De acordo com o órgão oficial do MPLA, Jornal de Angola (JA), a cidade de Menongue, província do Cuando Cubango, acolhe o acto central das festividades do 99º aniversário do nascimento do primeiro Presidente de Angola, António Agostinho Neto e o 42º da sua morte, ocorrida a 10 de Setembro de 1979, em Moscovo, antiga União das Repúblicas Socialista Soviética (URSS). O Folha 8 “junta-se” à homenagem…
Por Orlando Castro
Continuemos a citar a correia de transmissão do MPLA, JA: «O Governo provincial realiza, de 12 a 16 deste mês, a Semana Agrícola, sob o lema “Agricultura é a base e a indústria o factor decisivo”, com o propósito de impulsionar a produção de bens do campo em grande escala.
O anúncio foi feito, ontem, na cidade de Menongue, pelo governador do Cuando Cubango, Júlio Bessa, na abertura da jornada comemorativa do 17 de Setembro, Dia do Herói Nacional.
Júlio Bessa disse que o Cuando Cubango pretende homenagear a memória de Agostinho Neto, inserindo no programa da jornada comemorativa do 17 de Setembro a Semana Agrícola, que vai contar com o envolvimento directo do ministro da Agricultura, António Assis.
A semana terá como ponto mais alto a entrega oficial da Fazenda Agro-industrial do Longa aos novos proprietários, resultante de um concurso internacional que o Executivo realizou, no quadro do processo de privatização.
A fazenda, que custou ao Estado 76 milhões de dólares, está paralisada há três anos sem produzir arroz em grande escala, como estava previsto, resultando na perda de muitos postos de trabalho que agora poderão ser repostos progressivamente.
Estão previstas visitas aos pólos agrícolas nos municípios do Cuíto Cuanavale, Cuchi e Menongue, assim como a entrega de sementes, fertilizantes e outros instrumentos de trabalho às associações de camponeses.
No quadro da jornada, o ministro da Agricultura, António Assis, vai proceder, no dia 16, à abertura oficial da venda do peixe tilápia e dos demais produtos do centro de larvicultura do Missombo, com realce para os alevinos e ração.
O governador Júlio Bessa informou que o acto central do 17 de Setembro será também preenchido com inaugurações de diversas infra-estruturais sociais, o lançamento da empreitada de construção do sistema de abastecimento de água aos bairros de Menongue e uma feira de artefactos de madeira produzidos por profissionais locais, com recursos florestais explorados nas matas do Cuando Cubango.
Segundo o programa a que o Jornal de Angola teve acesso, está previsto, ainda, o lançamento da primeira pedra para a construção de um centro de saúde tipo-2, na aldeia do Dumbo, a 45 quilómetros da cidade de Menongue, encontro com jovens fazedores da cultura, artes e desporto, bem como uma abordagem da situação do clube de futebol Cuando Cubango FC.
Júlio Bessa disse que todas as condições estão a ser criadas para que a Semana Agrícola e o acto central do 17 de Setembro possam decorrer sem qualquer sobressalto.
Recordou que Agostinho Neto foi uma figura com um percurso político, profissional e humano cheio de lutas, sacrifícios e glórias que foram determinantes para a conquista da Independência, a 11 de Novembro de 1975.
Acrescentou que a vida e obra de Neto se confunde com a História recente de Angola, cujo legado “está presente na vida das gerações actuais e o mesmo continuará a influenciar positivamente as gerações vindouras”.
“O pensamento político de Neto, as suas teses e slogans continuam a guiar-nos até hoje. Frases como “A agricultura é a base e a indústria o factor decisivo” e “O mais importante é resolver os problemas do povo” demonstram bem a dimensão e a visão de um líder preocupado com as questões da sua população, para acabar com a fome e promover o desenvolvimento do país”, concluiu.»
Folha 8 “junta-se” à homenagem a Agostinho Neto
A “pedido” (isto é como quem diz!) do Bureau Político, da ERCA, da Fundação Agostinho Neto e de todas as incomensuráveis sucursais do MPLA, o Folha 8 associa-se à efeméride de 17 de Setembro em honra do herói mundial (e arredores), o angolano António Agostinho Neto.
O Dia do Herói Mundial (que substituirá o Dia do Herói Nacional, designação muito pequena para a amplitude do protagonista) é uma comemoração partidária transformada, por força da ditadura, em nacional angolana e agora em mundial, em memória do nosso maior genocida, do nosso maior assassino, do nosso maior criminoso, António Agostinho Neto.
Estávamos a 17 de Setembro de 2016. O então ministro da Defesa de Angola e vice-presidente do MPLA, João Lourenço (alguém sabe quem é?), denunciou tentativas de “denegrir” a imagem de Agostinho Neto, primeiro Presidente angolano.
João Lourenço discursava em Mbanza Congo, província do Zaire, ao presidir ao acto solene das comemorações do dia do Herói Nacional, feriado alusivo precisamente ao nascimento do Agostinho Neto.
“A grandeza e a dimensão da figura de Agostinho Neto é de tal ordem gigante que, ao longo dos anos, todas as tentativas de denegrir a sua pessoa, a sua personalidade e obra realizada como líder político, poeta, estadista e humanista, falharam pura e simplesmente porque os factos estão aí para confirmar quão grande ele foi”, afirmou o general João Lourenço, hoje presidente do MPLA, da República (do MPLA) e Titular do Poder Executivo (do MPLA), certamente já perspectivando em guindá-lo a figura de nível mundial que possa ombrear (à sua escala) com Adolf Hitler, Joseph Stalin, Pol Pot, Mao Tse-Tung, Kim Jong-il (entre muitos outros).
João Lourenço nunca se referiu ao caso na sua intervenção, mas o Bureau Político do MPLA criticou em Julho de 2016, duramente, o lançamento em Portugal de um livro (mais um) sobre o MPLA e o primeiro Presidente Agostinho Neto, queixando-se então de uma nova “campanha de desinformação”.
Em causa estava (continua a estar, estará sempre) o livro “Agostinho Neto – O Perfil de um Ditador – A História do MPLA em Carne Viva”, do historiador luso-angolano Carlos Pacheco, lançado em Lisboa a 5 de Julho de 2016, visado no comunicado daquele órgão do Comité Central do partido no poder em Angola desde 1975.
“A República de Angola está a ser vítima, mais uma vez, de uma campanha de desinformação, na qual são visadas, de forma repugnante, figuras muito importantes da Luta de Libertação Nacional, particularmente o saudoso camarada Presidente Agostinho Neto”, afirmou o Bureau Político.
Na intervenção em Mbanza Congo, João Lourenço, que falava em representação do seu então querido, carismático e divino chefe, o “escolhido de Deus” e chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, sublinhou que Agostinho Neto “será sempre recordado como lutador pela liberdade dos povos” e um “humanista profundo”.
“Como atestam as populações mais carenciadas de Cabo Verde, a quem Agostinho Neto tratou gratuitamente, mesmo estando ele nas condições de preso politico. É assim como será sempre lembrado, por muitas que sejam as tentativas de denegrir”, afirmou – sabendo que estava a mentir e a ser conivente com um dos mais hediondos crimes cometidos em África – o então ministro da Defesa e hoje Presidente da República.
“Em contrapartida”, disse ainda João Lourenço, os “seus detractores não terão nunca uma única linha escrita na História, porque mergulhados nos seus recalcamentos e frustrações, não deixarão obra feita digna de respeito e admiração”.
“Não terão por isso honras de seus povos e muito menos de outros povos e nações. A História encarregar-se-á de simplesmente ignorá-los, concentremos por isso nossas energias na edificação do nosso belo país”, disse João Lourenço.
Sabendo o que dizia mas não dizendo o que sabe, João Lourenço alinhava (e alinha), “mergulhado nos seus recalcamentos e frustrações”, na lavagem da imagem de Agostinho Neto numa altura em que, como sabe o regime, os angolanos começam cada vez mais a pensar com a cabeça e não tanto com a barriga… vazia.
Terá João Lourenço alguma coisa, séria, honesta e reconciliadora a dizer aos angolanos sobre os acontecimentos ocorridos no dia 27 de Maio de 1977 e nos anos que se seguiram, quando milhares e milhares de angolanos foram assassinados por ordem de Agostinho Neto?
Agostinho Neto, então Presidente da República, deu o tiro de partida na corrida do terror, ao dispensar o poder judicial, em claro desrespeito pela Constituição que jurara e garantia aos arguidos o direito à defesa. Fê-lo ao declarar, perante as câmaras da televisão, que não iriam perder tempo com julgamentos. Tal procedimento nem era uma novidade, pois, na história do MPLA tornara-se usual mandar matar os que se apontavam como “fraccionistas”.
O que terá a dizer sobre isto o agora Presidente da República, general João Lourenço?
Agostinho Neto deixou a Angola (mesmo que o MPLA utilize toda a lixívia do mundo) o legado da máxima centralização de um poder incapaz de dialogar e de construir consensos, assim como de uma corrupção endémica. E os portugueses que nasceram e viveram em Angola, ainda hoje recordam o papel que teve na sua expulsão do país. Antes da independência declarava que os brancos que viviam em Angola há três gerações eram os “inimigos mais perigosos”.
Em 1974, duvidava que os portugueses pudessem continuar em Angola. Em vésperas da independência convidava-os a sair do país. E já depois da independência, por altura da morte a tiro do embaixador de um país de Leste, cuja viatura não parara quando se procedia ao hastear da bandeira do MPLA, dirigiu-se, pela televisão, aos camaradas, para lhes dizer que era preciso cuidado, pois nem todos os brancos eram portugueses.
Em Maio de 1977, não houve pioneirismo, pelo contrário, não tendo Agostinho Neto conseguido massacrar a humilhação passada no Congresso de Lusaka, o primeiro democrático do MPLA, onde o eleito foi Daniel Júlio Chipenda, Agostinho Neto consumou a grande chacina, para estancar, com o temor, uma série de cisões e problemas que calcorreavam incubados, desde a sua chegada ao MPLA, convidado pela anterior direcção.
Esta prova de força serviu para demonstrar que se o poder fosse posto em causa, a direcção e Agostinho Neto, não teriam pejo de sacrificar com a própria vida todos quantos intelectualmente o afrontassem. Foi assim ontem, é assim hoje, infelizmente, como bem sabe João Lourenço.
Numa só palavra, quando este MPLA sente o poder ameaçado, não hesita: humilha, assassina, destrói, elimina, atira aos jacarés.
É a sua natureza perversa demonstrando não estar o MPLA preparado para perder o poder e, em democracia, com a força do voto se isso vier a acontecer, a opção pela guerra será o recurso mais natural deste partido, não é general João Lourenço?
Em todos os meses do ano nunca devemos esquecer, por força do sofrimento de milhares e dos assassinatos de igual número, das prisões arbitrárias, da Comissão de Lágrimas, da Comissão de Inquérito, dos fuzilamentos indiscriminados, etc..
Muitos acreditaram, em 1979, que com a ascensão de Eduardo dos Santos ao poder, num eventual reencontro com a verdade e com a reconciliação interna, sobre a alegada intentona, que ele próprio sabe nunca ter existido. Infelizmente, não se conseguiu despir da cobardia e cumplicidade, ostentada desde o tempo de Agostinho Neto e da sua clique: Lúcio Lara, Onambwé, Iko Carreira, Costa Andrade “Ndunduma”, Artur Pestana “Pepetela”, entre outros.
Dos Santos mostrou ser um homem que, pelo poder, foi capaz de tudo: violar a Constituição, as leis, humilhar, desonrar e assassinar, todos quantos não o bajulavam. Exemplos para quê, eles estão à mão de semear… nas cadeias, no exílio, nos cemitérios, no estômago dos jacarés. E João Lourenço está a mostrar-se um bom aluno desta cátedra.
“Não vamos perder tempo com julgamentos”, disse no pedestal da sua cadeira-baloiço, um dos maiores genocidas do nacionalismo angolano e da independência nacional, Agostinho Neto. João Lourenço sabe que isto é verdade, mas – apesar disso – enaltece o assassino e enxovalha a memória das vítimas.
Esta posição da lei da força, marcaria para todo o sempre o sistema judicial, judiciário e de investigação policial em Angola, onde a presunção e a defesa de uma ideologia diferente da do partido no poder, são causa bastante para acusação, julgamento, prisão e até mesmo assassinato político, ainda que a pena de morte, não esteja consagrada na Constituição.
Sempre que o regime diz o que agora repete João Lourenço, todos devemos fazer uma viagem de regresso a 1977 para ver como estão as cicatrizes daquele período de barbárie, que levou muitos de nós às fedorentas masmorras da polícia política de Agostinho Neto, ou mesmo aos assassinatos atrozes, como nunca antes o próprio colono português havia praticado contra muitos intelectuais pretos, sendo o próprio Neto disso um exemplo.
Desde 1977 que Angola, o Povo, aguarda pela justiça, mas com as mentes caducas no leme do país, essa magnanimidade de retractação mútua, para o sarar de feridas, não será possível, augurar uma Comissão da Verdade e Reconciliação, muito também por não haver um líder em Angola.
fonte: folha8
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Samuel