sem recursos humanos à altura da demanda, não se consegue dar respostas às necessidades. Nós temos a felicidade de funcionarmos também como um hospital de formação, o que nos permite ter mais pessoas  para acudir às necessidades. Por outro lado, esses hospitais que acabei de citar têm o problema dos blocos operatórios funcionarem apenas em determinados períodos, como Viana, Samba, Cazenga e Ramiro.
Aliás, este não tem bloco operatório sequer. Os Cajueiros não têm recursos humanos para os blocos operatórios e todas as pessoas com necessidade de fazer cesariana no período da noite acorrem à Lucrécia Paim. Portanto, temos de entender que temos uma demanda muito acima das possibilidades do hospital.
E não é sazonal, é constante. E todos os indicadores nos dizem que neste período do ano temos uma média de 50 a 60 partos diários, mas este ano temos um índice superior aos outros anos, por essas razões que acabei de referir. Temos, por outro lado, de incentivar os partos institucionais, aliás, é uma política do Executivo. Retirarmos os partos dos lares domiciliares, com vista a reduzirmos a taxa de mortalidade materna.  São vários fenómenos que concorrem para esta situação que se verifica na nossa unidade hospitalar. A cidade de Luanda está dividia em hospitais de referência. Ou seja, toda parte do Quicolo, Cacuaco, Ilha, Cazenga, estão direcionados para a maternidade Augusto Ngangula, e a Lucrécia Paim atende toda zona Sul de Luanda, da Samba até Catete. Recebemos inclusive pacientes do Kwanza Sul, Porto Amboim e Dondo. É uma grande população que a Lucrécia Paim tem de atender. E graças à presença de alguns expatriados, como cubanos,  temos podido responder a essa demanda. E ainda assim, não é suficiente, pelo que há necessidade de se aumentar o número de expatriados, embora fique oneroso.
Há muitas crianças a nascerem com lesões, sobretudo aquelas que nascem acima dos quatro quilos e de parto natural. Qual é a razão dessa situação?
Sim, já tivemos diversas situações dessas, e muitas mães a reclamarem.
E gostaria de informar que dentro da obstetrícia há um capítulo que fala do trauma obstetra. Portanto, pode acontecer com bebés com quatro quilos ou dois quilos e meio. É um fenómeno que existe, não apenas em Angola mas em qualquer parte do mundo. Temos estado a trabalhar para reduzir este fenómeno.
É resultado da inexperiência de algumas parteiras?
Não diria isso, porque mesmo um grande obstetra faz trauma obstetra.
Depende muitas vezes da posição do bebé  e de outras situações.
O acompanhamento que se faz à paciente durante o parto, com ecografias e outros exames, não permite ao médico orientar-se na altura devida?
Não, porque não nos podemos esquecer que o bebé não é estático. Ele movimenta-se. Apesar de termos a nossa famosa bíblia, que são as Manobras de Leopoldo, que nos orienta para a posição dos bebés, é, ainda assim, complicado fazer um parto. E mesmo com cesariana acontecem os traumas obstretas.
Tem-se a ideia de que as cesarianas resolvem a questão dos partos mais complicados como sendo dos bebés acima do peso normal
A cesariana é um recurso, não é necessariamente um caminho que devemos adoptar a qualquer momento. Depende do que estiver em causa na altura do parto. É um recurso para quando temos um conflito entre o bebé e a pélvica da mãe, aí decidimos fazer a cesariana. Não podemos fazer da cesariana uma solução espontânea para todo nacro-feto. De outro modo, teríamos um elevado índice de cesarianas. E a cesariana não é a solução para as lesões. E pode ocorrer com os colegas mais experimentados aos menos, e logo que é detectado o trauma, os bebés são encaminhados para os colegas especialistas, de modo a procederem à reabilitação.
Com essa demanda, é impossível termos pais a acompanhar o nascimento dos seus filhos...
(risos) É impossível. Como lhe disse, temos uma sala de parto que acolhe entre 40 a 60 pacientes, logo não temos como receber 120 pessoas numa sala, devido ao pudor feminino.
São realidades de outros países.
Vontade de implementar o que vemos nas outras realidades não nos falta, mas temos de olhar para a nossa realidade. Faz parte do aspecto da humanização que gostaríamos de ter nos nossos hospitais. Mas apenas se tivéssemos outra realidade quanto ao número de partos, sobretudo na maternidade. Devem aumentar os partos nas instituições, mas reduzir na maternidade. A partir dessa altura, podemos ter o aspecto a que se referiu. Podíamos então convidar um dos parentes para acompanhar o nascimento do seu familiar, que podia ser do sexo feminino, e não apenas os pais. Deixe-me dizer-lhe também que alguns pais não conseguem assistir aos partos dos seus filhos, devido às emoções. Já vi alguns pais a desmaiar. Ou seja, fizeram um papel que não é o do marido.
Qual é a sua experiência, a presença dos pais ajuda ou prejudica a mulher a ter o bebé?
 Depende, varia de caso para caso.
Às vezes a presença do marido ajuda, noutros casos atrapalha. Esse acompanhamento do marido deve ser treinado durante o pré-Natal.
Temos de explicar o que é o parto, quais são as transformações que podem ocorrer no órgão feminino.
Há por exemplo situações em que as mulheres chegam com dores, e as pessoas querem logo que elas entrem para a sala de parto. Esquecem que são contracções normais, que permitem que o parto evolua. É por essa razão que devemos treinar os pais, de modo a encararem com naturalidade o nascimentos dos seus filhos. É preciso que eles entendam o fenómeno para não interferirem na hora do parto.
Quantos médicos tem a Maternidade?
Nós temos 35 especialistas, 28 internos. Que são de vários hospitais, deixem-me dizer-lhe que somos uma extensão também do hospital da Endiama, Girassol, Forças Armadas, Ministério do Interior, e algumas universidades. Porque somos também um hospitalescola. Os internos são os que estão a fazer especialização, e são de vários hospitais e instituições. Dentro desse grupo temos alguns colaboradores, que são das Forças Armadas e da Sonangol. São os que temos para atender à demanda que  assistimos todos os dias na maternidade.
Oitenta partos por dia?
Sim, mas não apenas ajudam a fazer os partos como também as consultas. Fizemos até ao primeiro semestre deste ano, por exemplo, três mil e 500 consultas, só de ginecologia. E em 2010, fizemos seis mil 217 consultas, e são estes colegas que fazem estas consultas. Em termos de partos, em 2010 fizemos 30 mil 275 partos. E já no primeiro semestre deste ano, fizemos 21 mil partos, dos quais 11 mil não normais.
Fizemos já dois mil e 87 cesarianas até ao primeiro semestre. Tenho a ideia que chegaremos pelo menos a quatro mil cesarianas, em virtude da média diária que o hospital regista.
E devido às transferências, pacientes de outras unidades hospitalares que chegam prontas para cesarianas. E é importante que as crianças nasçam com saúde, de modo a termos uma população inteligente.  Um bebé que nasce com dois Apegar, que é o índice das condições nas quais as crianças nascem, elas até podem viver, mas nascem já com o sofrimento fetal, e o sofrimento fetal está relacionado com o sistema nervoso.
E quanto mais baixo é,  mais afectado é o índice do sistema nervoso.
Estes neurónios não se recuperam, portanto, comparando com as outras crianças, ela terá mais dificuldades de assimilar as coisas. Portanto, a estratégia de trazer os nascimentos para as instituições é importante, não só temos de pensar na mãe, mas também nas crianças. Há ainda muitos partos nas comunidades. E as crianças nascem em condições não apropriadas. Temos de pensar no futuro do país. Se  as crianças nascem saudáveis, nós também teremos um país melhor e pessoas  inteligentes.
Quais são os números da mortalidade materna?
Temos hoje uma média de 83 por cada mil crianças nascidas. É uma taxa decrescente, se tivermos em conta os números que se registavam nos anos 2004 e 2005. Nesta altura, andamos  com uma taxa que nos anima e transmite de facto estar a haver um trabalho para se dar as condições de saúde necessárias às pessoas.
Qual é a remuneração dos funcionários de base?
Deixe-me dizer-lhe que a remuneração que nós auferimos, comparando com a região em que está inserido o nosso país, é das melhores. Quando entrei na função pública em 1991, ganhava 50 dólares.
E foi aumentando exponencialmente. Acredito que o fenómeno salarial é mundial. O dinheiro nunca chega para ninguém. E nunca chegará para satisfazer em pleno as necessidades.
O ser humano é um consumista por natureza. Quanto mais tem, mais quer. Acho que o governo tem acompanhado o quadro, fazendo correções quando é necessário.
Sente que os seus funcionários trabalham motivados?
O ser humano nunca está contente com o que recebe. Tivemos há dias actualização salarial em toda carreira de enfermagem. Foi em virtude de se compreender que esses mereciam um melhor tratamento a nível dos seus ordenados. E graças a um debate entre o sindicato e o governo chegou-se à conclusão de que era necessário actualizar-se os salários. Este momento, quem está na carreira de enfermagem tem uma remuneração compatível com as exigências actuais.
Os congressos e as jornadas científicas que a Maternidade Lucrécia Paim realiza, que reflexo têm para a vida da unidade hospitalar?
Quanto ao congresso, é o primeiro que fazemos, depois de seis jornadas científicas. Achávamos que precisávamos de estar preparados para um congresso, que significa maior responsabilidade. Depois de seis jornadas, decidimos então este ano arrancar com o primeiro congresso, convidando especialistas de todas as classes, e de outros países, para com eles partilharemos experiência. Este congresso teve ainda como objectivo incentivar o espírito de investigação, para que as pessoas entendam que uma maternidade como esta não funciona apenas com os médicos mas com todos outros técnicos. Este congresso diferiu dos outros precisamente por essa razão. Buscamos com este congresso envolver todos outros sectores que contribuem para melhorar a saúde humana, por essa razão, tivemos não apenas o Ministério da Saúde, como também os da Energia e Águas e Promoção da Mulher.  Teve um aspecto fundamental, homenagear um médico que se destacou na classe, o Dr. Vieira Lopes, que como sabe, é falecido. É uma pessoa que merece todo o nosso respeito. Esteve presente a família.

Por: Teixeira Cândido
fonte: OPAIS.NET


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